Reportagens

Zoneamento gera conflito na Baixada

Zoneamento Ecológico-Econômico da Baixada Santista demorou dez anos para ser formulado, mas antes mesmo de sair do papel gera polêmica e recebe avalanche de propostas de alteração.

Cristiane Prizibisczki ·
29 de julho de 2008 · 16 anos atrás

Terceira maior região de São Paulo em termos populacionais, a Baixada Santista possui grande importância econômica para o Estado, representada principalmente pelo parque industrial de Cubatão e pelo Porto de Santos. Considerado o maior e mais importante complexo portuário da América do Sul, Santos movimenta cerca de 40 milhões de toneladas de carga por ano, o que representa mais de um terço de todo o comércio exterior do Brasil. Apesar da grande vocação portuária, a Baixada Santista, formada por nove cidades – Peruíbe, Itanhaém, Bertioga, Guarujá, Mongaguá, Praia Grande e São Vicente, além de Cubatão e Santos – também tem destaque nas atividades industriais e de turismo.

Exibir mapa ampliado

No entanto, não é só no âmbito econômico que a Baixada é vista com importância. A região é morada de várias espécies ameaçadas de extinção, como a toninha, a tartaruga-de-couro e os guarás, que habitam manguezais e bancos de sedimento de sua faixa litorânea. Nesta luta entre a sobrevivência das espécies e a fome do setor industrial, não é difícil imaginar que os ecossistemas é que são, na maioria das vezes, os derrotados. Segundo o biólogo Denis Abessa, professor da Unesp São Vicente, os maiores vilões são a ocupação humana não planejada, que provoca perda de habitat e poluição em diversos níveis, e a pesca predatória.

Para tentar resolver alguns desses problemas – e propiciar a expansão das atividades econômicas da região – o Governo do Estado de São Paulo vem, há dez anos, trabalhando no Zoneamento Ecológico-Econômico da Baixada Santista, cuja redação preliminar já foi concluída. Entretanto, ele ainda nem saiu do papel e já começa a gerar controvérsias. A principal crítica recai nos interesses que estão por trás do documento. Segundo entidades ambientalistas, várias das determinações do documento beneficiam o setor produtivo da Baixada, em detrimento de medidas de conservação.

Parte das etapas de regulamentação da Lei n° 10.019/98, que instituiu o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, o ZEE já foi revisto várias vezes pelo Grupo Setorial de Coordenação da Baixada Santista (GSBS) e teve diversas redações diferentes. A última delas passou por consulta pública recentemente e, há cerca de duas semanas, terminou o prazo para que propostas de modificação do documento fossem enviadas à Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo. Ainda não há data prevista para a assinatura definitiva do governador José Serra.

Todas as propostas de ocupação do solo da Baixada Santista contidas no ZEE foram amplamente discutidas nas audiências públicas e internamente pelos membros do GSBS, além de terem sido submetidas a votação. A primeira vista, tal processo poderia levar à conclusão de que as propostas são frutos de um debate democrático. No entanto, é justamente na configuração do Grupo Setorial que recaem as primeiras críticas.

Segundo Fabrício Gandini, membro do GSBS e diretor presidente do Instituto Maramar, OSCIP que defende o manejo responsável dos recursos naturais da Baixada, a forma como o Grupo foi constituído favoreceu os interesses do setor imobiliário. “O grupo é representado por duas ONGs que estão envolvidas com a questão ambiental, o Instituto Maramar e a Caá – Oby, que sempre defenderam a questão dos direitos coletivos com viés ambiental. As outras sete ONGs [representantes da sociedade civil no GSBS] representam os interesses da indústria e o setor da construção, como o sindicato dos engenheiros”, reclama Gandini.

O resultado desta formação “tendenciosa” é um zoneamento que estimula a expansão urbana em áreas que deveriam ser preservadas, como os remanescentes de Mata Atlântica e restinga da Baixada. Entre os pontos do ZEE contestados por Gandini está a rotulação de frações de manguezais do Estuário de Santos como Z5 – que, pela definição da minuta do ZEE, é uma “zona que apresenta a maior parte dos componentes dos ecossistemas primitivos degradada ou suprimida” e onde é permitida a expansão de residências e indústrias – e a rotulação do canal de Bertioga, onde pretende-se criar uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável, como Z4, o que permitiria o uso de até 60% da área para construção de casas, comércio e prestação de serviços.

Outro ponto forte da proposta de alteração do ZEE apresentada pelo Instituto Maramar é o zoneamento marinho. De acordo com Gandini, até hoje o conhecimento sobre o uso do mar é muito restrito, o que levou a uma formulação inadequada de ocupação. “Se você pegar o artigo 69 da minuta atual ele diz que atividades da pesca esportiva e atividades relacionadas a dragagem não devem ser contempladas no ZEE. A gente quer a morte desse artigo, porque as atividades que são de fato impactantes não são consideradas”, argumenta o diretor.

Para tentar resolver o problema, o Instituto Maramar realizou consultas públicas com pescadores para identificar os principais pontos de conflito existentes. Desse levantamento surgiu um zoneamento “paralelo”, que também foi enviado para avaliação do GSBS.

Papagaio-de-peito-roxo

A minuta do projeto de Zoneamento Ecológico-Econômico da Baixada Santista ainda passará por três etapas de avaliação. A primeira será feita pelo Grupo Setorial de Coordenação da Baixada Santista, a segunda pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e a terceira pela Assembléia Legislativa, para só então ser enviada ao governador José Serra. Em qualquer uma das etapas o documento poderá sofrer modificações.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Notícias
10 de dezembro de 2024

Aridez avança e 3/4 do planeta ficaram mais secos nas últimas décadas, diz estudo da ONU

Relatório apresentado na COP da Desertificação, que acontece na Arábia Saudita, aponta que 40,6% das terras do mundo são áridas; aridez cresce no Nordeste e Amazônia corre risco

Colunas
10 de dezembro de 2024

Surucucu Solteira Procura

Os casamenteiros do Museu Biológico buscam um noivo que possa ser enviado por algum criadouro para ser match da Surucucu do Butantan

Notícias
9 de dezembro de 2024

Diretor-presidente do Ipaam é afastado após envolvimento em suposto esquema de fraude ambiental no Amazonas

Além de Juliano Valente, outros membros da diretoria do órgão foram presos preventivamente pelos crimes contra o Meio Ambiente, Patrimônio Genética contra a Flora

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.