Reportagens

Dos pés à cabeça

Ibama passará por transformação maior do que a anunciada por Marina. Mudará desde a distribuição geográfica de suas unidades até a forma de atuar. Paraná deu os primeiros passos.

Andreia Fanzeres ·
26 de abril de 2007 · 17 anos atrás

A notícia da criação de um instituto que vai cuidar exclusivamente das unidades de conservação federais pegou o Ibama de surpresa. O órgão, que está prestes a executar outras profundas mudanças internas, administrativas e estruturais, ainda não tem respostas claras sobre como as ações anunciadas nesta quarta-feira pela ministra Marina Silva vão mexer com o quadro de recursos humanos, atribuições e recursos financeiros do Ibama. “Só com a publicação do ato de criação do novo instituto, que vai acontecer nos próximos dias, é que teremos um prazo para apresentar a estrutura final dos dois órgãos”, avisa João Paulo Capobianco, atual secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Mesmo assim, ele garante que a reestruturação prevista no Ibama será posta em prática conforme o planejado.

No Paraná, ela já começou. Desde a última segunda-feira, dia 23 de abril, o Ibama de lá iniciou a implantação de um novo esquema de trabalho, com anuência da presidência do instituto. No papel – mas muito próximo de sair dele – a distribuição geográfica das unidades do instituto foi alterada. Muitas serão desativadas, outras fundidas entre si (inclusive com unidades de conservação) e os funcionários passarão a cumprir a execução da política ambiental por metas, através da formação de equipes especiais. Foi com base nessa experiência paranaense que o conselho gestor do Ibama aprovou há duas semanas que a proposta fosse extensiva ao restante do país.

Distribuição geográfica diferente

De acordo com o projeto, só seriam mantidos os escritórios regionais e as gerências executivas do Ibama que desempenham funções estratégicas (estão em áreas de fronteira, em zonas portuárias, na rota do tráfico de animais ou têm demandas significativas), outras seriam desativadas ou unidas por afinidade e localização aos chamados núcleos de gestão integrada. Por essas regras, exatas 16 unidades do Ibama terão que ser mantidas, como Oiapoque (AP), Tabatinga (AM), Santos (SP) e Santarém (PA).

Um dos principais pontos do projeto é a união de gerências executivas e escritórios regionais com unidades de conservação, sempre que possível. Mas agora, com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, nem mesmo os idealizadores do plano sabem o que vai acontecer. Apenas o Ministério, que negociou a criação do novo instituto diretamente com o presidente Lula, pode dar essa resposta. Segundo Capobianco, os servidores que trabalharão no novo órgão serão lotados dentro das unidades de conservação e estarão responsáveis exclusivamente pela sua gestão e implementação. Por isso, é importante que o Ibama continue mantendo vínculo com essas unidades para a execução de outras tarefas, como fiscalização.

Cinqüenta e nove unidades do Ibama estão cotadas para se fundirem. É o caso do escritório de Laguna (SC) com a APA da Baleia Franca e da unidade de Angra dos Reis, no sul fluminense, com a Estação Ecológica de Tamoios, APA de Cairuçu ou Parque Nacional da Serra da Bocaina. Ainda o escritório de Carauari (AM), com a Reserva Extrativista Médio Juruá, a unidade de Paragominas (PA) com Reserva Biológica do Gurupi, unidade de Poconé (MT) com Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense e tantos outros casos listados pelo grupo de trabalho.

Dessa relação, sobram as 75 unidades do Ibama na berlinda para fecharem as portas, a menos que apresentem à Brasília justificativas bem fundamentadas para continuarem funcionando. Mesmo localizados em áreas de grande pressão de desmatamento, se escritórios e gerências não provarem que realizam atividades diárias, permanentes e necessárias, deixarão de existir. Nessa listagem estão entre outras unidades as de Sinop e Alta Floresta (MT), Corumbá (MS), Picos (PI), Juazeiro (BA), Tucuruí e Altamira (PA), Barcelos e Lábrea (AM), Vilhena e Ji-Paraná (RO), Bauru e Ribeirão Preto (SP), Uberlândia e Juiz de Fora (MG).

Os idealizadores da proposta garantem que tais áreas não ficarão descobertas, serão alvos de atividades do Ibama, executadas por equipes móveis e temporárias. No caso de desativação de unidades na Amazônia, onde a ação predominante é a fiscalização ambiental, Andréa Vulcanis, superintendente do Ibama no Paraná e uma das autoras do plano, acredita que a estratégia das equipes móveis, já bastante usada em ocasiões de operações do Ibama, será bem mais eficaz. “Os escritórios regionais geralmente têm estruturas muito enxutas e ineficientes, não conseguem fiscalizar sem ajuda de servidores de outras localidades. As pessoas que ficam por lá acabam sujeitas a pressões e obrigadas a criar vínculos sociais que atrapalham o trabalho do Ibama”, explica ela, que defende ainda que tais mudanças não têm nada a ver com contenção de despesas dentro do órgão.

Divisão de tarefas

“Muitos escritórios regionais do Ibama executam funções que deveriam ser de outros entes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), ou seja, eles não têm realmente atribuições de responsabilidade federal”, diz Marcelo Françozo, diretor de ecossistemas do Ibama e relator do grupo que elaborou a proposta. Segundo o relatório final do grupo de trabalho, essas atribuições incluem fiscalização sobre o que se licencia, danos contra unidades de conservação e monitoramento de programas federais específicos, como o de combate a desmatamento na Amazônia. Pequenas fiscalizações e licenciamentos de impactos locais e regionais entram na seara a que ele se refere. “Temos que sair do varejo e pensar mais na estratégia. É importante que a sociedade reconheça que outros órgãos também são responsáveis pelo meio ambiente no país, não só o Ibama ”, opina.

Françozo reconhece que hoje estados e municípios não estão 100% preparados para assumirem as atribuições que se acumulam no Ibama. Por isso Capobianco lembra que, ao passo que algumas unidades serão desativadas, outras serão criadas. “Com a reorganização das unidades descentralizadas do Ibama, queremos reforçar nossa presença onde a atuação dos estados ainda é frágil”, diz.

O Ibama em Brasília informou que até o fim desta semana a proposta de reestruturação das unidades do Ibama será enviada a todos os superintendentes nos estados para que eles manifestem-se quanto às justificativas de manutenção de escritórios e gerências, assim como quanto a criação de outras unidades. A partir do recebimento da proposta, os superintendentes terão 30 dias para devolverem seus pareceres a Brasília.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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