Reportagens

Manual de sobrevivência

Após alertar a sociedade para os riscos do aquecimento da planeta, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas mostra o que pode ser feito para mitigar o problema.

Carolina Elia ·
4 de maio de 2007 · 17 anos atrás

Mitigar os efeitos do aquecimento global é possível, a tecnologia necessária já existe e todos têm algum papel a cumprir, desde o cidadão comum aos chefes de estado. Este foi o recado da terceira e última parte do quarto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado nesta madrugada em Bancoc, pela ONU.

Segundo os cientistas de 110 países que elaboraram o relatório, para estabilizar o aquecimento da Terra numa faixa de 2oC a 4oC (considerada a temperatura crítica para a ocorrência de mudanças drásticas no planeta) seria necessário investir cerca de 0,2% a 3% do PIB mundial. Algo que hoje se encontra na casa dos 1.8 trilhões de dólares. Este custo não abate os ganhos do investimento, como a redução da poluição e a necessidade de se investir menos em saúde pública e saneamento. Roberto Schaeffer, um dos cientistas brasileiros que participaram do Painel, afirma que os benefícios podem zerar os gastos, dependendo do modelo.

Mas se nada de novo for feito e as políticas de mitigação continuarem tímidas como são, a perspectiva é que a quantidade de CO2 na atmosfera aumente em até 110% entre 2000 e 2030 e a qualidade de vida piore.

O Brasil pode contribuir significativamente para que este patamar não seja alcançado. O documento afirma que 65% do total do potencial de mitigação do efeito estufa se encontram nos trópicos e que 50% podem ser atingidos com a redução do desmatamento das florestas. Além de incentivos fiscais para a ampliação de áreas florestadas e atividades de manejo e controle sob o uso da terra.

A agricultura também pode contribuir tanto com seqüestro de carbono e metano (em alguns casos) quanto com matéria-prima para biocombustíveis. Mas o Painel enfatizou que os benefícios desta fonte de energia limpa dependem da forma de produção. Ou seja, que não prejudique o meio ambiente nem a produção mundial de alimentos.

No mais, trata-se de mudar o estilo de vida e o padrão de comportamento de uma sociedade de consumo. O primeiro passo é a implementação de programas de educação e treinamento que ajudem a quebrar o preconceito do mercado com energias mais eficientes e levem as pessoas a optarem pelo uso de tecnologias menos poluentes. Como a compra de carros, eletrodomésticos e até casas mais “verdes”. No campo político, é possível se investir em ferrovias, ciclovias, transporte público e, no futuro, na adoção de aviões limpos em termos de combustível.

Peça-chave

Diante dos diferentes cenários propostos pelos cientistas para a Terra em relação à capacidade humana de estabilizar o aquecimento, a aplicação de energias mais limpas e eficientes é um ponto crucial. Investimentos no setor energético devem alcançar a cifra total de 20 trilhões de dólares até 2030 e o estudo alerta que para reduzir até lá as emissões de CO2 provocadas por este setor para níveis similares aos de 2005, é necessário uma guinada no padrão de investimento. Os cientistas também reforçam que a difusão de tecnologias mais eficientes pode levar décadas mesmo que haja incentivos neste sentido uma vez que se trata da substituição de peças de vida longa.

Para pressionar a indústria a usar tecnologias mais eficientes, o painel sugere a adoção de medidas que já estão sendo aplicadas com sucesso em algumas partes do mundo. Entre elas: a redução de subsídios para a produção de combustíveis fósseis, taxas sobre esses produtos, incentivos fiscais para quem utiliza energia renovável e imposição do seu uso. Além da inclusão das políticas de combate ao efeito estufa nos projetos de desenvolvimento de cada país – no caso do Brasil, o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

O documento também defende a valorização do carbono no sentido de sua emissão ter um preço. A maioria dos signatários do relatório acredita que a medida incentiva tanto produtores quanto consumidores a investirem em tecnologias e produtos mais limpos. Os cientistas ainda endossam acordos voluntários que têm sido fechados entre governos e indústrias como uma ferramenta eficaz na redução de emissões. Quanto a ações voluntárias de autoridades regionais e organizações não governamentais, o Painel afirma que elas ajudam mais a conscientizar a população do que a diminuir o nível de poluição de forma significativa.

* Colaborou Eric Macedo.

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