Desde 2000, uma equipe da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS-BA) desembarcou na Chapada Diamantina para estudar as interações entre aves e plantas. Não saiu mais. Um dos frutos desse trabalho acaba de ser enviado para os editores da Revista Brasileira de Zoologia e, caso seja aceito, entrará em uma lista de espera para ser publicado. As chances são boas. A pesquisa, ainda inédita, analisa espécies de beija-flores encontrados na área de Cerrado do município de Mucugê, dentro da Chapada Diamantina, e sua relação com os recursos florais. O trabalho é o resultado de expedições bimestrais realizadas entre outubro de 2005 e agosto de 2007 na região. O estudo se estendeu à algumas regiões de Caatinga, o que deve gerar outro artigo acadêmico para o próximo ano.
Durante o período, 18 pesquisadores organizaram suas agendas para investigar, pela primeira vez, as características de aves ao mesmo tempo belas e pouco conhecidas. Só no cerrado baiano, existem oito espécies de beija-flores. Três são residentes. Outras três ocorrem sazonalmente. As duas espécies restantes não foram avistadas com a frequência necessária para determinar as características de sua ocorrência. “O estudo é importante porque mostra que estes animais são indispensáveis na fase reprodutiva de algumas plantas. Caso haja a necessidade de fazer o plano de manejo para um vegetal endêmico, é preciso levar em conta que o seu polinizador, o beija-flor, deve estar junto”, diz Caio Graco Machado, ornitólogo da UEFS e coordenador do projeto. (Texto segue abaixo do slideshow)
Ele conta que na Chapada há um número expressivo de plantas que podem servir para fins econômicos. É o caso da bromélia, muito vendida para casais apaixonados. Para manejá-la com eficiência, no entanto, torna-se fundamental avaliar com que espécie de beija-flor ela tem compatibilidade. Sem ele, uma bromélia não tem como mandar seu pólen para outra bromélia. O processo é imprescindível para a fecundação da planta. Nesse tipo de transporte, os beija-flores são especialistas. Cada espécie freqüenta uma combinação diferente de vegetais. “O pólen de uma planta costuma ser levado para outra da mesma espécie”, diz Machado. A sua relação com o beija-flor é uma das maneiras de manter os conjuntos gênicos adquiridos por cada planta ao longo de milhões de anos de trabalhos evolutivos. “Na maioria dos casos, não é bom gerar um indivíduo híbrido. Cada espécie evoluiu de modo a se adaptar à determinadas condições ambientais e serviços particulares”, completa.
Material estudado
A pesquisa foi nas Gerais do Mucugê, área situada entre as serras do Sincorá e do Bastião, a uma altitude de cerca de 1.160 metros e no ponto de maior turismo no Parque Nacional da Chapada Diamantina. Ao todo, onze espécies diferentes de plantas foram visitadas pelos oito beija-flores – dado considerado importante para delimitar o nível de dependência das aves em relação à fauna, e vice-versa. Embora tenha importante papel em futuros projetos de conservação, o pequeno número de plantas utilizadas como recurso alimentar provavelmente está relacionado à baixa densidade vegetal do cerrado ralo.
Durante as 12 expedições realizadas, o grupo de pesquisadores iniciava os trabalhos de observação a olho nu, ou com o auxílio de binóculos, ainda na aurora e só voltavam do campo depois do pôr-do-sol. O esforço, registrado nos cadernos de anotações, foi compensado com descrições inéditas sobre o comportamento de determinados tipos de beija-flores, como manifetações de agressividade e as plantas que visitam pela frente, na flor., onde se impregnam de pólen.
Apesar do bom número de autonomia evolutiva verificado entre os animais, alguns deles são característicos de outros biomas. O principal exemplo deste movimento atende pelo nome de Anopetia gounellei, considerada uma ave ocasional na área delimitada pelo artigo. Endêmica da vegetação de Caatinga, ela foi encontrada no Cerrado durante uma expedição em fevereiro de 2006, quando houve um período de seca atípico na estação chuvosa. “Devido a esta estiagem, a densidade de indivíduos floridos na caatinga foi muito baixa, o que sugere que esta espécie tenha se deslocado para os campos gerais para forragear”, diz um trecho do texto acadêmico.
Outros biomas estudados
(Fonte: J. del Hoyo / Lynx) |
As viagens feitas pela equipe de ornitólogos renderam mais do que estudos sobre os beija-flores do cerrado. As aves da Caatinga da Chapada Diamantina também foram registradas. Valeram boas histórias e receberão um artigo próprio em breve. Lá, o bicho que visitou o maior número de plantas foi o beija-flor-do-bico-vermelho (Chlorostilhon lucidus), com investidas em 21 espécies diferentes. Uma vez presente em algum tipo de flor, ele defende seu território com vigor. Talvez por isso tenha sido o único a explorar seis plantas sozinho. Uma curiosidade, aliás, diz respeito às relações entre os machos e fêmeas da espécie: eles não foram vistos juntos no mesmo lugar nem uma vez sequer, provavelmente porque tem bicos de tamanho semelhante e competem pelos mesmos recursos. Sendo assim, machos e fêmeas não defendem o mesmo território, para evitar competição.
De acordo com Caio Graco, os estudos desenvolvidos podem colaborar na criação de unidades de conservação dentro da Chapada. Em primeiro lugar, graças às informações sobre a variedade de espécies de beija-flores e suas contribuições para o incremento nas populações de vegetais da região. Depois, porque o equilíbrio do ecossistema local depende da proteção destes elementos da biodiversidade.
Se depender do ornitólogo e sua equipe, as aves terão vida longa na Bahia. Em junho de 2007, eles já haviam publicado trabalho semelhante na Revista Brasileira de Ornitologia. Na ocasião, o estudo se baseou no registro de beija-flores em uma área de campo rupestre da Chapada Diamantina entre março de 2002 e janeiro de 2004. Lá também existem sete espécies da ave, que visitam 36 tipos diferentes de plantas. Apenas duas, no entanto, foram consideradas residentes. As outras ocorrem, basicamente, no período chuvoso.
Ao longo das pesquisas no campo rupestre, Machado e seus companheiros também observaram a única espécie de beija-flor endêmica da Chapada Diamantina. Conhecida como beija-flor-de-gravatinha-vermelha, a ave é um símbolo do lugar e ocorre em altitudes acima de 950 metros. Embora não conste na lista de aves brasileiras ameaçadas de extinção, o cientista da UEFS é cauteloso ao falar sobre as ameaças que o bicho sofre. “Não há trabalhos específicos sobre a população desta espécie, mas agora vamos iniciar a formatação de um catálogo com as aves em perigo na Bahia, apenas”. Resta torcer para que ela não esteja em risco.
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