É possível acabar com o desmatamento na Amazônia? Um grupo de organizações não-governamentais brasileiras e internacionais acha que sim. Elas lançaram nesta quarta-feira em Brasília uma proposta gerida e debatida desde o início deste ano de pacto envolvendo o governo federal e estados amazônicos para zerar a derrubada da maior floresta tropical do planeta até 2015.
O ambicioso plano prevê a redução gradativa do desmate a partir dos 14 mil quilômetros quadrados registrados entre 2005-2006. Se tudo correr como as ONGs esperam, uma área com mais de 68 mil quilômetros quadrados de matas poderá ser poupada nos próximos anos. Para transformar a meta em realidade, serão necessários pelo menos sete bilhões de reais, cerca de um bilhão de reais por ano para ampliar a fiscalização, compensar produtores por não derrubarem a floresta, estimular o uso de áreas desmatadas e a produção sustentável. Do total de recursos, espera-se que cinco bilhões de reais venham do Orçamento Geral da União. Só para efeito de comparação, o Plano Safra 2007-2008 conta com 70 bilhões de reais apenas para apoiar a agricultura empresarial e familiar.
O cenário econômico nacional permitiria o aporte de cinco bilhões na área de meio ambiente. Conforme o economista da Macrotempo, Luis Afonso Simoens da Silva, o país apresenta economia e arrecadação crescentes que, aliadas à redução da taxa de juros, levariam a uma “folga orçamentária”. Recursos também poderão vir de organismos internacionais e de doações do setor privado, dentro e fora do Brasil. “Esperamos que o maior investidor (no pacto) seja o governo federal. O acesso a recursos externos vem sendo dificultado, pois o Brasil já é visto como um país de renda média”, diz Silva. Ele ajudou a elaborar o estudo econômico para a proposta do pacto.
Os recursos governamentais e de outras fontes abasteceriam um fundo que pode ser criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes). As verbas seriam o principal incentivador ao freio para o desmatamento da Amazônia, bioma que já perdeu 17% de suas florestas. Os estados amazônicos também podem contribuir, segundo Silva, seja repassando uma fatia maior do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ao fundo ou apoiando a criação de uma Cide Ambiental, uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico-Ambiental. Essa taxa incidiria sobre atividades poluidoras em todo o país, revertendo recursos para os estados amazônicos compensarem o breque no desmatamento.
Ganha mais quem derruba menos
Um dos pontos chave da proposta apresentada hoje é uma compensação financeira por desmatamento evitado. Com base em metas desenhadas de acordo com o tamanho dos estados, remanescentes florestais e desmatamento histórico, serão definidos os repasses. Também estarão na balança o cadastramento de propriedades rurais, criação e efetivação de áreas protegidas, implantação de assentamentos que sigam à risca a legislação e programas que não promovam novos desmates. Mas para embolsar a compensação, os estados precisarão comprovar que machados e motosserras estão realmente parados. Aqueles que cumprirem as metas de redução de desmatamento antes do prazo serão presenteados com mais dinheiro.
Preocupados com o destino das compensações, estados amazônicos alertaram que o mecanismo para distribuição de recursos deve funcionar de forma descentralizada e olhar para quem realmente preservou florestas ao longo do tempo, e não só para onde as matas foram mais derrubadas. “Repassar verbas a fundos estaduais será importante para melhorar a gestão e a eficiência da aplicação dos recursos”, disse Virgílio Viana, secretário do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas.
Também preocupado com a compensação financeira, o governador Waldez Góes, do Amapá, acredita que o pacto trará visibilidade a uma série de ações desenvolvidas pelos estados, já voltadas à redução do desmate. Elas poderiam ser reproduzidas em outros estados e até fora do país. “O pacto não pode privilegiar quem mais desmatou. A equação deve beneficiar também quem preserva a natureza”, disse.
As alfinetadas tiveram endereço certo, o governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, estado que vem encabeçando nos últimos anos as taxas de derrubada da Amazônia. Segundo ele, em seu estado a maioria das terras está nas mãos de particulares, enquanto que em outras regiões da Amazônia predominam terras devolutas (sem dono). “É mais fácil preservar e criar unidades de conservação em estados com mais terras devolutas. Mas não deve haver atrito entre os estados da região”, falou.
Conforme Maggi, os produtores mato-grossenses estariam prontos para o debate a partir do lançamento do pacto e para trabalhar pela redução do desmatamento, mas precisam ser recompensados por isso. E a lista de exigências e compensações aos produtores não é curta. Ele defendeu alterações no Código Florestal para auxiliar na redução do desmate em seu estado e alertou sobre o possível retorno do desmatamento, aliás, tendência já demonstrada nos últimos meses. “A conjuntura econômica e políticas federais levaram à redução do desmate nos últimos anos, isso é fato. Agora, se atividades econômicas voltarem a crescer, perde-se um dos fatores de redução. O leão do desmatamento está adormecido, mas pode acordar a qualquer momento e com muita fome. Esse é o momento para se fazer algo para que ele permaneça adormecido”, diz Maggi.
Papel do governo
Única representante do governo federal presente no lançamento realizado na Câmara dos Deputados, a ministra Marina Silva avaliou que, com o pacto, a sociedade brasileira está dizendo que o combate ao desmatamento deve ser uma ação nacional e não mais restrita ao governo federal. “Apoio a idéia de que se faça um pacto. Vamos avaliar a proposta no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e da coordenação do Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia”, expressou, com cautela. Ela disse que o plano está sendo revisado pelo governo, e poderá incorporar medidas propostas pelo pacto. Segundo ambientalistas, a iniciativa tem o mérito de pela primeira vez falar em metas internas para redução de desmatamento. Isso poderá influenciar a formatação da segunda fase do Protocolo de Quioto, após 2012, quando se espera que o tratado incorpore a possibilidade de compensações por desmatamento evitado. Por enquanto, apenas mercados voluntários, como a Bolsa de Chicago, apresentam esta possibilidade.
“Há vontade e mecanismos para se frear o desmate. Se temos metas para energia e outras áreas, por que não para conter o desmatamento? A decisão está com cada um dos estados e com o governo federal”, diz Paulo Moutinho, coordenador de pesquisas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipaam). Segundo o coordenador-internacional do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário, o pacto não é uma receita pronta, mas sim um chamado aos governos e à sociedade para que contribuam com idéias para levar ao fim do desmatamento. “Estamos (as ONGs) fazendo a nossa parte”, diz. As cartas estão lançadas.
*Aldem Bourscheit é jornalista em Brasília.
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