Um grupo com sete ativistas do Greenpeace se refugiou na tarde desta terça-feira nas dependências da base do exército em Castelo dos Sonhos, município às margens da rodovia BR-163, no sudoeste do Pará. De lá, só conseguiram sair por volta das 18hs de quarta. Membros da ONG tinham sido autorizados pelo Ibama a recolherem uma tora de 13 metros de uma castanheira queimada ilegalmente em terras públicas já desmatadas. A árvore serviria de símbolo da exposição itinerante “Aquecimento Global: Apague essa Idéia”, que deixava o Norte rumo às cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas quando passavam pela cidade paraense que faz divisa com o Mato Grosso, os ambientalistas foram abordados por cerca de trinta madeireiros e dois caminhões. Impedido de continuar a viagem, o Greenpeace pediu abrigo em uma base do exército, que serve de apóio ao trabalho de fiscalização dos servidores do Ibama na região.
A base foi imediatamente cercada por aproximadamente 300 manifestantes. Em princípio, a multidão exigiu receber a tora, sob o argumento de que ela poderia causar má impressão da realidade na Amazônia para as populações do Sudeste. “A própria comunidade se revoltou, desde sem terras até os madeireiros. A população se sente prejudicada, com medo de que a exibição atrapalhe a extração de madeira. E eles vivem disso”, afirma o delegado Lucivelton Ferreira dos Santos, um dos policiais que atuaram para dar fim ao conflito. Ele fez questão de lembrar que zela pela proteção de todos e não tomou partido da situação, mas julgou que a árvore era mesmo fruto de um desmatamento ilegal. No caso, a castanheira foi resgatada de um assentamento de Reforma Agrária nas margens da BR-163.
Segundo comunicado oficial da ONG, o Ibama “concedeu a autorização para a coleta, transporte e exposição da castanheira, por entender que se trata de um trabalho com finalidade cultural e educativa, importante para proteger a maior floresta tropical do mundo”. Mesmo assim, a viagem dos ambientalistas foi frustrada. Por ordem da presidência do órgão ambiental, o Greenpeace foi obrigado a entregar a tora de castanheira. “O Ibama cedeu às pressões dos madeireiros”, disse André Muggiati, do Greenpeace. Para piorar, informou a ONG, embora houvesse instruções enviadas pelo Ibama de que a árvore voltasse ao local de origem, o motorista do caminhão alugado ouviu os pedidos dos madeireiros e deixou a tora no centro da cidade. Ali uma festa da vitória foi organizada.
Flávio Montiel, diretor de proteção ambiental do Ibama, tem uma versão diferente dos fatos. Segundo ele, a ONG pediu uma liberação para transportar madeira queimada, e não uma tora de castanheira situada em um assentamento. Em sua opinião a partir do momento em que a rebelião estourou e os ativistas pediram abrigo à base do exército, todos os que estavam lá dentro ficaram em perigo. “O pessoal foi recebido sob gritos de ‘Pega! Mata! Esfola!’. Todo mundo que estava dentro da base foi ameaçado, inclusive os servidores do Ibama. Além disso, não podemos parar nossas operações por causa dessa revolta. Por isso, decidimos suspender a autorização, para tentar amenizar o conflito”, disse.
Infelizmente, não foi tão fácil assim. Doze soldados e cerca de dez policiais, entre civis e militares, fizeram a proteção dos ambientalistas desde a noite de ontem. Ou pelo menos alguns deles. O tenente-coronel Dovanin Ferraz Camargo Jr., como líder da operação, mandou um recado de Itaituba, município onde trabalha, mas não transmitiu nenhuma calma aos presentes. Pelo contrário. Tudo o que fez foi dizer que prezava pela segurança do acampamento e que, por isso, o mais aconselhável era colocar os ativistas frente a frente com a multidão de revoltosos para definir o impasse. Diante da infeliz colocação, o coordenador da expedição, Marcelo Marquesini, escreveu no texto enviado do refúgio que “esse incidente prova que a presença do Estado na região amazônica é débil e não consegue sequer garantir direitos constitucionais básicos, como a segurança e a locomoção das pessoas”.
Difícil resolução
Montiel se mostrou indignado com esta declaração e disse que a única razão pela qual Marquesini estava são e salvo para falar com a imprensa era a proteção do exército que foi oferecida. Ou seja, na visão do diretor de proteção ambiental do Ibama, o coordenador da expedição reclamava justamente de quem lhe salvou a vida.
Os ambientalistas permaneceram durante todo o tempo dentro da base. E ainda ouviram os madeireiros exigirem que dois de seus membros se retratassem publicamente. Segundo eles, esta era a única forma para que os ambientalistas da expedição deixassem o município de Castelo dos Sonhos salvos. A determinação não foi cumprida sob a alegação de que não havia qualquer garantia de uma completa proteção frente a centenas de manifestantes ensandecidos.
O Ibama solicitou à secretária de Segurança do Estado do Pará, Vera Marques Tavares, que enviasse um contingente de policiais especializados em resolver motins para o local, mas não obteve resposta. O pedido veio após os guardas de Castelo dos Sonhos solicitarem ajuda extra, já que não estão acostumados a lidar com situações como a revolta destes dois últimos dias.. Mas apenas dez oficiais do município de Novo Progresso ofereceram reforço aos seus colegas.
Enquanto o poder público não garantisse a completa segurança dos militantes sitiados, os madeireiros faziam a festa na cidade em comemoração à vitória. Satisfeitos por um símbolo do desmatamento ilegal não sair de suas terras e chegar aos olhos do Sudeste brasileiro, eles fizeram um grande churrasco em frente à base do exército. Preocupados com a combinação entre ódio e bebida alcóolica, os guardas novamente pediram para que os sete membros do Greenpeace saíssem do acampamento.
Por volta das 18hs de quarta-feira, os ativistas e as autoridades conseguiram negociar a fuga. Da base, duas caminhonetes da organização foram escoltadas por guardas das polícias militar e civil, que trabalharam mais de 30 horas para segurar a turba. Até os limites da cidade, os ambientalistas foram protegidos. A partir dali, quem sabe quando a lei da selva voltará a prevalecer.
Leia também
Entrando no Clima#37- Brasil é escolhido como mediador nas negociações
Os olhos do mundo estão voltados para o Brasil, que realiza a reunião final do G20 na segunda e terça-feira (18 e 19), mas isso não ofuscou sua importância na COP29. O país foi escolhido pela presidência da Cúpula do Clima para ajudar a destravar as agendas que têm sido discutidas na capital do Azerbaijão, →
G20: ativistas pressionam por taxação dos super ricos em prol do clima
Organizada pelo grupo britânico Glasgow Actions Team, mensagens voltadas aos líderes mundiais presentes na reunião do G20 serão projetadas pelo Rio a partir da noite desta segunda →
Mirando o desmatamento zero, Brasil avança em novo fundo de preservação
Na COP29, coalizão de países com grandes porções florestais dá mais um passo na formulação de entendimento comum sobre o que querem para o futuro →