Reportagens

Pescaria perigosa

Impactos da pesca amadora no mundo já são equivalentes ao da pesca profissional. Projeto da ONG SOS Mata Atlântica busca minimizar aspectos negativos da prática no litoral sul de SP

Cristiane Prizibisczki ·
15 de setembro de 2009 · 15 anos atrás
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Com 8.500 quilômetros de costa marítima e a maior rede hidrográfica do planeta, o Brasil é uma tentação para quem gosta de lançar o anzol na água. Importante atividade recreativa, econômica e social, a pesca amadora já virou ditado popular, letra de música sertaneja (de gosto duvidoso) e motivo de torneios por todo o país. A estimativa é que existam entre três e cinco milhões de pescadores amadores no Brasil, responsáveis por gerar receita anual de R$ 125 a 160 milhões de reais, 35 mil empregos diretos e 250 mil indiretos. Mas a o crescimento da prática, não só em águas brasileiras, é também responsável pela diminuição dos estoques pesqueiros em todo o mundo.

Estudo realizado pelos pesquisadores Steve Cookea, do Centro de Ciências Florestais do Canadá, e Ian Cowxb, do Instituto Internacional de Pesca Hull (Reino Unido), indicaram que, já em 2004, os “esforços de pesca” na prática amadora eram equivalentes aos da pesca comercial. A estimativa é que a atividade seja responsável por aproximadamente 12% da produção mundial de pescado. Nos EUA, por exemplo, são cerca de 40 milhões de pescadores esportivos, que gastam anualmente 45 bilhões de dólares em equipamentos, transporte, hospedagem e outras despesas associadas. Já na Europa, o número de praticantes é de cerca de 21 milhões, com gastos estimados em 10 bilhões de dólares anuais.

Por aqui, a participação é bem menor, mas as estimativas têm grande chance de estarem subestimadas, já que faltam dados. No Pantanal, famoso destino para a pesca amadora e, por isso, local onde os dados estão um pouco mais organizados, a prática representa 75% do total. Na região dos municípios de Iguape, Cananéia e Ilha Comprida, no litoral sul paulista, a pesca esportiva é o segundo atrativo mais forte. Somente nos três municípios existem sete marinas, que oferecem toda a infra-estrutura para este tipo de turista.

História dos pescadores

Os danos causados pelo crescente número de praticantes da pesca amadora vão de diminuição dos estoques de peixes e desmatamento gerados por obras de infra-estrutura turística à poluição dos rios por esgoto doméstico e resíduos das embarcações, abusos na circulação de embarcações motorizadas nos estuários – o que causa destruição de áreas de manguezais e assoreamento de rios -, massificação do turismo de pesca e conflitos com a pesca tradicional.

Gilmar Leocádio, morador de Iguape, conhece essa história. Antigo pescador profissional, ele deixou a atividade há alguns anos para se dedicar exclusivamente aos seus concorrentes: hoje é guia de pesca. “O peixe diminuiu bastante. No decorrer dos anos foi tendo muita embarcação [amadora] e tinhamos [pescadores profissionais] que querem ir para cada vez mais longe, às vezes a 40 minutos da costa. Os peixes grandes que costumávamos pegar, como um cação de 214 quilos que peguei uma vez, praticamente acabaram”, diz.

Leocádio é um dos 105 guias capacitados pelo projeto Mata Atlântica & Pesca, da não-governamental SOS Mata Atlântica. A iniciatia começou há seis meses para tentar ordenar a pesca amadora no complexo estuarino-lagunar de Iguape, Cananéia e Ilha-Comprida, conhecido como Lagamar. A idéia é realizar, de forma participativa, um diagnóstico da atividade e fazer com que os impactos trazidos por ela sejam minimizados, incluindo a falta de renda para antigos pescadores profissionais.

O projeto está dividido em quatro frentes: caracterização e monitoramento da pesca na região – que busca responder perguntas como “qual o número de pescadores que visitam o Lagamar nas diferentes estações do ano, quais locais mais frequentados por eles e quais espécies mais pescadas”-; Levantamento socioeconômico e percepção ambiental dos diferentes atores da pesca amadora na cadeia da atividade, como pesqueiros, marinas e pousadas; perfil dos pescadores profissionais e treinamento dos guias de pesca.

Resultados parciais

Os resultados parciais do projeto, apresentados entre os dias 28 e 30 de agosto pela entidade, indicam que muita coisa ainda precisa ser feita. A produção média de cada pescador amador é de 31,3 peixes por pescaria, ou 3,3 peixes por hora. A espécie mais capturada é o robalo-peva (42%), mas outras importantes espécies também são capturadas, como a cióba e o cação-viola, ambas ameaçadas de extinção. “Eles [pescadores amadores] acham que têm que pagar a pescaria com o peixe que levam para a casa”, diz Paulo César Pereira, que há 20 anos trabalha como guia e hoje faz parte do programa da SOS MA.

Entre os pescadores entrevistados, 46% não souberam indicar o tamanho mínimo para que uma espécie possa ser capturada e 72% não souberam informar a cota de peixes estipulada pelo Ibama que pode ser levada para casa. A experiência dos guias também mostra que o período de defeso não é respeitado. “Cansei de limpar pescada com ova”, diz João Nascimento dos Santos, antigo pescador profissional que hoje se dedica à atividade de guia de pesca. Entre estes profissionais, 71% percebem que a quantidade de peixes diminuiu nos últimos anos, 88% que o tamanho médio dos peixes capturados está menor e ¼ vêem que o ambiente está degradado.

Segundo Mário Mantovani, diretor de Mobilização da SOS Mata Atlântica, a situação chegou a este ponto em grande parte pelo descaso do governo estadual para a região do Vale do Ribeira, que é muito pouco desenvolvida e ordenada. “A política pública não enxerga o local porque não dá voto”, diz o diretor.

Apesar do quadro negativo, muita coisa boa vem acontecendo em Lagamar. Os antigos pescadores profissionais que tiveram de deixar a profissão por conta da diminuição dos estoques pesqueiros hoje conseguem ter uma renda média mensal fixa de R$ 700 reais como guias de pescadores amadores. Os dados do programa Mata Atlântica & Pesca, coordenado pelo biólogo Fábio Motta, também deverão subsidiar a elaboração de um Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental Cananéia-Iguape-Peruíbe, sengundo o Instituto Chico Mendes. “Queremos um desenvolvimento para a região que seja diferente de Angra, onde o turismo é predatório. Um desenvolvimento que não se contamine, como contaminou outros lugares”, diz Mário Mantovani. O projeto da SOS MA vai até meados de 2010.

*A repórter viajou ao Lagamar a convite da ONG SOS Mata Atlântica

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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