Reportagens

Deja-vu dinamarquês

Faltam menos de 48 horas para o fim da Conferência do Clima, e os anfitriões do encontro conseguem criar clima de desconfiança entre delegações pela segunda vez.

Andreia Fanzeres · Gustavo Faleiros ·
16 de dezembro de 2009 · 15 anos atrás

(atualização – 16/12 – 17h30)

Manifesto dentro e fora do Bella Center. Diplomata brasileiro não chegou para negociações (foto Andreia Fanzeres)
Manifesto dentro e fora do Bella Center. Diplomata brasileiro não chegou para negociações (foto Andreia Fanzeres)

Um dia após um discurso de esperança feito pelo secretário-geral da ONU, Ban- Ki-Moon, em que afirmava que os líderes reunidos na Conferência do Clima “abririam as portas para o futuro”, o ambiente pesou nas plenárias de negociação. Diplomatas brasileiros relataram um clima de descofiança quando começou a circular a informação de que o governo dinamarquês, que preside a COP15, iria colocar um novo texto sobre a mesa.

Essa é a segunda vez que os anfitriões balançam o ritmo das negociações. No primeiro dia da COP15, um texto da Dinamarca vazado a imprensa britânica deixou africanos furiosos. (Leia mais em Copenhague em transe). Hoje, o descontentamento foi mais sútil. Na verdade, quem confirmou a existência de um segundo texto foi a própria presidente da COP, ministra dinamarquesa de Mudanças Climáticas, Connie Hedegaard, logo após anunciar subitamente que renunciaria a condução dos trabalhos. O gesto gerou um bafafá geral dentro do centro de convenções, e até agora a teoria – pois a própria ministra não deu mais detalhes – é que Connie não concorda com a mais nova tentativa de seu primeiro ministro, Lars Rasmussen, de emplacar um texto próprio.

Delegados brasileiros tiveram acesso à nova proposta dinamarquesa e não gostaram nada do que viram. É mais uma tentativa, dizem, de puxarem os países emergentes, principalmente a China, para um acordo comum. Algo que, por consequência, apagaria a divisão de responsabilidades entre ricos e pobres criada pelo Protocolo de Kyoto. Mas, na verdade, o que mais incomodou a todos foi a atitude dos anfitriões. “O processo não é transparente”, reclamaram diplomatas.

O surgimento de um novo texto em cima da hora, com posições que interessariam mais os países desenvolvidos, caiu como uma bomba na sessão plenária da manhã e gerou uma sensação de de ja vu. Era como se um novo “texto dinamarquês”, semelhante ao que circulou na terça-feira passada, estivesse sendo empurrado goela abaixo. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, fez coro e disse que o texto dinamarquês representaria uma quebra no processo da COP. Além disso, sua avaliação é de que será difícil conseguir um acordo ambicioso em Copenhague.  (ouça entrevista ao lado)

 Hugo Chavez

“Nesta manhã vimos que a presidência dinamarquesa da COP15 tem um outro texto. Não queremos obstruir o processo, mas é ilegítimo apresentarem um novo documento que caiu do céu sem consulta às partes, entregue por quem não quer a continuidade de Kyoto”, afirmou o negociador chinês. As tentativas de defesa do primeiro ministro dinamarquês Lars Rasmunssen, não aliviaram o clima de desconfiança. “As pessoas estão esperando resultados de Copenhague, quero deixar isso claro. Qualquer coisa que colocarmos na mesa deverá fazer o processo mover”, disse o atual presidente da COP15.

Praticamente todas as delegações do G77+China (grupo dos países em desenvolvimento) que falaram nesta quarta-feira confirmaram a exaustiva rotina de debates que entraram pela noite e se estenderam até as 7h da manhã de quarta, dia em que os negociadores deveriam entregar a versão final dos textos do novo acordo climático. Os relatórios referem-se ao grupo de trabalho que discute os compromissos do Protocolo de Kyoto a partir de 2012 e o a outro grupo que deveria estabelecer as ações de longo prazo nas áreas de mitigação, adaptação, tecnologia e finanças.

Nesta quarta também começaram os pronunciamentos dos chefes de estado. Mas antes mesmo que as negociações fossem iniciadas para valer, o Brasil pediu a palavra para declarar duas coisas. A primeira delas: a reclamação de que não havia condições de começar a negociar enquanto a delegação brasileira não conseguisse entrar no Bella Center, o centro de convenções onde ocorre a 15a Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Havia uma tremenda confusão do lado de fora, que terminou na prisão de 230 manifestantes. O embaixador Luiz Figueiredo Machado, negociador-chefe do Brasil, foi um dos que não conseguiu entrar.

Quando os discursos dos líderes das 193 nações finalmente começou, com quase uma hora de atraso, novos e emocionados apelos dominaram o plenário. Até o presidente da Venezuela, Hugo Chávez – que falou por cerca de 30 minutos, em vez dos três convencionais – se mostrou bem informado sobre as negociações e reforçou que não ia aceitar discutir um outro texto que não seja o dos grupos de trabalho. “Se o clima fosse um banco, os países desenvolvidos já o teriam salvo”, discursou.

Maldivas

 
Presidente da Maldivas no telão do plenário (foto: Andreia Fanzeres)
Presidente da Maldivas no telão do plenário (foto: Andreia Fanzeres)

Enquanto os países mais vulneráveis, liderados pelo arquipélago das Maldivas, pressionam por uma solução urgente, seja qual for o texto colocado na mesa, a maioria dos países em desenvolvimento rechaçou essa possibilidade. Um dos discursos mais emocionantes do dia foi mais uma vez feito pelo presidente Mohamed Nasheed, que se disse infelizmente descrente sobre um acordo ambicioso em Copenhague. “Esta é uma questão de vida ou morte. Concentrações de carbono acima de 350 partes por milhão (ppm) e aumento de mais de 1.5ºC de temperatura vão fazer meu país submergir. Não posso aceitar aqueles que acham que impedir isso é impossível”, apelou.

Para sensibilizar ainda mais as outras delegações, Nasheed fez referência ao que disse um ex-presidente americano. “John Kennedy um dia falou que os Estados Unidos iriam para a lua quando ainda não existia tecnologia para isso. Sete anos depois, eles aterrissaram lá. A inventividade dos americanos não tem limite. As emissões dos países ricos devem ser cortadas em 40% até 2020 e 95% até 2050. Se tudo continuar como está vamos chegar a 660 ppm com aumento de temperatura de 4º C até o fim do século”, continuou o presidente das Maldivas. No final do discurso, mandou um recado para os países ricos, que até agora não sinalizaram com recursos robustos para ajudar os países mais vulneráveis com transferência de tecnologia e adaptação. “Tenham em mente que as negociações sobre clima não têm nada a ver com dinheiro, mas tudo a ver com os nossos netos. Eu quero conhecer os meus netos”.

Líderes pedem acordo
(atualização – 16/12 – 10hs)

Hoje, as delegações voltaram a se debruçar sobre os textos dos dois grupos de trabalho, e estão preparados para enfrentar mais uma longa noite de discussões para tentar içar o acordo climático em Copenhague do completo fracasso. As coletivas de imprensa dos Estados Unidos e do Brasil, marcadas para esta tarde, foram canceladas em cima da hora.

Ministro sueco, Andreas Carlgreen, e comissário de meio ambiente da UE, Stavros Dimas, negam que bloco esteja fugindo de polêmicas (foto: Andreia Fanzeres)
Ministro sueco, Andreas Carlgreen, e comissário de meio ambiente da UE, Stavros Dimas, negam que bloco esteja fugindo de polêmicas (foto: Andreia Fanzeres)

As coisas não estão nada fáceis na 15a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. A apenas 48 horas para a participação de 110 líderes mundiais, entre eles os presidentes Barack Obama, Lula e Nicholas Sarkozy, o estado das negociações do novo acordo climático é “desolador” para alguns, “incerto” para outros e até “trágico” para os mais preocupados. Ontem, durante abertura do segmento de alto nível, a então presidente da Conferência, a ministra dinamarquesa para Mudança Climática, Connie Hedegaard, resumiu bem a situação: “Temos a chance de sermos bem sucedidos, mas existe o risco de fracassarmos”, alertou.

Na manhã desta quarta, Hedegaard resolveu renunciar ao cargo por estar sendo acusada de não conduzir negociações com transparência. O primeiro ministro da Dinamarca, Lars Rasmunssen, assumiu a presidência da conferência.

A dificuldade que enfrentam delegados é encontrar uma base comum de negociação pois desde o início do encontro de Copenhague o que ocorre é uma verdadeira guerra de esboços com propostas para o novo acordo. Na sexta, o chamado Grupo de Trabalho Ad-Hoc de Ações Cooperativas de Longo Prazo, que trabalha com os objetivos gerais da Convenção do Clima, apresentou um texto sobre o qual se esperava maior consenso. Mas Estados Unidos e Japão rejeitam a maioria destes pontos, o que levou a ministra Hedegaard a formar grupos de consulta informais para lidar com cada um dos pontos polêmicos da negociação. (acompanhe atualizações no quadro abaixo.)

Os resultados destes grupos de trabalho, que ficaram reunidos durante toda a madrugada desta quarta, serão apresentados hoje. E, se aprovados pelas delegações, serão levados para a aprovação final dos chefes de estado. Ninguém tem a ilusão de que Obama, Gordon Browm, Lula ou Angela Merkel vão de fato botar a mão na massa e discutir metas e detalhes da diplomacia climática. Como observou o secretário-geral da Convenção do Clima, Yvo de Boer, os líderes estão em Copenhague para assinarem um bom acordo e brilharem nas fotos.

Mas De Boer reclamou da morosidade com que as negociações estão sendo feitas. “Progressos ocorreram, mas ainda estamos muito longe de um acordo”, contou durante coletiva de imprensa. Segundo ele, não há resultados nas discussões sobre finanças – a estrutura financeira que será utilizada para gerenciar recursos de mitigação e adaptação da mudança do clima – e no debate sobre metas de longo prazo – se redução global de gases de efeito estufa será, de 50%, 60% ou 80%. Outro ponto de discórdia é o limite global para o aumento da temperatura. Enquanto a Aliança das Pequenas Ilhas e o Grupo Africano insistem que o acordo deve mirar em 1,5oC no máximo, muitos países, incluindo o Brasil, não acham que seja realista lutar por menos de 2oC.

Posições fixas

Negociação passo a passo (16/12)
14h09 RT @tassoazevedo: Meta de redução de desmatamento e recursos para tal caiu do texto de REDD. Basicamente não há compromisso de $$.

14h01 RT @tassoazevedo: Para entender onde estamos no REDD, o texto está estruturado de tal forma que com decisões políticas ele se resolve.

13h41 
Chavez: Venezuela não vai aceitar outro texto que não seja aqueles do grupo de trabalho de Kyoto e da Convenção

13h35 Chavez: “Se o clima fosse um banco, os países desenvolvidos já o teriam salvo”

13h33 RT @jubrcop15: Chavez Parafraseando Marx: “Um fantasma caminha pelas ruas de Copenhague”. “O fantasma é o capitalismo”

13h31 Começa o discurso de Hugo Chavez: “Vivemos numa democracia? Não, vivemos numa ditadura imperial”

13h22 RT @jubrcop15: Relatório do AWG-LCA está online: http://unfccc.int/resource/docs/2009/awglca8/eng/l07r01.pdf #cop15

13h10 Palco da plenária é invadido por ativistas. Transmissão oficial da COP15 não mostra imagem aproximada.

12h50 Ministro do meio ambiente da Suécia cobra queda de 50% na taxa global de desmatamento até 2020.

12h20 RT @tassoazevedo: Novo texto de REDD após negociações de ontem conseguiu reverter confusão. Volta ao status de um dos doc mais avançados.

11h15 Primeiro ministro da Dinamarca diz que nenhum novo texto foi entregue ainda.

11h19 Negociadora boliviana é muito aplaudida ao acusar presidência da COP15 de não conduzir processo de forma democrática.

11h20 China: Presidência da COP15 quer discutir texto que caiu do céu, sem base legítima, entregue por quem quer acabar com Kyoto.

11h25 Presidência da COP e Maldivas defendem que negociações avancem seja lá qual for o texto posto em discussão.

11h27 José Miguez, do MCT, usando um broche KYOTO YES! na mesa das negociações da plenária da COP 15 

11h29 Brasil quer garantias de que o texto a ser negociado pelo segmento de alto nível seja o que foi trabalhado até 7h da manhã de hoje.

Acompanhe mais no twitter @OEcoCOP15

Apesar dos pedidos dramáticos da ministra dinamarquesa Connie Hedegaard e, Yvo de Boer pelo avanço nas negociações em Copenhague, parece que nada saiu do lugar. O negociador dos Estados Unidos, Todd Stern, disse com todas as letras que não vai mudar sua posição em relação à redução emissões de gases estufa até sexta-feira, quando termina a COP15. Isto é, ficarão na promessa de cortar, até 2020, cerca de 17% das emissões em relação a 2005, e defendem que já estão fazendo muito. Isso representa apenas 4% do que o país emitia em 1990, ano de referência estabelecido pelo Protocolo de Kyoto, do qual não são signatários. Kyoto demandou um corte médio de 5,2% com base naquele ano.

Os Estados Unidos insistem que nenhum acordo será possível se a China não se comprometer com metas de corte de emissões com as mesmas obrigações dos países desenvolvidos. O negociador da União Européia, Stravos Dimas, argumentou na mesma linha, mas não poupou os Estados Unidos. “Não vamos alcançar o objetivo de limitar o aquecimento do planeta em 2 graus Celsius se não houver mais ambição por parte dos americanos e chineses, que juntos respondem por metade de todas as emissões do planeta hoje”. Dimas não aceitou as críticas de que a União Européia esteja fugindo de sua responsabilidade pelos gases acumulados na atmosfera. “Nós somos os maiores apoiadores do Protocolo de Kyoto. Mas como podemos aceitar que países desenvolvidos e as grandes economias emergentes que são grandes emissores hoje possam se comprometer com mecanismos de verificação diferentes?”, disse.

O Brasil apoia o grupo dos grandes países em desenvolvimento (G77+China) e defende que as regras de Kyoto sejam utilizadas para impor obrigações adicicionais de redução de emissões apenas aos países desenvolvidos. A estratégia já é discutida deste a reunião de Bali, em 2007, quando foi lançada a negociação em dois trilhos, um da Convenção do Clima, para se definir metas de longo prazo, que incluem os Estados Unidos, e outro do Protocolo de Kyoto, onde os países que já assumiram metas simplesmente aceitariam em ter um segundo período de compromissos.

A briga em torno do formato ‘dois trilhos’ de negociação pode realmente levar ao fracasso de Copenhague, pois países ricos não querem mais negociar dentro de Kyoto. Um reforço, no entanto, foi garantido ontem pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon. “O Protocolo de Kyoto deve continuar a existir pois é o único instrumento legal que temos para garantir a redução de emeissões dos gases de efeito estufa”, afirmou.  Yvo de Boer demonstrou impaciência com o ritmo das negociações nesta terça-feira, e ironizou. “Sabemos que precisamos encaminhar as preocupações de todos os países, e isso leva tempo. Mas também temos que entender que boa parte dos indianos sequer tem acesso à eletricidade. Como podemos querer apagar a luz deles?”, disse.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

  • Gustavo Faleiros

    Editor da Rainforest Investigations Network (RIN). Co-fundador do InfoAmazonia e entusiasta do geojornalismo. Baterista dos Eventos Extremos

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