Reportagens

Seleção delicada

Filmes que concorrem no XII FICA tiveram de passar por uma fina peneira. Para falar de meio ambiente na telona não basta mostrar imagens bonitas da natureza, diz júri. 

Cristiane Prizibisczki ·
11 de junho de 2010 · 15 anos atrás
Lisandro Nigueira: filmes do FICA vão além da visão clássica do cinema como arte do entretenimento. (Foto: Lázaro Neves)
Lisandro Nigueira: filmes do FICA vão além da visão clássica do cinema como arte do entretenimento. (Foto: Lázaro Neves)

A XII edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental recebeu 552 inscrições, vindas de 67 países. A tarefa árdua de selecionar quais deles se encaixavam na proposta do Festival coube a um júri formado por apenas cinco pessoas, que durante um mês se dedicou à tarefa por horas seguidas. Desta pré-seleção saíram 28 filmes, 23 deles documentários, que agora concorrem na mostra competitiva e podem ser conferidos até hoje.

Para entrar neste seleto grupo, os filmes tiveram de passar por uma peneira que levou em conta, principalmente, a qualidade da produção e o modo como a interface do cinema com o meio ambiente foi trabalhada. A referência não precisava direta, por isso tantos filmes têm a temática social e antropológica tão explícita, o que pode desagradar aqueles que vieram à Cidade de Goiás em busca somente das questões ambientais.

Segundo Lisandro Nogueira, professor de cinema da Universidade Federal de Goiás e consultor do Festival, este estranhamento acontece porque muitos ainda conservam a visão clássica do cinema como entretenimento ou entendem o documentário como uma peça jornalística. Isto é, não assimilaram a estreita ligação entre cultura e os outros aspectos da sociedade, como economia e meio ambiente, por exemplo. “Os temas ambientais também são eminentemente sociais, por isso essa presença tão forte do lado social”, disse. A dificuldade de fazer esta ligação também ocorre entre os cineastas, diz Nogueira. Isso fica claro quando analisada a evolução da qualidade dos filmes ao longo dos últimos 12 anos de evento. “Antes tinha muito filme de denúncia que não conseguia desenvolver o assunto. Hoje eles não só denunciam, mas também tentam fazer reflexão, trazer soluções. Estão mais maduros.”

Outra grande deficiência que os cineastas ambientais tinham era achar que para falar de meio ambiente bastava retratar belas paisagens, entendimento que, segundo Maria Aparecida Borges, membro do júri de seleção, ainda hoje é muito forte. “De 500 filmes que chegam, em 300 aparece o pôr ou nascer do sol”, ironiza ela. Os filmes selecionados, segundo Maria Aparecida, também têm de ser transformadores da realidade.

Mas, ainda que tenham qualidade cinematográfica, abordem o tema ambiental com visão crítica e saibam traduzir este tema em imagens pertinentes, os filmes nunca estarão alheios a críticas. Isso porque eles são inevitavelmente resultado de uma visão fragmentada e parcial da realidade, uma característica indelével da sétima arte.

Dica do dia

Amarildo Pessoa, diretor do filme
Amarildo Pessoa, diretor do filme

Talvez um dos filmes que falem mais diretamente de conservação seja o goiano “Sonho de Humanidade”. O título é um tanto quanto filosófico, mas a obra fala, em tom bastante crítico e até com certa ironia, do ponto em que chega a humanização de papagaios e araras forçados a viver como animais domésticos. Confira abaixo uma breve entrevista com o autor Amarildo Pessoa e, em seguida, o trailler do média-metragem, o primeiro do filmete. Além dele, também é possível conferir os traillers dos filmes “Cowboi – oficial do meio ambiente” (Brasil), “A gripe do laissez-faire” (França) e “A enseada” (EUA).

O Eco – Por que você resolveu falar dos psitacídeos?
Amarildo Pessoa – Eu sou de uma cidade do interior, onde as pessoas criam esses bichos em casa, e desde pequeno eu era fascinado por isso. Em 2003 eu comecei a fotografar e fiquei maravilhado pelo bicho, tanto na sua beleza, como também a beleza de seu comportamento e então comecei também a pesquisar [sobre eles].

O Eco – Qual a razão do nome “Sonho de humanidade”?
AP – As aves são companheiras umas das outras e o filme tenta levantar uma pergunta que é como se dá essa relação no homem, o que é ser um humano. Todas essas questões que nos ameaçam hoje têm relação com a nossa natureza, o desvio da nossa natureza e de como alteramos o ambiente em que vivemos. Eu vi um filme agora sobre uma serra que leva o nome dos macacos que vivem nela e o pesquisador disse: “olha que legal, agora eles aceitaram a gente no meio, estão mais mansos”. Mas o fato do bicho ficar manso é um risco. Precisamos entender como fazer essas alterações de forma menos agressiva. Esse título tentar despertar a vontade de sermos melhores.

O Eco – Mas no filme sua posição sobre a criação em cativeiro ou a liberdade dos animais não está muito clara.
AP – O filme mostra esse lado mais poético, das pessoas aprendendo a ser carinhosas com os bichos, mas também mostra o bicho voando, então eu realmente não tirei nenhuma conclusão. Eu quero que as pessoas pensem um pouco mais sobre o assunto. Eu tive um choque muito grande uma vez. Eu tinha fotografado muitos bichos na natureza e não tinha fotografado a arara-azul. Então eu fui no zoológico fotografar e quando eu cheguei lá eu não acreditei como a gente submete o bicho a uma situação humilhante, mesmo num zoológico. O bicho estava no chão! Nunca vi uma arara no chão na natureza. O zooloógico é um lugar para aprender e o que nós aprendemos numa situação dessas? Então, [o filme] é uma reflexão sobre melhores condições do homem com a natureza.

O Eco – Essa é a principal mensagem que você quis passar?
AP – É, de a gente tentar ser menos ruins com eles. A gente projeta no outro a expectativa que temos do mundo. O cara fala [para o animal] “Quer café? Dá o pé”. O que o bicho tem com o negócio de café e dar o pé? Nada, mas a gente força a barra e ele dá o pé. Então, qual a contribuição do cinema? É fazer com que as pessoas se aproximem do tema olhando, se emocionando. O filme não é muito uma denúncia, o propósito é mesmo ser uma narrativa poética.



 
  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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