Todos os anos, o FICA vivencia grandes contradições. Um dos maiores festivais de cinema ambiental da América Latina, ele é importante difusor e fomentador deste tipo de temática para as telonas, o que, ao longo de suas 12 edições, contribuiu de forma decisiva para aproximar os espectadores do tema. Mas, por trás das grandes produções, a região vivencia graves problemas ambientais, muitos deles ofuscados pelo brilho do evento, esquecidos, a cada ano, nas arestas do festival.
Encravada no coração do Cerrado, a Cidade de Goiás, sede do FICA desde a primeira edição, não ficou alheia às pressões que reduziram de forma avassaladora o bioma. O relevo não é muito plano, devido à presença da Serra Dourada, que contorna a porção norte da cidade, mesmo assim, a ocupação desordenada do solo é um dos grandes problemas da região.
Segundo Rodrigo Santana, geólogo e ex-diretor do Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura local, a maioria das áreas de proteção permanente (APPs) foram suprimidas, principalmente na região rural, para a abertura de pastagens e criação de assentamentos. Em toda a cidade, são 23 assentamentos, um dos maiores índices do estado.
Foi o desmatamento nas cabeceiras do Rio Vermelho, inclusive, que ajudou a potencializar os impactos da enchente de 2001, que destruiu parcialmente a cidade. “Mesmo depois de 2001 continuaram desmatando as cabeceiras do rio. Com certeza isso vai ter, em breve, outras grandes conseqüências”, diz Santana.
Vale lembrar que o solo da região é bastante frágil, de formação arenosa e propícia a erosões. Vários dos rios ou córregos que estão na área de influência da cidade, como o córrego Bacalhau, estão em processo avançado de assoreamento, devido à erosão natural intensificada pelo desmatamento e ocupação irregular.
Além disso, a cidade ainda sofre com a falta de tratamento de esgoto, que contamina os leitos d´água, e com a incorreta destinação dos resíduos sólidos. Em 2008, durante a décima edição do FICA, O Eco revelou o problema. Naquela época, o então prefeito da cidade, Abner de Castro Curado, respondia a ação do Ministério Público pela não existência de um aterro sanitário e a cidade recebeu multa milionária por não ter resolvido o problema de coleta e destinação de seu lixo.
Segundo Rodrigo Santana esta situação foi parcialmente resolvida e ainda de forma ineficiente. Os resíduos do lixão, que não recebiam nenhum tipo de tratamento, agora são enterrados, mas sem critérios técnicos e instalações básicas, como tubulações para drenagem de chorume, diz o geógrafo.
“O município até tem uma Secretaria Municipal de meio Ambiente, mas não tem política municipal voltada para o tema. Infelizmente, até agora não conseguimos ter um prefeito que se atentasse para a importância da preservação da região”, diz. Reflexo disso, de acordo com ele, é que nenhuma das áreas protegidas existentes na área foi criada por iniciativa do poder municipal. São elas: Parque Estadual da Serra Dourada, Reserva Biológica da Universidade Federal de Goiás, APA Serra Dourada e Área de Relevante Interesse Ecológico Águas de São João.
Conquistas do Festival
Apesar dos problemas, a cada ano o FICA consegue incorporar à sua história pequenas e grandes conquistas. Em 2002 foi a criação do projeto Fica Limpo, de coleta especial de resíduos durante os dias do evento. Em 2003, a implantação do Parque Estadual Serra Dourada, uma área protegida de 30 mil hectares. Em 2007 a incorporação de fóruns de discussão específicos sobre meio ambiente na programação do FICA e, em 2009, a criação de cursos sobre meio ambiente durante os dias do evento.
Neste ano, dois dos sete cursos trataram exclusivamente de problemas ambientais na região, como o de riscos geológicos e ocorrência de acidentes na Cidade de Goiás e no estado. Estes e outros tiveram a participação de técnicos ambientais da cidade, convidados especialmente com o objetivo de capacitar a comunidade local sobre tais problemas.
Além disso, é crescente a adesão de moradores nas atividades do festival. Lázaro Ribeiro, morador da Cidade de Goiás há 15 anos, é um deles. O rapaz, hoje com 25 anos, orgulha-se de ter comparecido a todas as edições do evento, primeiramente apenas como espectador e hoje como o primeiro cineasta da cidade a ser premiado no festival. Ele ganhou o prêmio de melhor produção goiana na Mostra ABD, que acontece junto com o FICA, pelo filme “Ela”. “Antes [do Festival] eu não tinha consciência ambiental nenhuma. Só pude perceber a importância de preservar o meio ambiente através dos filmes exibidos no FICA, que aproxima o tema de nós”, diz.
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