(foto Nathalia Clark)
Brasília – Um grupo de aproximadamente 300 manifestantes, formado por ambientalistas, lideranças indígenas e ribeirinhos da região do Rio Xingu, do Pará e Mato Grosso, além de membros de Organizações Não Governamentais (ONGs), organizaram nesta terça-feira (8) um protesto contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Os manifestantes se reuniram pela manhã em frente ao Congresso Nacional e caminharam até o Palácio do Planalto, em passeata que paralisou a Esplanada dos Ministérios por cerca de 40 minutos. O objetivo foi a entrega de duas petições e quatro abaixo-assinados, bem como uma carta com propostas de encaminhamento à presidente Dilma Rousseff.
Por volta das 12h, foi escolhida uma comissão, formada por caciques e lideranças indígenas, para conversar com o ministro em exercício dos Direitos Humanos da Presidência da República, Rogério Sottilli. Assessorados pelo secretário de Articulação Social, Paulo Maldos, foi apresentada ao ministro uma petição contendo exatas 604.317 assinaturas, até o momento da entrega. Integravam a comitiva o cacique Raoni Metuktire e seu tradutor, Puiu Txukarramãe, ambos do povo Kayapó; a líder feminina Sheila Juruna; Sonia Guajajara, vice-coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); e Antônia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre.
Entretanto, após duas horas de debate privado, a comissão saiu do Palácio apenas com a vaga promessa de um maior diálogo e atenção às demandas das sociedades do entorno do Xingu. Outra frustração dos indígenas foi de não poderem entregar os documentos diretamente à presidente Dilma. “Nós sabemos que ela está aí, a bandeira hasteada com o brasão da República acusa sua presença, todo mundo sabe disso”, afirmou Megaron Txukarramãe, uma das lideranças presentes.
Mas um decreto publicado no último dia do governo Lula (7.419 / 2010) abandonou a tradição que vigora no Brasil há quase 40 anos. Símbolo da presença do chefe de Estado, a bandeira verde com o brasão da República – o Pavilhão Presidencial – desde então, sempre que hasteada, não significa mais que o presidente ali estará.
Propostas de encaminhamento
Na carta produzida pela Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos, os indígenas denunciam a existência de graves equívocos nos processos de planejamento e construção de grandes hidrelétricas na Amazônia. São apresentadas também 12 propostas de encaminhamento para uma possível superação dos problemas identificados.
Dentre os pontos requeridos constam “a democratização do planejamento energético”, de modo a torná-lo transparente e participativo; “a garantia do pleno respeito aos direitos humanos e à legislação ambiental nos processos de planejamento e licenciamento, inclusive o direito das populações indígenas à consulta livre, previa e informada, conforme o artigo 231 da Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
Constam também “o cancelamento definitivo do Complexo de Belo Monte”, considerando sua inviabilidade social, ambiental e econômica, com a imediata suspensão das licenças concedidas (LP e LI parcial); e “a orientação à Advocacia Geral da União (AGU) a cessar imediatamente práticas que visem unicamente acelerar o licenciamento de grandes hidrelétricas”.
Estavam presentes na manifestação cerca de 60 índios Kayapó, sendo 20 do Mato Grosso e 40 do Pará, além dos 90 outros indígenas presentes, distribuídos entre os povos Terena, Juruna, Arara, Guarani e Xavante. Segundo lideranças, esses e demais povos indígenas, bem como outras esferas da sociedade civil, não foram consultados previamente sobre a construção da usina.
Manifestações de apoio
Outras organizações da sociedade civil, como a International Rivers e a Avaaz, também participaram do protesto. Mais de 600 organizações que compõem a Rede de ONGs da Mata Atlântica manifestaram sua solidariedade à causa. O deputado Ivan Valente (Psol/SP) também marcou presença no apoio ao movimento. Segundo ele, a manifestação em Brasília é muito importante, pois é evidente que Belo Monte é um atentado à questão cultural, social e ambiental. “Esse tipo de matriz energética não comporta um debate de gerações alternativas. Gira em torno de uma lógica produtivista e desenvolvimentista, que não avalia os verdadeiros impactos de uma obra deste porte”, defendeu.
Para o deputado, isso só mostra uma visão imediatista do governo, que atropela inclusive os pareceres técnicos do Ibama, o Ministério Público Federal e os desejos das populações tradicionais que vivem na Volta Grande do Xingu, “e que tem um projeto de nação ambientalmente sustentável, que defendem a natureza e seus recursos”. Valente afirmou também que, no Congresso, irá manter a denúncia permanente, inclusive no atropelo ao licenciamento ambiental.
FUNAI, Ibama e MMA faltam a Seminário
No seminário “A Hidrelétrica de Belo Monte e a Questão Indígena”, realizado ontem na Universidade de Brasília, o cacique Raoni disse que, dentre seu povo, ele é um chefe de estado. Sendo assim, se esse é um empreendimento nacional, ele também, como autoridade, deveria ter sido consultado. Ele também cobrou a presença dos órgãos governamentais para prestar esclarecimento aos indígenas.
Para o seminário foram convidados os presidentes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Márcio Meira, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Américo Tunes, além da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. No entanto, nenhum deles esteve presente, ou enviou qualquer tipo de notificação em nome da instituição, justificando a ausência.
Veja mais fotos e vídeos do protesto – crédito Nathalia Clark
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