Clique para ampliar |
São José dos Campos – Parte da região responsável pelo abastecimento de cerca de 70% dos pescados do estado de São Paulo corre um sério risco de desaparecer em alguns anos, caso nenhuma medida de recuperação e proteção seja tomada. Esta é uma das principais conclusões de um estudo que vem sendo conduzido no INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais desde maio de 2010, cujo objetivo é mapear e traçar um perfil da situação dos manguezais do estado de São Paulo usando como uns dos principais recursos imagens de satélites.
O trabalho faz parte do pós-doutorado da bióloga Marília Cunha Lignon e é financiado pela FAPESP. Marília explica que o trabalho usando parcelas permanentes em bosques de mangue (avaliação de áreas fixas de tempos em tempos) complementa um levantamento que ela já acompanha há 10 anos nos manguezais do litoral sul de São Paulo, uma área que faz parte do Patrimônio Mundial da Humanidade desde 1999 em função do seu valor ecológico.
“Com o uso das imagens de satélite disponibilizadas pelo INPE, fotos aéreas e os trabalhos de campo, nossa conclusão geral é que os bosques de mangues da região de Cananéia estão saudáveis, inclusive com algumas espécies típicas de mangue apresentando taxas de crescimento de quase 1 metro ao ano. Por outro lado, os de Iguape correm sérios riscos de desaparecer por conta das ações do homem. Além de causar um grave desequilíbrio para o ecossistema da região, o desaparecimento deste manguezal pode vir a comprometer a produção de pescados”, alerta Marília. “Até quando os manguezais saudáveis de Cananéia irão manter a produção de pescado para o estado? Precisamos pensar no Sistema Costeiro Cananéia-Iguape como um todo. Precisamos pensar em cuidar dos manguezais de todo o litoral sul.”
Segundo a bióloga, estudar a variação espaço-temporal dos manguezais com o apoio do sensoriamento remoto ajuda muito a compreender o comportamento do ecossistema ao longo dos anos. Isso facilita a identificação mais precisa das causas dos impactos negativos e a proposta de medidas de recuperação e conservação.
Aparência enganam
Clique para ampliar |
Fotografias tiradas num intervalo de 10 anos da região de Iguape mostram um aumento de área verde no entorno do bosque de mangue. Num olhar leigo, seria natural afirmar que o manguezal cresceu e que estaria tudo bem. Mas para os pesquisadores, as imagens de satélites, confirmadas pelo levantamento em campo, mostram um crescimento significativo de macrófitas, ou plantas aquáticas, levadas para o manguezal pela invasão de água doce. Aos poucos estas macrófitas vão impedindo a fixação de novas plantas de mangue e, conseqüentemente, a manutenção dos bosques de mangue, que vai perdendo suas funções ecológicas.
“É muito importante conhecer as especificidade de cada bosque de mangue e estudar a região como um todo para avaliar a situação. No caso de Iguape, concluímos que o principal problema é um canal artificial que foi construído no século XIX no rio Ribeira, que tem sua nascente no Paraná e deságua no litoral de São Paulo. Este canal tinha 4 metros e era usado para comércio de arroz. Mas hoje tem 40 metros e desvia uma quantidade muito grande de água doce para dentro do canal lagunar onde há manguezal”, conta Marília.
Já existe uma iniciativa para construção de uma barragem e uso de comportas para contenção da água doce para o canal de Iguape, onde se desenvolvem os manguezais. A proposta está sendo estudada pelo Ministério Público de São Paulo e a pesquisa do INPE está auxiliando na avaliação dessa medida. A questão é complexa e será necessário avaliar a viabilidade de tal medida, considerando-se a abertura de comportas no período de chuvas. Além disso, a forte produção de ostras presente na região também poderia ficar muito prejudicada com o “entra e sai” de água doce no sistema costeiro.
“Na verdade custa muito mais barato proteger o manguezal do que remediar depois. Por isso também é importante conhecer manguezais que ainda estão saudáveis, como Cananéia, para comparar com outros e já trabalhar em medidas de prevenção e proteção”, ressalta Marília.
Sensoriamento remoto
Clique para ampliar imagens |
O mapeamento dos manguezais do estado de SP utiliza imagens de resolução considerada média – de 20 a 30 metros – da família de satélites CBERS e Landsat. A vantagem é que com esta resolução se cobrem áreas mais extensas, apesar das imagens terem menos detalhes. Além disso, imagens com esta resolução são distribuídas gratuitamente pelo INPE junto com o software para sua interpretação, o que faz com que o estudo também se torne viável financeiramente.
“O monitoramento por satélite neste tipo de levantamento permite o acompanhamento multitemporal, agregando muito valor aos estudos e pesquisas de campo. O lançamento dos satélites CBERS deu um incentivo para o estudo de novas aplicações úteis do sensoriamento remoto para a sociedade. E entendemos que uma dessas utilizações é o auxílio ao monitoramento dos manguezais, pela sua importância ecológica”, explica o pesquisador Milton Kampel, chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto do INPE e supervisor do estudo dos manguezais de SP.
Kampel ressalta que o sensoriamento remoto do INPE já vem auxiliando muito o monitoramento de florestas e alguns outros biomas, mas eles sentiam que tinha uma lacuna no monitoramento mais específico dos manguezais. O monitoramento no estado de SP é um primeiro esforço para contribuir para um estudo sistemático e mais detalhado desses biomas, que sofrem muito por conta da falta de planejamento da ocupação urbana costeira. Os primeiros resultados do trabalho serão apresentados esse ano no XV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto e no XI International Coastal Symposium, na cidade de Szczecin, Polônia.
O próximo desdobramento do monitoramento dos manguezais de SP pelo INPE será o levantamento da situação na Baixada Santista, previsto para iniciar no segundo semestre desse ano. “Sabemos que estes manguezais sofrem um grande impacto antrópico e que vários estudos já foram feitos. A idéia é então dar a nossa visão e complementar os outros trabalhos que já foram ou estão sendo desenvolvidos na região, para conhecermos a situação real dos bosques de mangues e propor as medidas de conservação”, diz Kampel.
“Pelo que sabemos, imaginamos que o manguezal da Baixada Santista já pode estar com algumas de suas funções ecológicas perdidas”, alerta Marília. “O monitoramento dos manguezais e a tomada de medidas para sua recuperação ganham importância ainda maior em tempos de aquecimento global e possibilidade de elevação de nível de mar. Entre várias outras funções, os manguezais protegem a linha de costa e podem ser grandes aliados na prevenção de desastres naturais”, conclui a bióloga.
*Jaqueline B. Ramos é jornalista ambiental e diretora da Ambiente-se Comunicação Socioambiental, em São José dos Campos, SP – [email protected]
Leia também
“Atlas Mangues do Mundo” revela ecossistemas em risco
Leia também
Novas espécies de sapos dão pistas sobre a história geológica da Amazônia
Exames de DNA feitos em duas espécies novas de sapos apontam para um ancestral comum, que viveu nas montanhas do norte do estado do Amazonas há 55 milhões de anos, revelando que a serra daquela região sofreu alterações significativas →
Documentário aborda as diversas facetas do fogo no Pantanal
“Fogo Pantanal Fogo” retrata o impacto devastador dos incêndios de 2024 sobre o cotidiano de ribeirinhos e pantaneiros e as consequências das queimadas para a biodiversidade →
R$ 100 milhões serão destinados à recuperação de vegetação nativa na Amazônia
Com dois primeiros editais lançados, programa Restaura Amazônia conta com recursos do Fundo Amazônia e da Petrobras →