Uma hipotética proibição total do desmatamento de florestas tropicais da América Latina
e Caribe poderia reduzir em 12,7 bilhões de dólares (em valores de 2000) o retorno financeiro aos agricultores da região até 2030. Por outro lado, a transferência desse custo ao preço dos alimentos é insignificante. Essas são as principais conclusões de estudo recém lançado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Intitulado “Emissões de Gases de Efeito Estufa no Setor Agrícola da América Latina e Caribe” (Agricultural Greenhouse Gas Emissions in Latin America and the Caribbean, em inglês), o estudo sustenta que desmatamento zero nas florestas tropicais só será possível com pagamento de compensação de igual valor aos produtores do continente.(ver tabela ao lado)
De acordo com Eirivelthon Lima, economista de Recursos Naturais do BID e um dos coordenadores do estudo, o material serve “para entender a questão da agricultura, sua produvidade e relação com as mudanças climáticas, com a proposta de sabermos como poderemos alimentar pessoas, reduzir a miséria e reduzir emissões de gases estufa na região”.
Lima ressalta ainda que, se por um lado haveria perdas econômicas, por outro a redução do desmatamento estaria ajudando a diminuir o efeito do aquecimento global . Nesse contexto, explica, “surge o problema de como compensar as pessoas que vão perder verba congelando o tamanho de suas áreas agrícolas. Para buscar isso, precisamos de um mecanismo que possa transferir recursos a essas regiões tropicais que já possuem população pobre, para não prejudicá-las ainda mais. Não podemos tentar resolver problemas climáticos globais deixando de lado os locais”.
Solução equilibrada
O economista do Center for International Forestry Research (CIFOR), Sven Wunder, concorda que a questão não pode ser tratada somente como um problema econômico ou ambiental. “Se enxergarmos o problema com os olhos dos agricultores, não seria uma boa ideia reduzir o desmatamento, mas se olhar com os olhos do aquecimento global seria uma alternativa interessante. Assim, precisamos buscar opções para os dois lados, com uma redução gradual do desmatamento e o investimento em mecanismos de compensação, para amenizar os prejuízos agrícolas”, afirma.
Contudo, alguns mitos sobre questões econômicas são atacados no estudo do BID. O documento mostra que a redução do desmatamento não teria um impacto significativo nos preços dos alimentos. Esse resultado surpreendeu positivamente os autores, pois esperava-se que a diminuição da oferta de alimentos e o aumento da demanda, devido ao crescimento populacional, geraria elevação dos preços.
“Conseguimos provar que o impacto adicional da conservação das florestas não seria significativo no valor de mercado dos alimentos. Isso porque, mesmo com a redução do desmatamento, a oferta de produtos agrícolas não reduziria muito, já que outras regiões agrícolas do mundo começariam a produzir mais para atender a demanda”, afirma o economista do BID. (ver acima)
Além do lado econômico levantado pelo estudo, a conservação da natureza e da biodiversidade foi contemplada. Dados do estudo, por exemplo, mostram que 3,3 milhões de hectares de floresta seriam preservados até 2030 com o desmatamento zero. Isso poderia evitar a emissão de 105 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.
Rafael Cruz, coordenador para Código Florestal do Greenpeace, destaca que “o estudo é positivo por reforçar aquilo que já sabemos sobre agricultura e desmatamento. No entanto, é importante não interpretá-lo de maneira errada, de que é preciso desmatar para gerar lucro aos agricultores. Devemos perceber que desmatar não garante geração de riqueza. Essa lógica deve ser invertida a partir de políticas públicas voltadas ao agricultor”, pondera. Para ele, o Governo Federal deve perseguir esse objetivo de conservar a natureza e apoiar a agricultura familiar, porque seria inconcebível desmatar para plantar e criar gado atualmente.
Cruz ressalta também que na região da Amazônia brasileira, considerada como a maior fronteira de desmatamento, 80% das áreas de floresta devastadas são utilizadas pela pecuária, de acordo com dados governamentais. Parte desses danos ambientais é produto de uma política do Governo Militar que incentivou a ocupação da região. “Hoje em dia a expansão da agropecuária não é diretamente incentivada pelo governo, mas indiretamente, na medida em que há negligencia e falta fiscalização, permitindo a expansão da fronteira agrícola na Amazônia. Continuamos intensificando modelos predatórios que vem desde o descobrimento do país”, condena.
Possíveis soluções
Dentre os dados revelados pelo estudo, referentes aos benefícios ambientais e climáticos globais e aos prejuízos econômicos do setor de agropecuária local, Eirivethon Lima, do BID destaca: “considerando o cenário que nós temos hoje, não valeria a pena, financeiramente, acabar com o desmatamanto. Isso porque ainda são insuficientes os mecanismos de compensação, de forma que estaremos afetando os países da América Latina e do Caribe negativamente, aumentado a pobreza na região”.
Como a conservação das florestas tropicais não trariam resultados positivos apenas para a região, mas sim para o planeta como um todo, Lima declara que uma boa alternativa seria a criação de um fundo internacional para investir nesses países. “A opção dos mercados de carbono não são as melhores para compensar a renda dos agricultores, pois são muito incipientes ainda”, complementa.
Para Wunder, do CIFOR, a resposta está na intensificação do uso das áreas agrícolas, com o objetivo de aumentar a produtividade ao invés de aumentar a área. “Além disso, investimento em mecanismos de compensação, como o REDD [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação] ,e a busca de outras atividades produtivas à população das regiões florestadas seriam opções viáveis”, opina.
No que se refere apenas ao Brasil, o integrante do Greenpeace, enfatiza que há necessidade de propostas governamentais para a ocupação de áreas com alta aptidão agrícola, que tem origem na pecuária e hoje estão subutilizadas. Ele lembra que um estudo recente da USP (Universidade de São Paulo) apontou cerca de 67 milhões de hectares da pecuária que poderiam ser utilizados para agricultura, sem a necessidade de desmatamento.
Para essas ações, Cruz ressalta que o país não precisaria de investimentos internacionais e sim do fortalecimento da lei ambiental, de implementação da política de desmatamento zero e de um pacote de soluções para o agricultor. “Se o nosso páis pode investir, via BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], em 70% dos custos totais de mais de R$ 25 bilhões em uma hidrelétrica no meio da Amazonia [Belo Monte], então temos dinheiro suficiente para levar governança para a região da floresta tropical e proporcionar soluções aos pequenos produtores que hoje precisam desmatar para viver”, conclui.
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