Criadas há cerca de cinco anos para proteger alguns dos ecossistemas mais ameaçados do país, as unidades de conservação de araucárias e de campos naturais, no Paraná e em Santa Catarina, ainda estão longe de estarem implantadas. O governo garante que irá indenizar os proprietários rurais que terão áreas desapropriadas, mas não definiu prazos, mesmo já transcorridos os cinco anos estipulados nos decretos de criação dessas unidades.
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Uma das áreas em que ocorreram alguns avanços recentes é também uma das mais emblemáticas. Com 12.841 hectares, o Parque Nacional das Araucárias (PNA) foi criado em 2005 para proteção de fragmentos da Floresta Ombrófila Mista (que tem na araucária sua espécie-símbolo, por representar cerca de 40% das espécies vegetais desse ecossistema). Desde 1992, a araucária integra a lista oficial das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.
Gerenciado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o parque está localizado nos municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, no Oeste Catarinense, e teve seu plano de manejo aprovado no último mês de dezembro. Além disso, constituiu um Conselho Consultivo, com representantes de órgãos de governo e da comunidade.
Isso melhorou o diálogo entre autoridades e proprietários, passada a fase mais evidente de conflitos, quando do anúncio da criação do parque. “A pressão contrária foi muito forte. E isso ainda tem reflexos. Mas a unidade está avançando”, garante Miriam Prochnow, coordenadora de Políticas Públicas da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi).
A Apremavi foi a responsável pela elaboração do plano de manejo do PNA, trabalho que começou em julho de 2007 (o diagnóstico está disponível no site da ONG). Vale destacar que se trata de um plano de manejo da unidade de conservação, sob seus aspectos turísticos, educacionais, científicos, enfim, de uso público, e não um estudo para corte e plantio de árvores. “Para a elaboração desse plano foram feitas pesquisas com as comunidades do entorno e, a partir daí, um inventário dos principais pontos de beleza cênica e de interesse histórico”, conta Marcos Alexandre Danieli, técnico ambiental da Apremavi. “A cada cinco anos, esse plano deverá ser revisto”.
Falta indenizar
Além disso, o processo de elaboração do plano permitiu esclarecer as pessoas sobre os objetivos da unidade de conservação. “Antes deste trabalho, havia muita desconfiança, desinformação e ressentimento. Ao longo do processo, as pessoas e instituições puderam ser esclarecidas e hoje já fazem parte do conselho consultivo”, destaca Juliano Rodrigues Oliveira, chefe do Parque.
Ele, no entanto, reconhece que ainda há muito para se fazer para a implantação de fato do parque e que pelo menos parte das indenizações já poderia ter saído. “Nenhuma das áreas abrangidas pela criação do parque foi indenizada até hoje, mesmo havendo recursos oriundos de compensação ambiental do licenciamento de obras de grande impacto ambiental na região, como as usinas hidrelétricas de Barra Grande e Foz do Chapecó. Esses recursos, apesar de insuficientes para o total de indenizações, já poderia ser usado para uma parcela significativa desses pagamentos”, conta o chefe, que também é o único servidor do parque nacional.
A falta de servidores, a propósito, é apontada por ele como um dos motivos para o atraso. Para otimizar a administração dessa unidade, Oliveira trabalha em Palmas (PR), na sede conjunta com a Estação Ecológica da Mata Preta (SC) e o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas/PR, todas unidades criadas à mesma época. “Também contribuiu para esse atraso a falta de cooperação de alguns dos proprietários, que não enviaram a documentação necessária, a discussão judicial sobre esses recursos e a legislação para indenizações que é detalhista demais”, completa Oliveira.
Madeira boa
No PNA, a maior parte das propriedades abrangidas são de empresas de reflorestamento e grandes fazendas. No total, são 20 processos de indenização. O pecuarista Edmir de Campos Guimarães, 62 anos, é um dos representantes dos proprietários no Conselho Consultivo do parque.
Em sociedade com familiares, ele é dono de três fazendas, sendo que duas delas (uma de 1.450 ha e outra de 480 ha) estão integralmente na área do parque. São terras que estão nas mãos da família dele há mais de 100 anos. Ao todo, ele deverá ter quase 3 mil ha desapropriados.
“São mais de 15 mil metros cúbicos de imbuia. De araucária, eu não tenho ideia, mas o João de Deus Medeiros (então no Departamento de Áreas Protegidas do MMA) garantiu que é a área mais bem conservada que ele já viu. No meio da mata, tem imbuia que com certeza tem mais de mil anos, com mais de três metros de diâmetro”, observa Guimarães.
Ele faz questão de salientar que os proprietários não são contra a preservação dessas florestas, mesmo por que, se o fossem, elas não teriam resistido ao ciclo madeireiro, que se acentuou a partir de 1930 e teve seu auge nas décadas de 50, 60 e 70 (para se ter uma ideia a araucária já representou 90% da madeira exportada pelo país).
“O problema está nas indenizações. Não temos uma posição clara quanto a isso. O governo diz que pagará pela terra, mas não leva em conta a madeira que está em cima. Ou seja, quem preservou está sendo punido”, protesta Edmir. “O governo também não leva em consideração a atividade econômica que ocorre nessas fazendas. Aqui é área livre de aftosa. A arroba custa mais do que a do boi criado em São Paulo ou em Minas. E a construção de hidrelétricas também valorizou as terras. Isso tudo tem que entrar na conta”.
Atividades continuam
Enquanto não são indenizados, a legislação autoriza os proprietários a manterem suas atividades econômicas desde que não impliquem em novos impactos sobre o meio ambiente. Ou seja, não é possível aumentar a área de lavoura, retirar madeira (mesmo que caída) ou aumentar o número de animais.
“Enquanto sofremos essas restrições, as terras que estão dentro da unidade de conservação vão perdendo o valor”, conta Joaquim Osório Ribas, 76 anos, dono Fazenda São Pedro, fundada em 1839.
Descendente de pioneiros de uma das regiões mais tradicionais do Paraná, conhecida pela herança cultural dos tropeiros, ele fundou a Associação dos Proprietários Atingidos pelo Refúgio de Vida Silvestre de Palmas (região Sudoeste do Paraná).
Segundo ele, terras do entorno estão custando 25 mil reais o alqueire, enquanto propriedades dentro do refúgio são avaliadas em R$ 6 mil/alqueire.
“Indenização por esse preço eu não aceito”, reclama o proprietário, que também diz sentir-se punido por ter preservado extensas áreas de campos nativos (que correspondem a cerca de um terço dos 2.200 hectares da Fazenda São Pedro).
Além de ter preservado parte do ecossistema original, ele também ajuda a contar um pouco da história do local. Mantém uma coleção particular de objetos típicos da vida em fazenda desde a época de seus bisavós. Ele protesta que até mesmo para se adotar tecnologias “verdes” há restrições.
Um dos seus vizinhos, com área fora do refúgio, instalou 12 aerogeradores, com uma potência total de 150 MW. “Fizemos um estudo que apontou a viabilidade de instalar 60 aerogeradores na Fazenda São Pedro, mas não nos deram a licença”, revela. “O temor dos proprietários é que aconteça como nas unidades criadas em São Joaquim, há 40 anos, onde ninguém nunca recebeu indenização, as terras perderam valor e teve até gente que morreu pobre”.
Frustração coletiva
A frustração com a demora nas indenizações não é só dos proprietários. É compartilhada também por ambientalistas. A defesa das araucárias é uma bandeira antiga na trajetória profissional de Clóvis Borges, diretor executivo da ONG SPVS. Porém, para ele, a criação de áreas protegidas não foi a melhor estratégia para conservar os últimos remanescentes dessas florestas.
“A intenção do governo federal foi boa, mas não houve planejamento nem diálogo. As unidades de conservação foram criadas sem o contingente necessário para gerenciá-las e sem verba para indenizar os proprietários. Em muitos locais, o anúncio de que seriam criados parques e reservas gerou desmatamento”, dispara Borges.
Na opinião do ambientalista, uma estratégia mais eficiente estaria na remuneração dos proprietários para não mexerem nos remanescentes de florestas, com contratos por determinado tempo de vigência e com valores economicamente interessantes, em comparação com os ganhos proporcionados pela soja ou pecuária.
“O governo poderia ter criado essas áreas com RPPNs, por exemplo, sem ameaça de perda das propriedades. Agora essas novas unidades vão entrar numa fila de outras unidades ainda não implantadas por falta de indenização dos proprietários”, completa.
A posição do ICMBio
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O Parque Nacional das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata Preta, em Santa Catarina, foram criadas em outubro de 2005. Em março de 2006, foram publicados os decretos de criação da Reserva Biológica das Araucárias, a Reserva Biológica das Perobas, o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas e o Parque Nacional dos Campos Gerais, no Paraná. Nos decretos de criação, um dos artigos estipulou o prazo de cinco anos para pagamento das indenizações.
Em nota enviada pelo subprocurador chefe nacional da Procuradoria Federal Especializada (PFE/ICMBio), Bernardo Monteiro Ferraz, ele explica que há uma tese jurídica que defende que o transcurso do prazo de cinco anos, a partir do decreto de criação da unidade, sem a realização das desapropriações, geraria a caducidade do decreto.
“Tal tese, todavia, além de amplamente rechaçada pela PFE/ICMBio, não tem guarida no Judiciário, eis que apenas em alguns casos isolados juízes de primeira instância acolheram a tese, como é exemplo o PARNA da Ilha Grande, sem maiores implicações na prática”, diz a nota. “Dessa forma, a PFE/ICMBio entende inexistir qualquer caducidade do decreto, sendo possível a desapropriação a qualquer tempo, salvo a superveniência de lei que extingua a unidade de conservação”.
A coordenadora-geral de Regularização Fundiária ICMBio, Eliani Maciel Lima, completa a nota, garantindo que as apropriações continuam em curso e que as unidades de conservação serão devidamente implantadas.
*Romeu Bruns é jornalista em Foz do Iguaçu, Paraná.
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