Reportagens

Como parar o desmate nos assentamentos?

Sem apoio técnico, reforma agrária colabora para destruir floresta. Governo planeja pagar por “serviços ambientais” para mudar cenário.

Nathália Clark ·
30 de março de 2011 · 14 anos atrás
Retirada de vegetação e queimadas ainda são usados para formar pastos em assentamentos. Foto feita em 2009 em assentamento no norte do Mato Grosso (foto: Andreia Fanzeres)
Retirada de vegetação e queimadas ainda são usados para formar pastos em assentamentos. Foto feita em 2009 em assentamento no norte do Mato Grosso (foto: Andreia Fanzeres)
No início de fevereiro, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) divulgou uma nota  à imprensa com argumentos de que a política de reforma agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) , autarquia do ministério, promove a preservação e a recuperação do meio ambiente na Amazônia. As informações, contudo, contrariam dados sobre o desmatamento em assentamentos na Amazônia Legal e, inclusive, avaliações dos próprios técnicos do órgão. 

Segundo Acacio Zuniga Leite, da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária do Incra, existe, de fato, um esforço por parte do governo federal para unir as políticas de reforma agrária e preservação ambiental. “Mas, por mais que se tenha determinação, o que está em xeque é o modelo de desenvolvimento da Amazônia. Há políticas públicas, mas a eficácia é reduzida em função do contexto social e do modo hegemônico de se fazer agricultura”, defende.

De acordo com o comunicado publicado pelo MDA, dos 48,3 milhões de hectares incorporados à reforma agrária nos últimos oito anos, 80% foram transformados em projetos ‘ambientalmente sustentáveis’, como os assentamentos agroextrativistas e florestais. Esse volume de terras corresponderia a 534 assentamentos, em sua maioria localizados na Amazônia Legal.

Entretanto, as atividades desenvolvidas por seus moradores, tal como agricultura e exploração madeireira, têm grande potencial para gerar desmatamento e degradação florestal na região.

O próprio secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Francisco Gaetani, afirma que a maior taxa de desmatamento hoje não vem das grandes empresas, mas dos assentamentos.

Falta apoio técnico e recursos
 

Taxa percentual do desmatamento até 2004 nos assentamentos criados na Amazônia entre 1970 e 2002. Clique para ampliar
Taxa percentual do desmatamento até 2004 nos assentamentos criados na Amazônia entre 1970 e 2002. Clique para ampliar
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) organizou em 2006 um estudo  que indicou exatamente essa questão. A pesquisa avaliou a situação do desmatamento nos assentamentos na Amazônia Legal criados pelo Incra entre 1970 e 2002. A sétima edição da série “O Estado da Amazônia” atesta que aproximadamente 106 mil km² foram desmatados até 2004, o equivalente a 49% da área mapeada, o que representa 15% do desmatamento total da Amazônia.

Baixe aqui o estudo completo

Além disso, o documento demonstra que, entre 1997 e 2004, a taxa de desmatamento nos assentamentos foi de 1,8% ao ano, quatro vezes maior se comparada à taxa média de desmate na região, segundo os dados do Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica (Prodes). A grande maioria do desflorestamento (81%) concentra-se nos Estados do Pará, Rondônia e Mato Grosso, especialmente ao longo do chamado Arco do Desmatamento.

No estudo do Imazon foi detectado que 43% dos assentamentos mapeados, sendo 485 o número total, apresentaram mais de 75% de sua área desmatada. Nesses casos, houve desmatamento irregular em áreas de Reserva Legal (RL) e Áreas de Preservação Permanente (APPs), que, de acordo com a legislação vigente , devem ser preservadas.

Segundo o Imazon, um dos motivos desse rápido avanço do desmatamento pode ser o acesso de pequenos produtores aos recursos disponíveis pela reforma agrária: posse da terra e crédito subsidiado.

Na visão de Zuniga, do INCRA, o problema, na prática, é uma rivalidade entre “agrobiodiversidade” ao modelo do agronegócio. “A cadeia produtiva do entorno corrobora com essas ações, tem gente que acha que o modelo de agricultura hoje é através de desmatamento e venda de commodities”, afirmou.

Segundo o servidor, isto também acontece porque, depois de criados os assentamentos, não chegam assessoria e apoio técnico para as populações. “Como essa assessoria normalmente não vem, os recursos mais próximos a que essas pessoas têm acesso é a venda de madeira e secagem de grão. Os assentados no Oeste do Maranhão, principalmente, têm sido muito aliciados pela Vale e outras grandes empresas, há uma demanda muito forte por madeira”, contou.

Para contornar o desmatamento

Para conter essa violação, portanto, o governo prepara um programa de pagamento por serviços ambientais, que, se aprovado até este mês de abril, conseguirá ser implementado ainda na metade deste ano. O programa está incluído no pacote de medidas de combate à pobreza extrema da presidente Dilma Rousseff. A proposta é uma parceria entre os Ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e Ministério da Fazenda.

De acordo com o secretário interino de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, Roberto Vizentin, a proposta dialoga com o Projeto de Lei 792/07  do ex-deputado Anselmo de Jesus (PT-RO), que define a expressão “serviços ambientais” e prevê a transferência de recursos, monetários ou não, aos que ajudam a produzir ou conservar estes serviços.

O gerente de projetos do Departamento de Economia e Meio Ambiente do MMA e encarregado da concepção e da gestão do programa, Shigeo Shiki, afirmou que os recursos para o pagamento virão do próprio ministério e são provenientes de atividades de compensação ambiental por extração de petróleo. 

A proposta, no entanto, está em fase de construção. Segundo ele, ainda precisam ser definidos e especificados como serão feitos os pagamentos. “A ação em si pode demorar, mas a decisão política de implementação do programa já foi tomada”, afirmou.

Funcionamento do Programa

“Temos urgência na implementação do programa. A proposta é que ele saia como medida provisória, como um adiantamento para não ficarmos apenas na expectativa de aprovação no Congresso do Projeto de Lei, que contempla ações muito mais amplas”, explicou Shiki.

A recuperação de áreas degradadas, reconstrução de matas ciliares e Reserva Legal são alguns dos serviços eletivos para o recebimento. Entretanto, a maior dificuldade de implementação é identificar qual tipo de serviço ambiental essas populações poderão prestar: “São ribeirinhos, comunidades de reservas extrativistas e agricultores familiares com pouca ou nenhuma terra. Para quem não tem terra, esses serviços terão que ser realizados em áreas públicas, em parques ou reservas, ou em propriedades privadas alheias”.

A proposta tem o Nordeste como área prioritária para o início das ações, área de maior concentração de pobreza extrema e assentamentos que mais penam para sair da subnutrição e da fome.

Shigeo Shiki explica que haverá investimentos concomitantes. “Primeiro, para formar alicerces e permitir que as terras dessas pessoas sejam aptas a serviços ambientais, depois para que as práticas sejam mantidas e possam caminhar por conta própria”. O gerente acredita que é possível fazer com que o mesmo assentado que desmata hoje possa renovar sua capacidade produtiva e ter ganhos através da linha de produção agroecológica.

“Queremos que o programa seja uma alternativa para o recurso do desmatamento, investindo na propriedade ou no lote até o solo ser recuperado, a biodiversidade preservada, para que se tenha capacidade suficiente para prescindir do pagamento do governo”, afirmou.

Isto porque o programa não é para sempre. A idéia é que, depois de assistidas essas primeiras comunidades, ele seja ampliado para outros públicos, como agricultores familiares mais capitalizados.

Zuniga, que vê mais de perto a situação, ainda se mostra um pouco cético. Ele defende que essa disputa não depende só do governo, mas de um pacto social mais eficiente. “Deveria haver capacitação técnica com foco em especialização, para ajudar a emplacar outro modelo de desenvolvimento. Esse é um processo complicado, e uma disputa concreta no dia-a-dia, com os setores mais afetados da sociedade”, frisou o técnico do Incra.

Veja também:

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Mapa – Assentamentos de reforma agrária na Amazônia 

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  • Nathália Clark

    Nathalia Clark é jornalista na área de meio ambiente, desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, justiça social e direitos humanos.

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