Uma das maiores preocupações do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC) está em conhecer a saúde dos bichos que vêm sendo estudados sistematicamente desde 2008. Tanto é que uma das estratégias para esta longa campanha foi criar parcerias com instituições que trabalham especificamente com pesquisas epidemiológicas e de saúde de fauna silvestre. Assim, Caio Motta, veterinário do Zoológico de São Paulo (FPZSP), Fabiana Lopes e Andre Roque, do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), chegaram dias antes do início da campanha para, juntamente com Ricardo Arrais, veterinário responsável pelo Programa, organizarem e definirem os protocolos de coleta de amostras biológicas dos animais a serem capturados.
Depois de tudo organizado, e protocolos espalhados pelas paredes do laboratório, o procedimento em campo da equipe ‘VET’ parece um laboratório a céu aberto! Rick, Caio, Fabiana e André se revezam aprendendo e ensinando sua técnicas aprimoradas em anos de estudos e dedicação. O procedimento de campo tem sido a cada dia mais rápido e eficaz.
Enquanto Rick avalia o animal na armadilha e estima o peso do mesmo, Caio, com larga experiência no manejo e contenção dos grandes animais do Zoológico, prepara a dose anestésica a qual monitora de perto. Um dos seus objetivos é definir um protocolo ideal para estas espécies. Além disso, ele aplica logo o soro e acompanha os batimentos cardíacos, a frequência respiratória e a temperatura do animal, auxiliado pelos outros veterinários e Carol Oliveira, trainee do Zoológico de São Paulo.
Fabiana e André seguem com coletas que exigem treinamento e rigor para serem realizadas. Eles estão a procura de doenças específicas que exigem técnicas avançadas de coleta. Todo o material biológico coletado será processado no laboratório montado pelo Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado na base de campo, e enviado para os institutos parceiros. A intenção é analisar se os animais são hospedeiros de uma série de doenças, entre elas Leishmaniose, Trypanosoma cruzi (doença de Chagas), brucelose, leptospirose, toxoplasmose, hemoparasitas, raiva, cinomose, parvovirose e doenças transmitidas por carrapatos. Além disso, a microbiota oral e gastrointestinal será avaliada, assim como será traçado o perfil bioquímico e nutricional de cada indivíduo.
A descrição destas possíveis doenças pode causar estranhamento para leigos, como se os bichos silvestres fossem contaminados e transmissores. Cabe ressaltar que muitas delas podem ter sido adquiridas justamente pelo contato com os humanos. Ou melhor, com animais criados por humanos, principalmente cães e gatos domésticos. É isto que muitas pesquisas pelo Brasil têm buscado responder: como fica a saúde dos animais silvestres no momento em que são obrigados a viver em áreas antropizadas, ou seja, em contato direto com os mais variados modos de vida (e de higiene) das pessoas.
A exemplo do grande projeto com lobos-guará na região do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), onde os pesquisadores, durante vários anos vacinaram mais de 500 cães domésticos viventes em fazendas no entorno do parque (áreas também usadas por lobos-guará), o Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado também irá coletar amostras de sangue de animais domésticos para avaliar a saúde destes e a necessidade de campanhas de vacinação como as realizadas pelo Projeto Lobos da Canastra.
A genética também será analisada, justamente para contribuir nos estudos de viabilidade populacional, de parentesco e de dispersão dos bichos. Para quem achou que tinha acabado, ainda tem mais! As fezes servirão, entre outras análises, para estudar a dieta e os níveis de stress a que as espécies são submetidas.
Isto permitirá que pesquisadores como Stacie Castelda, estudante americana da George Mason University, orientanda da Dra. Nucharin Songsasen, do Smithsonian Conservation Biology Institute, trabalhe em sua tese de doutorado na região. Ela analisará o quanto a sobreposição das espécies e a proximidade com os humanos afeta a sobrevivência dos bichos.
Toda tarde, depois do trabalho de campo, os “médicos dos bichos” voltam à base e se enclausuram no laboratório para processar as amostras. Roupas esterilizadas, luvas cirúrgicas, centrífuga ligada e o pequeno fogareiro aceso. Desta forma, trabalhando perto do fogo, Caio e André conseguem manter o ambiente razoavelmente esterilizado para prepararem as amostras de cultura. Tais amostras estão sendo periodicamente buscadas na fazenda e levadas rapidamente para os diversos laboratórios e instituições envolvidas. (FioCruz, Zoológico de SP, diversos laboratórios da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), FACIP-UFU, UFSCAR, USP/VRA-FMVZ, CENAP/ICMBio, Smithsonian Conservation Biology Institute e George Mason University).
*Matéria editada em 26/04/2013, às 17h30
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