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Queixadas voltam a ser registradas na região serrana do Rio de Janeiro

Após mais de 80 anos sem registros e considerados localmente extintos, populações de queixadas são documentadas na Reserva Biológica Estadual de Araras

Duda Menegassi ·
3 de julho de 2025

Após mais de 80 anos sem registros conhecidos na região serrana do Rio de Janeiro, as queixadas voltaram a ser vistas no território fluminense. A redescoberta da espécie, que era considerada extinta localmente, foi feita na Reserva Biológica Estadual de Araras, entre os municípios de Petrópolis e Miguel Pereira. Espécie de porco selvagem nativo do Brasil, os queixadas estão ameaçados em todo país, devido ao desmatamento e à caça. A boa notícia foi divulgada em estudo recém-publicado.

A reserva está a menos de 25 quilômetros do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, onde estudos anteriores apontavam a extinção local dos queixadas (Tayassu pecari). Em 2021, entretanto, um registro ocasional de um grupo, feito por armadilha fotográfica, na Rebio de Araras, botou os animais de volta no radar. E no ano seguinte, teve início um monitoramento sistemático, liderado pela pesquisadora e guarda-parque do Inea-RJ, Vanessa Cabral Barbosa, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Ao longo de 2022, com as armadilhas fotográficas instaladas em pontos estratégicos da unidade de conservação estadual, foi possível confirmar a presença dos queixadas em diversos pontos da reserva e em áreas adjacentes. Foram documentados bandos compostos por 20 a 60 indivíduos – a média da espécie é de 50 a 150 indivíduos por grupo, a depender da qualidade e tamanho do habitat.

Monitoramento de mamíferos na Reserva Biológica Estadual de Araras flagra um grupo de queixadas. Vídeo: Inea-RJ/Divulgação

A descoberta sugere a sobrevivência de populações conectadas por corredores ecológicos formados por unidades de conservação, destacam os três pesquisadores que assinam o artigo, publicado na última edição da publicação “Suiform Soundings, da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).

“A redescoberta do queixada na Reserva Biológica Estadual de Araras representa um marco significativo para a conservação da biodiversidade na Mata Atlântica, especialmente diante do histórico de declínio populacional da espécie na região”, comemoram os pesquisadores em trecho do artigo.

A reserva é vizinha de outras quatro unidades de conservação de proteção integral – o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, a Reserva Biológica Tinguá, o Monumento Natural Estadual da Serra da Maria Comprida e o Refúgio de Vida Silvestre Estadual da Serra da Estrela – que ajudam a formar um corredor protegido de Mata Atlântica na região serrana do Rio. 

“A recente redescoberta da espécie na Reserva Biológica de Araras ressalta a importância dos corredores ecológicos e da conectividade florestal para a recolonização e manutenção de populações viáveis na Serra do Mar”, destacam os pesquisadores em trecho do artigo.

Apesar da boa notícia, o artigo ressalta as pressões que ameaçam os objetivos de conservação da reserva, como a caça, especulação imobiliária e incêndios florestais.

O monitoramento de mamíferos de médio e grande porte na Rebio também registrou uma maior densidade de catetos (Pecari tajacu) do que anteriormente estimada, o que pode indicar uma adaptação da espécie aos ambientes fragmentados. Tanto o queixada quanto o cateto são ótimos dispersores de sementes e espécies-chave para manutenção das florestas.

Criada em 1977, a Reserva Biológica Estadual de Araras protege cerca de 3,8 mil hectares de remanescentes da Mata Atlântica. Por lá já foram documentadas outras espécies de mamíferos como a jaguatirica (Leopardus pardalis), a onça-parda (Puma concolor) e o ameaçado bugio-ruivo (Alouatta guariba).

Os pesquisadores reforçam que a sobrevivência das populações de queixada na região depende da implementação de estratégias eficazes para o combate à caça, assim como para restauração de habitats e ampliação dos corredores ecológicos. “A integração entre pesquisa científica e gestão ambiental é essencial para garantir a longo prazo a preservação dessa espécie-chave e dos processos ecológicos associados à sua presença na Mata Atlântica”, resumem os autores.

Monitoramento de mamíferos na Reserva Biológica Estadual de Araras registra queixadas após mais de 80 anos sem registros na região serrana do RJ. Vídeo: Inea-RJ/Divulgação

A situação dos queixadas

Antes da redescoberta dos queixadas (Tayassu pecari) na região serrana, a espécie só era conhecida em uma outra unidade de conservação no estado do Rio: o Parque Nacional do Itatiaia, na divisa com Minas Gerais e São Paulo, a mais de 120 quilômetros de distância em linha reta  da Rebio de Araras.

Embora esteja presente em todos os biomas brasileiros e ocorra amplamente no país, o queixada é classificado nacionalmente como Vulnerável ao risco de extinção. Entre as principais ameaças estão a caça, a destruição, fragmentação e degradação do habitat, além da competição com o javali – espécie exótica invasora que tem se espalhado rapidamente no Brasil.

De acordo com a mais recente avaliação feita pelo ICMBio, disponível na plataforma Salve, na Mata Atlântica foram identificadas populações de queixada em apenas 31,37% da área de remanescentes do bioma, com um total estimado de menos de 24 mil animais. Na Mata Atlântica do nordeste, por exemplo, a espécie já estaria extinta.

Em outros biomas, os queixadas também enfrentam a ameaça do desmatamento e fragmentação do seu habitat. E mesmo na Amazônia, onde a espécie possui maiores chances de sobrevivência, a caça em excesso tem causado extinções locais significativas, alerta a avaliação do ICMBio.

Na última avaliação estadual do estado de conservação das espécies da fauna, feita em 1998, o queixada já era considerado como Em Perigo de extinção no Rio de Janeiro. 

“A redescoberta dessa espécie demonstra que as unidades de conservação são essenciais para proteger os remanescentes florestais e a diversidade biológica da Mata Atlântica”, destaca o secretário de Estado do Ambiente e Sustentabilidade, Bernardo Rossi.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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