Lima – Vista do ar, a Amazônia Peruana do norte é uma região de rios sinuosos que recortam um cenário de matizes de verde. Próximo à cidade de Yurimaguas, no entanto, o terreno subitamente dá lugar a uma vasta extensão de linhas retas – na verdade fileiras de palma de óleo africanas, ou palmas, e terra nua onde a floresta foi derrubada para plantio.
Esta plantação de palma na floresta tropical do Peru está no centro de um acalorado debate sobre o desenvolvimento na Amazônia e se tornou um cabo de guerra entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente sobre como a floresta deve ser usada.
Para os ambientalistas, a plantação – que substituiu uma faixa de floresta – é um símbolo de um desenvolvimento mal regulamentado. Para os executivos da indústria, é uma fonte de empregos e receita. Os representantes do governo estão divididos: de um lado está o Ministério do Meio Ambiente, preocupado com a expansão da plantação de palma floresta adentro, enquanto que o Ministério da Agricultura sustentam que há poucas alternativas para o desenvolvimento da Amazônia.
Enquanto isso, pequenos fazendeiros estão transformando seus pastos e campos em pequenas plantações de palma e diversas empresas de grande porte estão procurando áreas de 10.000 hectares ou mais, para suas operações de escala industrial.
Vasto potencial
“O problema não são as palmas – o problema é o mau gerenciamento, mau uso e a má implementação de projetos, quer sejam privados ou públicos”, diz Lorenzo Vallejos, um especialista em florestas que supervisiona questões ambientais para o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Peru e no Equador.
O UNODC possui um programa de longa data para encorajar pequenos fazendeiros que plantam coca, a matéria prima de onde se produz a cocaína, a mudarem para outros cultivos, que incluem as palmas.
Representantes do governo peruano estimam que haja cerca de 1,4 milhões de hectares de terras adequadas ao plantio de palma na região Amazônica do país, porém a maior parte das regiões Amazônicas ainda não possuem critérios detalhados de uso do solo ou estudos de zoneamento e mapeamento de florestas, necessário para se determinar onde exatamente estão tais terras e se devem ou não ser empregadas para a agricultura.
Além disso, a maior parte dessas áreas está fragmentada e não estão localizadas naquelas áreas mais vastas que as empresas buscam para seus plantios de escala industrial.
Desmatamento
Imagens por satélite tiradas desde 2006 mostram um crescente desmatamento em extensões de terra pertencentes ao Grupo Palma – uma filial do Grupo Romero, uma das holdings mais poderosas do Peru – situada na região de San Martín.
As imagens preocupam os ambientalistas e mostram um aumento no desmatamento nas áreas situadas fora da plantação conhecida pelo nome de Palmas del Shanusi – que consiste de cerca de 7.000 hectares de terras adquiridas do governo e outros 1.800 hectares comprados de particulares – mais a extensão contígua de Palmas del Oriente com seus 3.000 ha.
Em janeiro, um promotor público especializado em crimes ambientais abriu uma investigação no Palmas de Shanusi pelo desmatamento de 500 hectares.
Essa área inclui um pantanal conhecido como aguajales, uma frágil e importante parte do ecossistema Amazônico que regula as mudanças sazonais nos níveis da água e oferece um local de procriação para peixes. As regiões pantaneiras do Peru ainda não foram bem estudadas e estão praticamente desprotegidas.
Mesmo assim, são áreas atraentes para produtores de palma, pois são planas e frequentemente possuem um solo rico de turfa, segundo Dennis del Castillo do Instituto de Investigação da Amazônia Peruana (IIAP). Sua drenagem para o plantio de palma não só destrói o ecossistema, como também libera o carbono armazenado no solo e nas palmeiras aguaje nativas, contribuindo para o aquecimento global, disse ele.
“Nosso interesse é de não destruirmos coisa alguma,” disse Carlos Ferraro, ex-vice Ministro da Indústria que hoje trabalha como consultor do Grupo Palmas, proprietária do Palmas de Shanusi.
Sentado diante de um computador no escritório da empresa em Lima, ele amplia uma imagem fornecida pela Google Earth de antes da plantação e que mostra clareiras dispersas na área. Na região, já havia uma agricultura de pequena escala, assim sendo, “Não entramos em florestas virgens”, disse ele.
Os tribunais do Peru podem concordar com essa alegação, o que traz à tona a questão, nem sempre clara no Peru, do que constitui uma floresta primária ou uma secundária.
A empresa desistiu de seus planos para uma terceira plantação numa área próxima conhecida como Caynarachi, mas há quase 5.000 hectares naquela zona em plantações menores promovidas pelo projeto UNODC de substituição da coca, do governo local da região de Loreto e da associação local de plantadores de Palma.
Pequeno versus Grande
Um risco para a floresta está no fato de que plantadores de pequeno porte que buscam aumentar sua produção, frequentemente preferem expandir suas plantações, ao invés de aumentar a produtividade das suas plantações existentes, o que exigiria um maior investimento imediato, disse Vallejos.
Ele recomendou estudos detalhados para determinar o que está impulsionando o desmatamento em várias partes da Amazônia peruana e os meios de controlar isso, pois as atividades de pecuária e agricultura de subsistência também têm aumentado ao longo de estradas, especialmente nas regiões de San Martín e Ucayali.
De modo geral, na última década, as plantações de pequeno porte têm sido menos destrutivas para com as florestas da Amazônia peruana do que as de grande escala, de acordo com um estudo conduzido pelos pesquisadores da Universidade de Columbia nos EUA.
Esse estudo sobre as plantações de palma de óleo no Peru entre 2000 e 2010 descobriu que as plantações de grande porte e grande produtividade possuíam maior potencial de se expandirem para dentro de florestas maduras. As plantações menores, geralmente administradas por associações de cultivadores, possuíam uma produtividade mais baixa, mas eram mais propensas a serem plantadas sobre solo que já havia sido desmatado para agricultura.
O motivo, segundo os pesquisadores, é que plantadores de escala industrial precisam de vastas áreas de terra que não ofereçam problemas de titularidade e as áreas já desmatadas tendem a serem trechos menores espalhados pela região.
Ainda de acordo com aquele estudo, as plantações de alta produtividade tiveram um aumento de 20.450 hectares durante aquela década e 72% disso representou desmatamento de florestas virgens, o que representa 1,3% do desmatamento total no Peru naqueles anos. O desmatamento para plantação de palma aumentou abruptamente depois de 2006, o que é consistente com os números apresentados pelo Ministério do Meio Ambiente, que mostram uma aceleração do desmatamento na segunda metade da última década.
Em contraste, descobriu-se nesse estudo que 80% dessas novas plantações eram áreas pequenas de baixa produtividade, mas apenas 30% delas invadiram florestas maduras.
Biodiesel
Enquanto a primeira plantação de palma no Peru foi um empreendimento estatal lançado em 1969, a atividade decolou na última década, especialmente depois de 2003 quando saiu a lei dos biocombustíveis. Por lei, todo combustível diesel comercializado no país precisa agora conter 5% de “biodiesel”.
O resultado disso foi um aumento drástico no número de hectares de plantações de palma, embora a maior parte do óleo de palma do Peru seja destinada à indústria alimentícia e utilizado na fabricação de produtos domésticos como o sabão.
As plantações de palma no Peru dobraram, subindo de 18.000 hectares, em 2003, para 36.000 ha em 2011. O governo estima os números atuais em torno de 50.000 hectares, um pouco mais da metade delas em terras de pequenos produtores.
Os executivos da indústria dizem que seriam necessários 200 mil hectares de plantações de palma para suprir a demanda de consumo humano – e possivelmente outros 30 mil hectares para combustíveis – e isso não inclui o crescente mercado de exportação impulsionado pela demanda da China e da Índia.
Mesmo assim, o Peru é ainda um ator de pequeno porte na indústria da palma. Na América Latina, a Colômbia possui a maior área cultivada com 400 mil hectares, seguida do Equador com 280 mil e Honduras com 250.000 mil. Esses números estão muito atrás da Indonésia, com seus 8,2 milhões de hectares seguida da Malásia com outros 4,9 milhões de hectares.
No Peru, as empresas estão de olho na região nordeste de Loreto, a maior do Peru e a que possui a maior cobertura de florestas. Embora não seja fácil encontrar informações sobre compradores em potencial, a sociedade sem fins lucrativos, Sociedad Peruana de Ecodesarrollo (SPDE), estima que diversas empresas estejam buscando obter a titularidade sobre cerca de 60 mil hectares de terras em Loreto.
Uma audiência pública sobre o impacto ambiental de um projeto proposto pelo Grupo Palmas está marcada para 19 de abril em Indiana, que fica a cerca de uma hora de navegação por rio da cidade de Iquitos, a capital de Loreto. Perto de 2,3 mil hectares foram desmatados para o plantio de palma naquela área nos anos 70, mas o restante são florestas primárias, de acordo com um laudo produzido pelo Instituto de Pesquisa na Amazônia Peruana, que se opõe ao desmatamento para plantio de palma.
Segundo a prefeita de Indiana, Janet Reátegui, a proposta dividiu os habitantes locais: “Eu me posiciono no meio.”
Ela encara a floresta como “nossa riqueza”, segundo suas palavras, mas acrescentou que muitos habitantes locais “desejam que a empresa venha custe o que custar, para proporcionar empregos.”
Duas outras extensões de terra, cobiçadas pelo Grupo Palma em Loreto e conhecidas como Santa Cecilia e Tierra Blanca são também cobertas na sua maior parte por florestas maduras, segundo o Instituto de Investigação da Amazônia Peruana. Ferraro, do Grupo Palmas, declarou que pequenos plantadores já cultivam palma na área e gostariam que a empresa se estabelecesse lá.
Incentivos e leis
Embora as leis peruanas proíbam o desmatamento de florestas primárias para cultivos de biocombustíveis, brechas na lei permitem que os governos locais pleiteiem do Ministério da Agricultura autorizações para alterar o uso do solo, segundo Lucila Pautrat, do Sociedad Peruana de Ecodesarrollo, que escreveu um estudo sobre a expansão da indústria do óleo de palma no país.
Carla Pimentel, da organização sem fins lucrativos Land and Rights Observatory (Observatorio Terra e Direitos”), foi mais taxativa: “Não se trata de um problema legal,” afirmou. “É um problema de fiscalização”
A nova Legislação Florestal do Peru requer que o Ministério do Meio Ambiente produza um parecer obrigatório sobre requerimentos de alterações do uso do solo que afetem as florestas. No entanto, a legislação implementadora ainda não foi aprovada e a lei ainda não está em pleno vigor.
Mesmo assim, o Ministro do Meio Ambiente, Manuel Pulgar-Vidal disse que está trabalhando para que a regra se torne obrigatória.
Enquanto isso, o Instituto para Investigação da Amazônia Peruana recomenda a proibição das plantações de palma nas cabeceiras de rios, corredores biológicos, em áreas que sejam fonte de água para as comunidades ou de reprodução de peixes, ou em pantanais.
Um grupo de entidades sem fins lucrativos endossa as recomendações da Instituto de Investigação da Amazônia Peruana e pede outras medidas, incluindo transparência nas informações sobre solicitação de terras, a proibição da construção de novas estradas que poderiam conduzir a mais desmatamentos, bem como medidas de monitoramento e certificação.
Preocupada que a proposta de substituir coca por outros cultivos possa conduzir a mais desmatamentos, a UNODC organizou um grupo de trabalho para explorar a possibilidade de certificação do óleo de palma do Peru sob as regras da Roundtable on Sustainable Palm Oil (Mesa de Debate sobre Óleo de Palma Sustentável). Essas regras proíbem o desmatamento de florestas maduras para novas plantações, encorajando dessa forma, que compradores se interessem apenas pela produção certificada do Peru, com isso, reduzindo com o incentivo ao desmatamento, disse Vallejos.
O grupo de trabalho inclui representantes da indústria e do governo, mas o Ministério do Meio Ambiente não está participando. Enquanto isso, Manuel Iglesias, diretor regional de agricultura para Loreto, enxerga um futuro para a palma na região.
Ambientalistas “tentam demonizar nossas monoculturas”, disse ele. Como as palmas também sequestram carbono, ele as considera com “um substituto” para as árvores derrubadas.
Iglesias afirmou que a falta de estradas ligando Loreto à costa ou para outros mercados, colocou a região em desvantagem comercial se comparada às vizinhas San Martin e Ucayali. No entanto, essa mesma falta de estradas é uma razão pela qual Loreto conseguiu manter suas florestas intactas até hoje.
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