Reportagens

Quando você é amigo do lobo ele vira até cinema

Intolerância e crendices humanas ameaçam a conservação do lobo-guará. A solução é mostrar a crianças e adultos que a convivência é possível.

Redação ((o))eco ·
3 de julho de 2013 · 11 anos atrás
Programa “Sou amigo do Lobo” está doando lobinhos de pelúcia. “Este é o primeiro lobo que as crianças devem cuidar”. Fotos: Adriano Gambarini
Programa “Sou amigo do Lobo” está doando lobinhos de pelúcia. “Este é o primeiro lobo que as crianças devem cuidar”. Fotos: Adriano Gambarini

Uma das atividades que considero mais importante no Projeto Lobos da Canastra está relacionada com educação. Estudar o animal é fantástico, possibilita o conhecimento aprofundado de comportamento, ecologia, saúde e toda uma série de outras informações pertinentes para a conservação da espécie. Mas a convivência pacífica do animal com o ser humano depende exclusivamente de educar…o ser humano. Principalmente aqueles que tem uma relação direta e habitam os mesmos ambientes em que o lobo vive. E mais ainda, aqueles que ainda terão contato com o lobo, as crianças.

Para tanto, desde seu início em 2004, o Projeto vislumbrou ações que pudessem compartilhar e disseminar para a população local da Serra da Canastra toda forma de conhecimento adquirido com as pesquisas de campo. Entre elas, palestras em escolas, livros educativos e cartilhas distribuídas na zona rural.

Sabe-se que o lobo-guará é uma espécie que tolera, de certa forma, diversas atividades humanas, e quanto mais degradado é o ambiente, maior é seu deslocamento diário para a procura de alimento, de parceiro, de áreas seguras para descansar.

Na Serra da Canastra não é diferente. Lá existe uma grande Unidade de Conservação de proteção integral, mas os lobos não entendem o que é uma cerca. Os animais silvestres precisam constituir seu próprio território e nele encontrar as condições ideais para sobrevivência. Se a área protegida não é o bastante, ele segue adiante.

Na dura busca pelo seu alimento, o lobo se aproveita de todas as oportunidades. Se os campos nativos carecem de pequenos roedores, caminha em busca de algo substancioso. Um dos seus “pratos” favoritos é a lobeira, uma planta do cerrado que frutifica o ano inteiro (é muito comum encontrar sementes desta fruta em suas fezes). Mas quando a fome aperta, o que der chance vira comida. Toda vez que eles se deparam com uma criação de galinhas, padecem no paraíso. Às vezes, literalmente. Conflitos entre os proprietários e lobos são comuns e a intolerância gera perseguição. A consequência disso é sempre negativa. Para os proprietários, a perda econômica, para o lobo, a perda da vida.

Atividade nas escolas com filmes educativos

Clique nas imagens para ampliar e ler as legendas.

Em 2005, deu-se início a um programa de educação nas cidades e, principalmente, nas áreas rurais, com três frentes de ações educativas. A primeira foi a interação com a comunidade buscando compreender a cultura, as relações com a natureza e com o Parque Nacional. A segunda linha de trabalho foi desenvolvida junto às escolas, com oficinas para abordar assuntos sobre o Meio Ambiente como um todo, buscando o processo de reflexão e estabelecimento de estratégias para as escolas priorizarem a questão ambiental local. A terceira linha de trabalho buscou a abertura de um canal efetivo de comunicação entre o projeto e a comunidade, particularmente nas fazendas da região, através de vídeos produzidos pelo projeto e veiculados em associação a um filme comercial. Esta atividade ficou conhecida como “Cine Lobo”. Atualmente, o projeto de educação está inserido na campanha “Sou Amigo do Lobo”, que quer difundir uma relação harmoniosa com a espécie na Canastra e em todo Brasil.

A iniciativa busca transferir às crianças, aos jovens e adultos da região a responsabilidade de se proteger o lobo-guará e a fauna local, independente de haver uma área protegida próxima. “Isso se conquista somente se os proprietários rurais conhecerem a importância da espécie e tiverem maior tolerância para que a coexistência seja harmoniosa”, frisa Rogério, coordenador da iniciativa. O trabalho nas escolas foi iniciado na semana passada com a doação de lobinhos de pelúcia, símbolo do primeiro lobo que cada criança será responsável. A intenção dos pesquisadores é fazer com que o lobo seja mote de discussões dentro de casa e referência para assuntos sobre a espécie, que vão desde histórias dos antepassados até novos aprendizados transmitidos às crianças.

Galinheiros como ferramenta

O Projeto iniciou também um trabalho direto com os proprietários rurais através da construção de galinheiros, tratado como peça chave à conservação dos lobos. À frente desta ação está Jean Pierre dos Santos, que é morador de São Roque e mais do que ninguém conhece a vida do campo. Em 2007, construiu 10 unidades-modelo. O problema maior não era a construção, mas o convencimento de que criar galinha confinada seria um melhor negócio. Mas a aceitação foi muito positiva e não tardou até que dezenas de criadores quisessem um galinheiro construído em sua propriedade. O resultado imediato se observou na tolerância das pessoas aos lobos, de forma que extinguiu-se sua caça nas áreas onde os galinheiros foram construídos. Com o sucesso de 5 anos atrás, Jean foi selecionado como um “empreendedor da conservação” do programa E-Cons/SPVS,  e estipulou como meta construir 50 galinheiros em propriedades rurais, escolhidas em acordo com o que apontam as pesquisas de Rogério. O patrocínio de Tetra Pak foi de grande valia para viabilizar o projeto. A intolerância é um fato, e como parece é impossível exigir conscientização e bom senso, o melhor é evitar ao máximo que os animais interfiram na vida das pessoas.

O lobo-guará não é o único “vilão” da história; outros bichos, como jaguatiricas, gato-mourisco, mão-pelada, gambás e até mesmo cães domésticos visitam as galinhas dos sítios da região. Mas criou-se o estigma de que o lobo-guará é sempre o culpado. Aliás, não houve nada pior para os lobos do que a velha história do lobo-mau e o chapeuzinho-vermelho. E digo mais, não existe nada pior para a fauna silvestre do que as crendices populares. É sabido que do outro lado do Atlântico os tigres asiáticos, tubarões e rinocerontes sofrem atrocidades motivadas pelos misticismos humanos. Mas saibam vocês que, pelo interior do Brasil, o lobo-guará também é alvo destas crenças inconcebíveis. Dizem por aí que carregar o olho de um lobo-guará traz sorte. Mas o olho deve ser tirado de um lobo fêmea, e pior, ela não pode morrer nesta sórdida atitude! Em pleno século 21, é revoltante saber disto…

Logotipo do Programa “Sou amigo do Lobo”
Logotipo do Programa “Sou amigo do Lobo”

Nestas duas últimas semanas acompanhei de perto o trabalho incansável desta equipe. Eles não buscam egos inflados nem glórias pessoais. São profissionais dedicados que, em favor de um mundo melhor, da proteção de uma espécie e da preservação de um lugar, dedicam sua vida por um ideal: que todos sejam amigos do lobo.

Se quiserem continuar acompanhando as atividades desse projeto, acessem www.facebook.com/amigodolobo.

Clique nas imagens para ampliar e ler as legendas.

Leia também

Colunas
22 de julho de 2011

Serra da Canastra: diversidade infinita

Trabalho de mais de uma década, livro retrata aspectos naturais do que hoje é considerada uma das regiões mais ricas em biodiversidade do país. Ao mesmo tempo, eterniza personagens lendários, suas historias, seus ‘causos’ mineiros.

Reportagens
22 de abril de 2013

No rastro dos mamíferos que sobrevivem no Cerrado

Pesquisadores estão em Goiás, em uma região de pecuária, tentando entender como os animais sobrevivem em um meio que o homem já tomou.

Colunas
24 de junho de 2013

Os tímidos lobos-guará da Serra da Canastra

Se as pessoas pudessem entender o quão inofensivo é o guará, a chance de sobrevivência desse magnífico e ameaçado animal cresceria.

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.