Em 29 de julho de 2007, ribeirinhos e ambientalistas observaram estarrecidos a morte de cerca de 40 toneladas de peixes, crustáceos, moluscos e várias outros organismos aquáticos nas margens do estuário Potengi-Jundiaí, no Rio Grande do Norte. Os animais mortos podiam ser vistos boiando na água, cobrindo o solo e até pendurados na vegetação de mangue durante a maré baixa.
A partir daí, desenrolou-se uma complexa história que até hoje não viu o seu final. Como em todo desastre, buscou-se primeiramente as causas e os culpados. Um laudo preliminar do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema), o órgão estadual de meio ambiente, apontava a empresa de carcinicultura Veríssimo e Filhos Ltda. como a principal responsável. Cerca de um mês depois, a conclusão foi corroborada por outro documento do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (Labomar) e, em janeiro de 2009, também por um parecer de uma comissão de especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
De acordo com os documentos, entre os dias 27 e 28 de julho de 2007 a empresa lançou efluentes não tratados durante a despesca de um viveiro de 28 hectares no rio Jundiaí, afluente do Potengi. As elevadas concentrações de matéria orgânica, especialmente de amônia, despejadas durante a despesca foram a gota d’água para o rio. Associados ao baixo nível da maré no período e aos poluentes já existentes, os efluentes contribuíram para a asfixia dos animais pela falta de oxigênio dissolvido na água. Contudo, a conclusão não explicava a morte de garças, galinhas, cachorros e outros animais que se alimentavam dos peixes e crustáceos, nem o fato de alguns ribeirinhos terem adoecido no mesmo período.
As discussões sobre quem seria o responsável pelo acidente e o que o causou se arrastam por anos e até hoje não existe uma resposta definitiva.
O Ministério Público do Rio Grande do Norte investigou o caso, mas a falta das análises laboratoriais do dia da mortandade prejudicou o processo. Assim, não houve acusação criminal por parte do Ministério Público contra a empresa, ninguém foi responsabilizado pelos danos ambientais e não houve qualquer multa ou reparação dos danos. Também no âmbito estadual, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Conema) se reuniu somente em 2010 para discutir o caso, mas seus representantes não chegaram a um consenso. A rotatividade dos conselheiros também retardou as discussões e os encaminhamentos legais do processo.
Alguns desdobramentos do caso ocorreram ao longo dos anos. Houve a detecção de incoerências no licenciamento ambiental da Veríssimo e Filhos Ltda., que teve suas atividades suspensas. A denúncia de que a empresa apresentou laudos com análises repetidas no processo de licenciamento nos anos de 2006 e 2007 foi feita pelo Ministério Público do estado. A decisão judicial pela condenação da empresa e de um de seus gestores pela fraude saiu somente em abril desse ano, quase sete anos depois. Entretanto, quatro anos após o desastre, em julho de 2011, a empresa ganhou na Justiça o direito de voltar às suas atividades e operar os 24 viveiros de camarão que ocupam os cerca de 86 hectares da fazenda Carnaubinha, em São Gonçalo do Marante-RN.Também houve a prisão preventiva de um ex-técnico do Idema em março de 2010, suspeito de omitir informações na emissão da licença ambiental. O suspeito foi solto dois dias depois.
Enquanto isso, pescadores, marisqueiras, coletores de caranguejo e toda a comunidade ribeirinha sofria com a falta de seu principal sustento. O Governo Potiguar distribuiu cestas básicas no período do acidente, embora muitos moradores reclamassem que não era o suficiente e que estariam passando por necessidades, principalmente porque a pesca foi proibida por cerca de quatro meses, embora os laudos afirmassem que não haveria problemas em consumir o pescado.
Até hoje, quem depende do rio para sobreviver sente os efeitos da mortandade dos animais. A ex-marisqueira Maria Gorete, de 56 anos, moradora da comunidade de Beira Rio há 38 anos, catava moluscos no Potengi há 16 anos e disse ter havido uma grande diminuição dos animais depois do acidente em 2007. “Hoje praticamente só existe ginga [um pequeno peixe] pra pescar no rio. Depois da mortandade de peixes, está tudo muito escasso”, reclamou ela.
Um conjunto de erros, descasos, omissões, leniência e até fraudes levou ao desastre e à ausência de um desfecho do caso. No fim das contas, não há um único culpado pela mortandade no Potengi, pois todos somos culpados. Talvez um fator isolado tenha desencadeado o evento, mas a expansão urbana desordenada, a falta de saneamento e de uma política efetiva de conservação e as agressões que o rio sofre diariamente contribuem para o cenário de degradação observado hoje.
Conforme reza a Constituição, a proteção ao meio ambiente é dever de todos. Os órgãos ambientais, a comunidade ribeirinha, a imprensa e toda a sociedade civil devem fazer a sua parte, visando à manutenção da vida no estuário do Rio Potengi e a um meio ambiente equilibrado e sadio, para o benefício de todos.
Sobre o rio Segundo o Idema, o rio Potengi percorre 176 km em 17 municípios e sua bacia hidrográfica abrange uma área de 3.804,4 km². Sua nascente localiza-se na Serra de Santana, município de Cerro Corá e, antes de desaguar no mar, na altura dos bairros Redinha e Santos Reis em Natal, recebe contribuições dos afluentes Jundiaí, Golandim, Rio Doce e Jaguaribe, formando assim o Estuário Potengi-Jundiaí. Em 2007, abrigava cerca de 1,1 milhão de habitantes em suas margens, o que equivaleria a 43% da população do Estado e 25% da população da capital Natal. Os manguezais do estuário do Potengi vêm sendo desmatados há mais de 60 anos, de início por várias salinas, que foram proibidas e deram lugar aos viveiros de carcinicultura. Contudo, a maior ameaça ao rio é o despejo de efluentes não tratados de praticamente toda a região metropolitana de Natal. |
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