Ao contrário da maioria das marcas, feitas para serem nome de fantasia, Amigo do Taim tem um sentido literal. Ela embala um arroz cultivado de modo a reduzir o impacto sobre o Banhado do Taim, jóia da natureza no extremo sul – elevada à condição de Estação Ecológica (ESEC) em 1986 – à volta da qual fica uma das principais regiões produtoras do grão no Brasil. A primeira safra de 17 mil e 500 sacas, resultado do plantio orgânico em apenas 7 hectares, foi colhida em abril. A segunda, que vai se utilizar de sementes produzidas já dentro do novo sistema de cultivo, começa a ser plantada em 1º de novembro, em área quase três vezes maior.
Do ponto de vista da conservação, a experiência original mostrou-se viável. Plantas e marrecos substituíram adubos químicos e defensivos agrícolas. O processamento da produção, até pela opção pelo tipo integral, gerou o menor volume possível de resíduos. Mas isso não quer dizer que ela tenha tido impacto ambiental sensível na região – pelo menos não ainda. “A área plantada ainda é muito pequena” conta Gilson Teixeira, o agrônomo que dirigiu o plantio do arroz segundo as técnicas da agricultura orgânica. Seu crescimento depende de três fatores. Um é a própria consolidação do sistema orgânico de cultivo. O outro é comprovar que ele é economicamente viável e que sua produção pode dar retorno financeiro.
“Economicamente, viável ele é”, diz Frederico Costa, que produz 1200 hectares de arroz, dedicou 2 à experiência no ano passado e esse ano pretende plantar quase 10 hectares de Amigo do Taim. “O fato de não precisar usar insumos barateia muito o custo de produção”, diz Jovito Pereira, presidente de uma Associação de Lavradores assentada em terra próxima ao Taim que conta com 15 membros e plantou no ano passado 96 hectares de arroz tradicional e outros 5 com base no cultivo orgânico. O problema é saber se ele dará retorno financeiro. “No final das contas, o mercado é que manda”, lembra Costa.
Feitas as contas, pelo menos para o pessoal da Associação, o arroz orgânico tem muito futuro. A produtividade por hectar foi 121% maior do que a do arroz tradicional. O custo do cultivo também foi menor. O Amigo do Taim custou à Associação 2 mil 240 reais por hectar. O tradicional saiu por 2 mil 598. O lucro também foi maior com o arroz orgânico. Enquanto o arroz tradicional rendeu 393 reais, a do orgânico amealhou 1mil reais a mais. Não é à toa que Pereira vai dobrar a sua área de plantio deste ano, para 10 hectares. “Ele queria fazer mais. Mas eu o convenci a ir crescendo aos poucos, para não gerar expectativas em excesso” conta Teixeira, o agrônomo.
Nas terras de Costa, o resultado não foi lá essas coisas. O custo de produção foi baixo, mas a produtividade por hectar também. Isso empurrou a possibilidade de retorno financeiro para o buraco. Nem por isso, ele pensa em sair do projeto. Vai praticamente quadruplicar a sua área de produção porque acredita que precisa fazer um investimento no cultivo orgânico. “É uma tendência que não pode ser ignorada. O mercado está receptivo a este tipo de produto”, diz, informando que está tomando providências para incorporar as lições que aprendeu na safra passada para ver se consegue ter melhor resultado na próxima colheita.
Um dos problemas que enfrentou, segundo ele próprio, foi a qualidade da terra destinada ao plantio do arroz orgânico. “O solo estava demasiadamente usado. Lá na Associação, eles plantaram em terra mais descansada”, diz. “É o que farei este ano”. A qualidade da terra, segundo Teixeira, foi uma das principais preocupações do início do projeto. “A agricultura orgânica exige um solo melhor equilibrado, que não tenha sido submetido intensamente a insumos”, explica. Mas ele acha que não foi apenas a qualidade da terra que atrapalhou a performance do arroz plantado por Costa. O manejo da cultura também influiu.
“A qualidade da mão de obra não era boa”, diz. “Tanto que este ano ele vai colocar a cultura sob a administração direta de seu capataz”. Nas terras da Associação, esse problema não aconteceu por conta principalmente da dedicação dos lavradores aos detalhes do projeto, coisa que Costa, pela extensão das terras que cultiva, pelo menos pessoalmente fica impedido de fazer. Para os pequenos lavradores, Teixeira diz que a experiência toda deu certo. “Eles tiveram custo baixo, sucesso na comercialização e aprenderam muito sobre manejo agrícola, coisa fundamental porque em propriedades menores, é importante manter um mínimo de diversidade de culturas”, afirma. Além da Associação e de Costa, outro agricultor de médio porte vai participar do plantio do Amigo do Taim este ano. Vai entrar com 7 hectares.
A experiência do plantio orgânico de arroz na região do Taim saiu de um plano do Núcleo de Estudos do Meio Ambiente (Nema), tradicionalíssima Ong do Rio Grande do Sul, respeitada pelo seu trabalho em preservação e educação ambiental. A idéia era tentar implementar um tipo de cultivo que reduzisse os eventuais impactos ambientais da produção de arroz sobre o banhado. O projeto foi apresentado ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, que resolveu financiá-lo utilizando-se de recursos do Pró-Bio. “Acho que eles gostaram de uma proposta que juntava preservação ambiental com atividade econômica”, diz Teixeira.
O Nema tratou também de colocar outros órgãos a par do projeto e fazer com que eles tivessem participação nos seus rumos, como o Instituto Riograndense do Arroz, que forneceu as sementes para a primeira safra, e o Ibama, principal interessado na saúde da natureza onde fica a Estação Ecológica do Taim. Frederico Costa, que participa do Conselho da Estação e é o agricultor com terras mais próximas á área da unidade de conservação foi indicado pelo pessoal do Ibama. “Eu aceitei participar mais por objetivos ambientais do que comerciais”, confessa. “Como estou muito perto da Estação, constantemente sofro restrições de cunho ambiental no meu cultivo. Imaginei que a agricultura orgânica poderia me abrir alternativas”.
Aparentemente, embora o sucesso comercial ainda não lhe tenha sorrido, abriu. “Eu acho que melhorou a cabeça do nosso pessoal e dos vizinhos sobre questões ambientais, o que para mim já é um avanço”, diz. Falta agora o retorno financeiro. Costa acha que pelo menos potencial o projeto do Amigo do Taim tem. Acredita na força da marca e lembra que este ano, sem qualquer experiência, o pessoal do Nema conseguiu colocar a produção em 10 cidades da região. Os agricultores da Associação tem visão semelhante. Gostam da marca e viram pela primeira vez que agricultura não tradicional também dá resultado.
“Quando a gente iniciou a produção foi uma dificuldade”, recorda Jovito Pereira. “Não estávamos acostumados com as demandas da agricultura orgânica. Pior, partíamos do princípio que ela não ia dar certo”. De fato, era difícil convencer gente que passou a vida inteira colocando adubo químico em planta que o arroz poderia crescer sem ele. “Mas cresceu”, diz com entusiasmo. A Associação, segundo Teixeira, foi envolvida na experiência porque o solo que ela ocupa é de boa qualidade, não havia sido submetida ao uso intensivo de insumos e foi conseguida sem qualquer tipo de conflito agrário.
Antes de distribuir a safra deste ano, o Nema precisou encontrar uma empresa processadora que estivesse disposta a trabalhar o arroz orgânico separado do arroz de cultivo tradicional. Acharam um parceiro na Matos e Figueiredo, processadora de arroz da região que tirou da aposentadoria uma velha máquina e deixou-a dedicada exclusivamente ao Amigo do Taim. A opinião dos dois produtores e do agrônomo sobre a qualidade do arroz que produziram não podia ser melhor.
Costa, que garante que poderia sobreviver comendo só o grão que produz, diz que nunca tinha ingerido um arroz integral tão saboroso. Teixeira releva sua consistência firme, mas não crocante como é a da maioria dos integrais. Pereira lembra que foi com o Amigo do Taim que cozinhou o melhor arroz com lingüiça de sua vida. Não imagine o leitor que os três estão apenas vendendo seu produto. Este repórter ganhou um quilo de Amigo do Taim fazendo a reportagem. Seu tempo de cozimento é maior, mas vale à pena esperar. O arrroz é delicioso.
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