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Às cegas – Cadeia da carne é marcada pela falta de transparência, mostra pesquisa

Radar Verde, lançado nesta terça-feira (20), mostra que empresas não estão dispostas a comprovar se a carne que comercializam está livre de desmatamento ilegal

Cristiane Prizibisczki ·
20 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

Em meados de 2022, 90 empresas da indústria da carne no Brasil e 69 redes varejistas foram convidadas a participar de um estudo para mostrar se suas políticas garantem que a carne que comercializam não está ligada ao desmatamento na Amazônia. Apenas 5% delas aceitaram participar do trabalho. Nenhuma autorizou a divulgação de sua classificação final.

A total falta de transparência entre as empresas da cadeia da carne no Brasil está explicitada na primeira edição do Radar Verde, uma nova ferramenta que avalia o quão efetiva as políticas de controle desta cadeia são. Os resultados do trabalho, realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em parceria com o Instituto O Mundo Que Queremos (OMQQ),  foram divulgados nesta terça-feira (20).

Frigoríficos 

Em toda Amazônia Legal, existem 113 grupos frigoríficos ativos, segundo o Radar Verde. Eles são responsáveis pela comercialização de pelo menos 93 milhões (42%) dos mais de 218 milhões de bovinos criados no Brasil. 

Garantir a rastreabilidade desse gado é essencial para assegurar que o bife que chega ao nosso prato não está ligada ao desmatamento, já que a cadeia da carne está diretamente associada à destruição da floresta: pastos para o gado cobrem cerca de 90% da área total desmatada na Amazônia, e mais de 90% dos desmatamentos novos são ilegais.

Mas a falta de transparência ainda é um fator predominante entre eles: dos 113 frigoríficos listados pela equipe do Radar Verde, 23 não disponibilizam nenhum contato público, 20 disponibilizam apenas o contato telefônico e 1, apenas o e-mail.

Mesmo assim, 90 deles foram contactados entre abril e julho deste ano para participar da pesquisa. Apenas 5 aceitaram participar – Agrafoods, JBS, Marfrig, Masterboi e Minerva –, mas nenhum autorizou a divulgação dos resultados.

Varejistas 

A falta de transparência também faz parte do modus operandi das empresas varejistas. Apesar de todas as 69 redes e grandes supermercados listados disponibilizarem meios de contato, apenas 3 aceitaram participar da pesquisa – Assaí Atacadista, Carrefour e Grupo GPA, que comanda marcas como Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem. Nenhuma delas autorizou a divulgação dos resultados.

Segundo Ritaumaria Pereira, diretora-executiva do Imazon, o fato de este ser o primeiro ano da pesquisa contribuiu para a baixa adesão. “É uma ferramenta nova que ninguém conhecia, o que gera um certo medo de como [os participantes] vão ser expostos. Nós não ficamos desapontados [com o resultado] porque não foi uma surpresa essa baixa adesão”, explicou, em entrevista a ((o))eco.

No entanto, ela ressalta a existência de outros mecanismos focados na rastreabilidade e legalidade da cadeia da carne, como é o caso do Termo de Ajustamento de Conduta do Ministério Público Federal, que existe há mais de uma década.

“Para mim, os resultados representam uma falta de transparência e falta de vontade de mostrar o que estão fazendo”, complementa ela.

Frigorífico instalado na Amazônia. Foto: Divulgação

Radar Verde

O Radar Verde é um indicador que pretende mostrar quais frigoríficos e supermercados demonstram maior controle e transparência na produção da cadeia da carne que vendem.

Por meio da aplicação de questionários, a ferramenta busca avaliar se as empresas garantem que suas fornecedoras não estão na lista de áreas embargadas, não estão sobrepostas a áreas protegidas e se possuem licença ambiental, por exemplo.

Com base nas respostas, a empresa recebe uma pontuação, que vai de “eficácia da política muito alta”, indicada pela cor verde, até “eficácia da política muito baixa”, indicada pela cor vermelha.

“Mesmo que as empresas não consigam ter um controle total de seus fornecedores, o Radar Verde avalia o grau de esforço e a distância que elas estão de garantir o objetivo final, que é uma carne 100% livre de desmatamento”, explica Ritaumaria Pereira.

O objetivo da ferramenta, segundo seus desenvolvedores, é que ela auxilie consumidores e investidores no momento da tomada de decisão. 

“A forma como cada frigorífico e cada supermercado responde à demanda por transparência e comprovação [dos resultados] é uma informação que consumidores, investidores e grandes clientes corporativos precisam saber e que devem levar em consideração na hora de tomar decisões”, diz Alexandre Mansur, diretor de projetos de O Mundo Que Queremos.

O Brasil é o segundo maior produtor mundial e o maior exportador de carne bovina. O país produz cerca de 15% de toda a carne bovina consumida globalmente. No entanto, pela maneira como a cadeia de produção de carne está estruturada no Brasil, faltam informações públicas para garantir que a carne consumida no país e também exportada não está associada a desmatamento durante sua produção. 

Os animais podem passar por diversas fazendas ao longo de sua criação, desde o nascimento até o período de abate. O Radar Verde analisa se os frigoríficos e os supermercados são capazes de garantir que a carne que compram e vendem não passou por uma fazenda que desmatou em nenhum dos elos dessa cadeia. Isso inclui os fornecedores diretos dos frigoríficos e supermercados (ou seja, de quem eles compram) e seus fornecedores indiretos (de quem os fornecedores de seus fornecedores compram).

A pesquisa será feita anualmente.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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