Aprovado plano de trabalho da Comissão Temporária do Senado para a crise na TI Yanomami. Após o atentado à base do governo, a ministra Marina Silva e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, estiveram em Roraima. Articuladores políticos dos garimpeiros pedem ajuda ao governo
A Comissão Temporária sobre a Situação dos Yanomami do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (8), o seu plano de trabalho que tem, por objetivo, “acompanhar in loco a situação dos Yanomami e a saída dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, bem como propor soluções de curto, médio e longo prazo para os conflitos lá observados e o direcionamento das ações para a resolução da crise ambiental e humanitária instaurada na Terra Indígena Yanomami”.
A comissão é presidida pelo senador Chico Rodrigues (PSB-RR), escolha fortemente criticada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que questionam a legitimidade de viagem realizada pelo senador à TIY no dia 20 de fevereiro.
Outra ação do atual presidente da Comissão questionada foi o pedido de perdão aos garimpeiros que invadiram a Terra Indíngena. Ele teria solicitado, em ofício, juntamente com o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o perdão aos garimpeiros ilegais em Roraima, de acordo com o informado pela Agência Pública.
Desde que questionamentos sobre a neutralidade da Comissão surgiram, e para evitar a predominância de defensores do garimpo, o número de colegiados passou de cinco para oito.
O plano aprovado pela Comissão prevê em sua primeira etapa duas viagens ao estado de Roraima para ouvir a população afetada pela crise humanitária e autoridades locais. As diligências incluirão visitas ao Hospital de Campanha de Surucucu, à Casa de Saúde Indígena e ao Hospital da Criança de Boa Vista. O relator espera identificar os principais problemas sociais, de saúde pública e ambientais na região.
De acordo com o senador Chico Rodrigues, mais de 19 mil garimpeiros já saíram das terras indígenas Yanomami nos últimos trinta dias. Segundo ele, restam pouco mais de 800 garimpeiros na região. Em sua avaliação, o Estado brasileiro precisa se manter presente na região para evitar o retorno do garimpo ilegal.
Foi aprovado também requerimento do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que pede informações ao ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, sobre os recursos recebidos e os recursos efetivamente gastos pelo Fundo Amazônia desde 2003.
De acordo com o plano de trabalho aprovado, serão ouvidos em audiências públicas representantes dos Yanomamis, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Missão Evangélica Caiuá, da Procuradoria-Geral da República em Roraima, da 6ª Câmara da Procuradoria-Geral da República (que trata de populações indígenas e tradicionais), e do Instituto Socioambiental (ISA).
Compradores de ouro investigados
Também serão ouvidos representantes da Cooperativa de Extrativismo Minero Artesanal de Roraima, da Cooperativa de Garimpeiros de Roraima, da Associação Nacional do Ouro (Anoro) e do Sindicato das Empresas Distribuidoras de Títulos de Valores Mobiliários no Estado de São Paulo (Sindival). As DTVM são as únicas que podem realizar o registro legal do ouro minerado no país.
Após realizadas todas as escutas previstas no plano, a comissão produzirá um relatório consolidando as informações e apresentando soluções legislativas e recomendações técnicas, buscando-se soluções de curto, médio e longo prazo para o problema apurado. A data limite prevista para a entrega do relatório é o dia 21 de abril.
Passado um mês do início oficial das ações do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), juntamente com agentes de outros Ministérios, como o dos Povos Indígenas, da Saúde e da Justiça, ainda está longe de ser resolvida questão da presença de garimpeiros ilegais e outros agentes ilícitos operando e degradando a Terra Indígea Yanomami – a maior do país, com aproximadamente um milhão de hectares, nos estados de Roraima e Amazonas, na divisa com a Venezuela.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, estiveram em Boa Vista (RR) no último sábado (04), quando também visitaram a base de trabalho do governo na comunidade de Palimiu, dentro da TIY, alvo recente de atentado. Participaram da comitiva ainda Davi Kopenawa, líder do povo Yanomami, a coordenadora da Frente de Proteção EtnoAmbiental Yanomami e Ye’kuana da Funai, Elaine Maciel, o secretário executivo do MMA, João Paulo Capobianco, o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Jair Schmitt, o superintendente do Ibama em Roraima, Diego Bueno, e o general Marcelo Lorenzini Zucco, subcomandante do Comando Operacional Conjunto Amazônia, do Ministério da Defesa.
Criminalidade resiste
Se nos pontos críticos de exploração garimpeira, como nas margens do rio Uraricoera, imagens de sobrevoo divulgadas por autoridades dão conta do nível de destruição da floresta, na comunidade Palimiú a lógica da criminalidade mostra a sua face mais explícita. Em maio de 2021, a localidade foi atacada a tiros por um grupo de narcotraficantes ligados a facção criminosa com base em São Paulo
Em 7 de fevereiro a comunidade de Palimiú recebeu a instalação da base federal para as ações de desintrusão na TI Yanomami. Algumas semanas depois, em 23 de fevereiro, a base foi alvo de um atentado.
Criminosos armados desceram o rio Uraricoera em sete “voadeiras” (canoas munidas de motores) de 12 metros carregadas de cassiterita e furaram bloqueio montado por agentes do Ibama, que já haviam localizado a carga ilegal por drone. Houve troca de tiros e um dos garimpeiros ficou ferido e depois foi preso.
A segurança da base de controle é realizada por agentes da Força Nacional de Segurança Pública, da Polícia Rodoviária Federal e do Ibama. “Foi um ataque criminoso programado. Todos aqueles que tentarem furar o bloqueio serão presos. Acabar com o garimpo ilegal é uma determinação do presidente Lula”, disse o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.
Durante a entrevista concedida em Boa Vista, Marina Silva anunciou uma segunda base de fiscalização no rio Mucajaí, na região de Walo Pali, mesmo local onde ocorre o controle das embarcações de garimpeiros que saem da TIY.
“Nós estamos fazendo uma outra barreira porque queremos estrangular a entrada dos suprimentos do garimpo criminoso dentro da Terra Indígena Yanomami e fazer esse estrangulamento é não deixar entrar combustível, alimentação, garimpeiros e não deixar também sair o produto criminoso do garimpo”, explicou a ministra.
Desde o início das operações de desintrusão foram bloqueados R$ 41 milhões em bens e inutilizadas ou apreendidas 59 balsas, duas aeronaves, oito embarcações, 27 toneladas de cassiterita e outros equipamentos como geradores de energia, maquinários, utensílios e insumos químico utilizados na mineração ilegal.
O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, confirmou a informação de que restaram dentro do território indígena apenas cerca de mil dos 20 mil garimpeiros ilegais estimados dentro da TI – e declarou também que é impraticável a prisão imediata de milhares de infratores ambientais de uma única vez.
Ajuda para os garimpeiros sairem
No início desta semana (06), os operadores políticos do garimpo do estado de Roraima, ligados ao movimento “Garimpo é legal”, intensificaram o pedido público de ajuda ao governo federal para que os garimpeiros deixem a TIY.
O pedido inclui a liberação do acesso de aviões e de lanchas particulares ao interior da Terra Indígena Yanomami ou que, alternativamente, se ofereça transporte aéreo ou fluvial para quem quiser deixar a área imediatamente.
Caso o governo opte por transportar os garimpeiros em aeronaves já mobilizadas para a missão humanitária e assistencial aos Yanomami, os garimpeiros pedem que sejam definidos e anunciados previamente os locais para onde devem se dirigir a fim de obter ajuda, com a indicação das pistas de pouso e decolagem que serão usadas.
O próximo dia 6 de abril é o limite para a saída classificada como ‘humanitária’ pelo governo, que depois desta data irá fechar o espaço aéreo da TIY e agirá de forma mais direta e coercitiva para que se complete o processo de desintrusão.
Mesmo que as ações instauradas pelo governo Lula na TIY estejam levando à saída de uma verdadeira multidão de garimpeiros, pelo menos para parte dos Yanomami também é necessário responsabilizar as forças públicas que, de forma premeditada, forneceram subsídios institucionais para fortalecer o movimento garimpeiro na região.
Neste sentido a Urihi Associação Yanomami pede ao governo federal em Ação Civil Pública R$ 6,6 bilhões como indenização por danos ambientais provocados pelo garimpo ilegal na TIY. A ação veio a público no sábado (4) e, em 121 páginas, detalha como a negligência por parte do governo federal, sob gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, para combater a extração criminosa de ouro resultou no desmatamento, na poluição dos rios, nas doenças e nas mortes de centenas de indígenas.
“Os ‘ensaios para a dança da morte’ – desastre ocorrido na Terra Indígena Yanomami – TIY (RR/BR) –, foram conduzidos e encorajadas pelos discursos das mais altas autoridades públicas, que ao invés de reprimirem as atividades de extração mineral ilegal em TIY, fizeram uma verdadeira cooperação com os garimpeiros, que, notadamente, ocasionou no uso desenfreado do mercúrio, sem qualquer tipo de reprimenda efetiva”, relembra o documento. Por enquanto, a ação não conta com apoio da Hutukara Associação Yanomami, a mais importante representatividade da TIY, presidida por Davi Kopenawa.
Entre outubro de 2018 e dezembro de 2022, o desmatamento resultante do garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami aumentou 309%, de acordo com levantamento elaborado pela Hutukara Associação Yanomami. Em dezembro de 2022, último mês do governo Bolsonaro, a área desmatada era de 5.053,82 hectares, ante 1.236 hectares detectados no início do monitoramento.Desde 20 de janeiro foi decretado estado de emergência em saúde na TIY e, em 06 de fevereiro, foram abertos oficialmente os trabalhos para a desintrusão.
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