Reportagens

É tarde demais para sermos pessimistas, diz ativista francês Yann Arthus-Bertrand

Fotógrafo, ativista e documentarista francês fala sobre sua reconexão amorosa e diz que vivemos em uma negação coletiva. Falta agir

Giane Gatti ·
17 de dezembro de 2018 · 6 anos atrás
O fotógrafo e documentarista francês, Yann Arthus-Bertrand. Foto: Divulgação Inspira BB.

Faz 40 anos que o fotógrafo, documentarista e ativista francês Yann Arthus-Bertrand percorre o mundo tirando algumas das mais belas fotos aéreas do planeta, tendo sido o precursor nesse formato de registro. A convite do Banco do Brasil, Bertrand esteve no Brasil em novembro para participar do Inspira BB, evento estilo TED.

Por quase três dias o acompanhei por São Paulo, nos ensaios para o evento, no aeroporto. Ligado no 220w, extremamente curioso, exigente e, muitas vezes, impaciente, Yann vivencia seu propósito de mostrar o impacto humano sobre o planeta. E é esse trabalho que o tornou conhecido.

Seu livro “Terra vista do céu” teve mais de quatro milhões de exemplares vendidos, foi traduzido em mais de 20 idiomas e deu origem a exposições – sempre gratuitas –, em vários países, que foram vistas por mais de 10 milhões de pessoas. No Brasil, a exposição foi exibida em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Seu filme “Human”, de 2015, é uma aula sobre o que é o ser humano: o que nos une e nos separa. Nossa complexidade e nossa busca constante pela felicidade, independentemente da cultura ou do idioma. O trabalho foi resultado de mais de duas mil entrevistas em 63 países. Já foi visto por mais de 60 milhões de pessoas e está disponível gratuitamente em sete línguas.

Com uma sensibilidade e olhares únicos para os detalhes, relevos, cores e movimentos, Bertrand respira ecologia. Seu último grande trabalho foi ilustrar a encíclica “Laudato Sí”, lançada recentemente pelo Papa Francisco. É um apelo à ecologia e um alerta sobre o impacto do homem no planeta. Toda a renda será revertida a um orfanato mantido por Bertrand em Brazavile, no Congo.

Durante um almoço em uma cantina italiana em São Paulo, ocorreu essa entrevista.

*

Seu amor pela natureza começou cedo?

Aos 22 anos fui ao Quênia estudar leões e cuidei de uma reserva de animais por quase 10 anos. Para sustentar a família, minha esposa Anne, que também participava da pesquisa com os animais selvagens, e meus filhos Baptiste e Guillaume, trabalhei como piloto de balão.

Yann Arthus Bertrand. Foto: Divulgação/Quentin Jumeaucourt.

Eu seguia a mesma família de leões todos os dias e gostar deles, se preocupar com eles me encantou. Os leões foram meus primeiros professores de fotografia. Foi um dos momentos mais felizes da minha vida (morar no Quênia) e talvez não tenha me dado conta. É preciso saber quando somos felizes e aproveitar.

Foi lá do alto que você viu aspectos inéditos, além de informações preciosas sobre o nosso planeta, e tornou-se um especialista em fotos aéreas. O que você busca?

Tento mostrar a beleza do mundo, mas também o que está acontecendo. Durante a Rio 92 (primeira grande conferência mundial sobre o meio ambiente), decidi fazer um grande trabalho sobre o planeta. Parti durante nove anos e isso mudou completamente a minha vida!

Você fala que é o amor que vai salvar o mundo. Não será uma revolução científica nem econômica. Explique, por favor.

Ser um ecologista é amar a vida, os animais, o ar puro e também as pessoas. Não pode ser ecologista se não amar as pessoas e tudo que vem junto. Não tem como ser ecologista se não amar as pessoas.

O Papa Francisco fala de uma “consciência amorosa”. Eu adoro essa expressão. Penso que, quando você vê o que se passa com o aquecimento climático, os políticos são incapazes de fazer um link com essa “religião do crescimento”. Não há como lutar contra o aquecimento global se continuarmos a acreditar dessa maneira, essa corrida do crescimento, o graal absoluto para os governos que é manter o emprego.

Eu estou perdido nisso tudo. Venho dos anos 1980, quando acreditávamos que íamos salvar os elefantes. Nossa maneira de viver é impossível para o planeta. Precisamos viver melhor com menos.

E o amor?

Falo de uma revolução interna. Quando entendemos nosso impacto no planeta, podemos, por exemplo, parar de comer carne industrial. O sofrimento animal é muito importante. Você não pode se esconder atrás disso. Se você ama a vida, não poderia aceitar a morte dos animais desse jeito. E é péssimo para o planeta. Nós sabemos que a carne industrial destrói o planeta e continuamos, estamos todos em um sistema e eu também. Se você continua a comer a carne e pegar o avião, você é como os outros (ele só come peixe).”

Ipanema pelos olhos do fotógrafo
Yann Arthus Bertrand. Foto: YAB/Exposição A terra vista do céu.

A revolução a que me refiro é de ética, moral, de honestidade, e também de gentileza e benevolência. Agir nos torna felizes. Acredito nisso.

E o papel dos políticos para frear o aquecimento global?

Temos muito mais poder sobre os políticos do que cremos. Quando fazemos protestos, se fôssemos milhões nas ruas pedindo o carro elétrico, sei que daria certo.

Temos os homens políticos que merecemos, que se parecem com a gente e que respondem aos nossos desejos. Falta coragem.

Atualmente os cientistas falam da sexta extinção na Terra, o que significa a morte dos meus netos: comida, temperatura… é o colapso de todo o sistema: biodiversidade, clima. No futuro, haverá muitas tempestades e os barcos não poderão sair para trazer alimentos. Tudo vem de navio.

Em uma cidade como São Paulo, se os caminhões forem impedidos de chegar, em três dias não tem mais comida. Estamos sempre nas pequenas soluções, porque os caminhões ainda chegam. Não estamos ainda na urgência.

Então qual é a solução?

Não sei. Seria necessário um grande movimento mundial. Não temos coragem de ver a verdade, então vivemos numa negação coletiva: sabemos o que está acontecendo com o planeta.

Se os cientistas têm razão, o que vai ocorrer é terrível (referindo-se a um documento assinado por 15 mil pesquisadores no mundo em 2017).

Destruímos anualmente no mundo uma área do tamanho da Bélgica. Olhamos de longe como se não fosse grave. É dramático. É tarde para sermos pessimistas. Precisamos agir.

Qual o impacto dos seus filmes e das suas fotos?

Não é isso… Acho que cada um deve fazer o que pode. Jornalistas, arquitetos. Todos fazem o que podem. Eu amo tirar fotos e fazer filmes.

Mas seu trabalho tem um impacto. Você atinge milhões de pessoas, fazendo-as refletirem.

Cartaz do filme Woman, que será lançado no segundo semestre de 2019. Foto: Divulgação.

Sim, mas você tem que estar pronto a receber isso. Os jovens de 20 anos estão. É inquietante saber que vamos em direção ao fim do mundo. Como você pode continuar a viver da mesma maneira? Como não tem uma direção mundial, cada um diz: “se eu não faço, o outro vai fazer”.

Veja, por exemplo, o Acordo de Paris. Sabemos que o aquecimento global é devido, em grande parte, às energias fósseis como petróleo, gás e carvão. Não tem nenhuma dessas três palavras no Acordo senão os países produtores não assinariam. Você vê o lado hipócrita disso tudo? De não querer ver a verdade? Como aceitar em um acordo mundial que essas palavras não sejam citadas? Inacreditável.

Atualmente acontece a COP24 (Conferência do Clima da ONU) na Polônia, país que depende 80% do carvão para energia nacional. Representantes de quase 200 países vão chegar lá de avião, vão comer carne e depois voltar para suas casas. Pelo menos durante essas duas semanas, eles poderiam fazer um esforço de não comer carne. Por que o evento não é feito por videoconferência? Você entende a quantidade de emissão de CO2 dos voos de ida e volta de toda essa gente?

*

Entrevistei Bertrand no dia 18 de novembro em São Paulo. Ele pensou em não aceitar o convite do Banco do Brasil para participar do Inspira BB, evento estilo TED. Mas, além de gostar muito dessas conferências, também recebeu patrocínio do BB para as filmagens do seu novo filme “Woman” com a co-diretora Anastasia Mikova, resultado de depoimentos colhidos em 40 países, incluindo o Brasil, que será lançado em 2019.

O motivo da hesitação? Bertrand fez a conta e percebeu que emitiria 4,12 toneladas de CO2 com seus voos Paris-Rio-Paris, o equivalente à emissão de duas pessoas durante um ano inteiro para tentar conter o aquecimento global. Ele veio, mas já tomou as providências para compensar a emissão através de um dos programas de biogás na Índia, mantido pela sua Fundação Good Planet.

 

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  • Giane Gatti

    Jornalista, palestrante e produtora de conteúdo em sustentabilidade/17 ODS

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Comentários 2

  1. Carlos Magalhães diz:

    " Bertrand fez a conta e percebeu que emitiria 4,12 toneladas de CO2 com seus voos Paris-Rio-Paris, o equivalente à emissão de duas pessoas durante um ano inteiro para tentar conter o aquecimento global. "

    Seria ótimo que essa gente parasse mesmo de adejar ao redor do mundo em infindáveis, inúteis e caros seminários, oficinas, conferencias, congressos, etc. Fariam um bem à humanidade, para variar.


    1. Jair diz:

      Com certeza. Todos esses engajadinhos internacionais vivem de jatinhos pra lá e pra cá. O pobre não pode ter um ar condicionado…