A justificativa para autorizar a captura da sardinha em área de proteção ambiental restrita foi dada com o argumento da importância social da atividade para os ilhéus de Fernando de Noronha que tem na pesca um meio de subsistência. O Termo de Compromisso é voltado para os pescadores artesanais tradicionais. Ainda assim, na minuta do documento, na lista dos eventuais signatários do termo, há a presença de mais de 30 empresários e sócios de empresas, além de servidores públicos e outros profissionais assalariados que não se encaixam na definição mais restrita de pesca para subsistência. Questionado por ((o))eco, o ICMBio não esclareceu quais serão os critérios para ceder as autorizações aos ilhéus.
A ilha principal do arquipélago de Fernando de Noronha – a única habitada – é dividida entre duas unidades de conservação. De um lado, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, de proteção integral e uso restrito; do outro, a Área de Proteção Ambiental (APA) Fernando de Noronha, Rocas, São Pedro e São Paulo, de uso sustentável, onde estão as habitações dos ilhéus, e onde a pesca sempre foi permitida.
O texto da minuta, documento público ao qual teve acesso ((o))eco, detalha as regras e critérios do Termo de Compromisso que seria firmado entre os pescadores e o ICMBio, órgão gestor do parque. O documento pontua que “são tidos pescadores artesanais tradicionais aqueles que dependem da pesca da sardinha (Harengula sp.), com o apetrecho da tarrafa [rede] – com mínimo de 20 mm entrenós – e sendo lançada tanto de pedrais e praias quanto de pequenas embarcações, chamadas de caíco, realizada com um tripulante, até embarcações de nove metros de comprimento por quatro metros de largura com 3 ou mais tripulantes, sazonalmente na área do PNMFN [Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha]”.
A palavra-chave nesta descrição é o “dependem”. Essa é a ideia da pesca de subsistência, seja para alimentação própria ou como única fonte de renda. A lista anexa à minuta, entretanto, traz 123 nomes dos quais mais de 30 são empresários e sócios de empreendimentos na ilha, cujos cadastros e CNPJs foram encontrados online pela reportagem. Alguns são donos de pousadas, outros de empresas que alugam barcos ou sócios de lanchonetes e hospedagens.
Um deles, Marcos Venâncio Luna da Costa, confirmou ser proprietário da Pousada Estrela Lunar e a ciência de que seu nome estava na lista. “Eu dependo da pesca sim. É importante isso [a autorização para captura] porque tem uma época do ano que a sardinha só dá dentro do parque, aí a gente fica sem ter como pegar a isca da sardinha para pescar”.
Na lista, o nome de Marcos Venâncio aparece na categoria “lazer”, mas segundo ele, isso é um erro. “Tenho a pousada, mas também preciso da pesca. Para alimentação própria e para venda também”, explica.
Uma diária de sábado para domingo na Pousada Estrela Lunar, cotada para final de novembro, custa mais de 700 reais de acordo com o site de hospedagem Booking.
Quando questionado se já havia assinado o Termo, que precisará ser assinado individualmente por cada pescador, o proprietário explicou que ainda não, pois está fora da ilha, devido a infecção com COVID-19. “Mas assim que voltar para ilha vou assinar sim. Todo mundo que está na lista é quem vive da pesca”, acrescenta.
De acordo com a minuta, um dos critérios para seleção dos beneficiários do termo é – além de ser morador ilhéu e usar apetrechos da pesca tradicional – usar a pesca como promotora de alimento e renda. Uma vez habilitados, os pescadores deverão assinar individualmente um Termo de Compromisso com o ICMBio.
((o))eco também conseguiu entrar em contato com Ivan Carlos Martins da Costa, proprietário da Pousada Pedras Secas, que confirmou que inclusive já assinou o termo. “Está assinado sim. Então, eu não sei a data que já está valendo com relação a você poder capturar, eu não comecei a capturar ainda. Mas eu nós assinamos o termo”, explica Ivan. A reportagem questionou se o próprio ICMBio não havia informado quando começaria a valer o Termo. “Não, mas já está oficial. Eu não sei te informar se alguém já entrou lá, porque esses dias eu não pesquei”, conta o dono da pousada cuja diária custa mais de 900 reais.
A reportagem perguntou também se a lista incluía todo mundo que pesca em Fernando de Noronha. “Não, não para todo mundo. Pros pescadores tradicionais da ilha que fazem pesca da sardinha e tem um porte de barco que é permitido. Mas tem pessoas que foram autorizadas que pescam pela praia, por exemplo, e pessoas que pescam pelo mar. Mas tem um horário especificado, tem uma regra”, comenta o proprietário.
Conforme detalhado na minuta, o Termo de Compromisso permite a pesca com uso de tarrafa (rede circular usada na pesca artesanal), e abrange desde pequenas embarcações de um tripulante, até embarcações de nove metros de comprimento por quatro metros de largura, com três tripulantes ou mais. Cada pescador embarcado terá um limite de captura de 3kg de sardinha, e em cada ponto de pesca haverá o número máximo de quatro embarcações.
Ainda na lista, consta também o nome do coordenador-executivo da ONG Golfinho Rotador, Ademir Rogério Ventura de Freitas. Procurado pela reportagem, o coordenador esclareceu que seu cadastro foi feito no contexto mais amplo de relacionar quem faz pesca artesanal na ilha e o mesmo não fazia ideia de que isso seria usado como base para lista de eventuais signatários do Termo de Compromisso da captura da sardinha no parque.
Em alguns casos, a sociedade com ilhéus é uma estratégia para conseguir implementar um negócio na ilha, devido às restrições a pessoas não nativas de Noronha. A reportagem não conseguiu precisar qual a relação financeira que cada um desses sócios mantém com os empreendimentos.
Na lista estão ainda servidores públicos estaduais e federais, funcionários da Econoronha, concessionária responsável pelos serviços de uso público no parque nacional, e condutores de visitantes.
A reportagem não pretende implicar qual a situação financeira dos pescadores na lista. Apenas levantar quais seriam os critérios para definir os “pescadores artesanais tradicionais”, visto que a permissão de pesca no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha é uma concessão extraordinária às unidades de conservação de proteção integral. A reportagem lamenta ainda a falta de respostas do ICMBio, visto que seria importância dar total transparência ao processo e entender melhor os critérios do órgão ambiental.
Falta de transparência
A assinatura do Termo de Compromisso foi anunciada pelo Secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Jr, em postagens nas suas redes sociais. Até esta quinta-feira (05), entretanto, nenhum anúncio oficial foi feito nas páginas do ICMBio ou do Ministério do Meio Ambiente sobre o tema. O ministro Ricardo Salles aparece no vídeo publicado por Seif em que juntos celebram a entrega simbólica de um termo e uma carteira de pescador, mas nem mesmo o compromisso constou oficialmente na agenda de Salles.
((o))eco questionou a assessoria de imprensa do ICMBio sobre a validade e critérios do Termo de Compromisso, assim como se o órgão ambiental estava ciente da presença de empresários na lista da minuta, mas seguiu sem resposta até o fechamento desta edição.
Único porta-voz sobre o tema, o secretário da pesca postou um vídeo na última terça (02), em que dá a entender de que a autorização para captura de sardinha nos limites do parque já está em vigor. Procurada por ((o))eco, a assessoria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, guarda-chuva da secretaria, limitou-se a responder que cabe ao ICMBio legislar sobre o assunto.
De acordo com a minuta, o período estabelecido para pesca da sardinha é de seis meses, de 1º de novembro a 30 de abril, e terá validade por três anos, ou seja, até 30 de abril de 2022. A pesca poderá ocorrer apenas em dois locais no interior do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha: as praias do Leão e de Caieiras.
Como funciona a captura da sardinha
Na conversa com o proprietário de pousada e pescador, Ivan Carlos, ele explicou um pouco como funciona a prática. “A sardinha é a isca, na verdade. A gente não pesca a sardinha, a gente captura a sardinha para pescar. No nosso caso, de barco, a gente usa ela viva. A gente tem um viveiro oxigenado dentro do barco, em que a gente coloca ela viva, isca ela com o anzol [e joga no mar]. Ela fica nadando e atrai o peixe. Essa é uma técnica artesanal”, explica Ivan.
Ele comenta ainda que apesar da pesca já ser liberada dentro da APA, em certas épocas do ano o mar de dentro, onde fica a Área de Proteção Ambiental, fica muito agitado – fenômeno conhecido como swell. “Na APA a gente já podia pescar, mas o problema é o seguinte: na época do mar revolto, as praias da APA ficam impraticáveis porque o mar fica muito grande, se tornando impossível capturar a sardinha. Temos registro de vários naufrágios e acidentes com barcos [nessa época]. E as praias do parque, são do outro lado, no mar de fora, e ficam tranquilas quando o mar de dentro está revolto. O pescador não vai todo dia para lá pescar porque a sardinha está aqui, pertinho do porto. Ele não vai sair daqui, lá pro outro lado da ilha pegar sardinha. Ele só vai nessa circunstância, quando o mar estiver brabo e ele não conseguir pegar aqui, ele vai ter essa alternativa. É isso que está autorizado”, alega o pescador.
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Ta na cara que isso é agenda de promoção da pesca amadora / esportiva. É canalha quem ataca os Termos de Compromisso e defende a pesca amadora como o sanfoneiro da Embratur, o Seif JR e os filhos do coiso. O problema não são os TCs. O problema é o uso politiqueiro do instrumento previsto no SNUC, que vem sendo feito desde a Porcaria Nº 91, DE 4 DE FEVEREIRO DE 2020, que dispõe sobre procedimentos para a realização da atividade de pesca esportiva em unidades de conservação federais administradas pelo ICMBio.
Que os servidores do ICMBio que batalham pela agenda socioambiental consigam separar o joio do trigo! Nesse momento, achar que dá pra surfar na onda da visita do Salles ao arquipélago é ou ingenuidade ou oportunismo igual ao desse governo.
Kkkk…chateou