“Costumo falar que conjugávamos a crise climática com verbos no futuro. Hoje, nós temos que conjugar no presente. Assim, não temos mais tempo, nós temos que agir. A crise climática não vai ser enfrentada em 2050, ela tem que ser enfrentada agora”, afirma a ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo. A declaração foi feita em uma conversa com o geógrafo Bruno Araújo no podcast Planeta A, entrevista republicada na íntegra em ((o))eco.
Urbanista, advogada e doutora em ciência política, Suely Araújo foi consultora legislativa da Câmara dos Deputados por quase 30 anos, nas áreas de meio ambiente e urbanismo, e é professora no mestrado em administração pública do Instituto Brasiliense de Direito Público. Na conversa, realizada em setembro de 2024, a convidada e o apresentador tratam sobre as causas da emergência climática, as desigualdades em torno dos impactos, os eventos extremos e os caminhos para adaptação e mitigação do país.
“A crise climática, apesar de atingir a todos, ela tem componentes de muita injustiça”, explica Suely, que presidiu o Ibama entre 2016 e 2018, durante o governo de Michel Temer.
Escute o primeiro episódio completo do podcast Planeta A:
Confira a entrevista abaixo:
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Bruno Araújo: Eu queria já começar com essa pergunta. Qual o melhor termo a ser usado? Aquecimento global? Mudanças climáticas? Crise climática? Emergência climática?
Suely Araújo: Bom, esses termos estão claramente interrelacionados. Nós temos um fenômeno do aquecimento global bem caracterizado. Se considerarmos os níveis pré-industriais, a temperatura média do planeta já aumentou mais do que 1.1 graus centígrados. E em determinadas fases, como no ano passado – e esse ano parece que está indo para o mesmo caminho –, na verdade, a sensação térmica que nós temos já é próxima do aumento de 1,5 grau, que é o máximo indicado pelos cientistas. Em 2023, por decorrência do fenômeno El Niño, as condições de temperatura foram agravadas e nós já tivemos a sensação do que será chegar a 1,5 grau.
E todo esse aquecimento causa uma instabilidade e fenômenos bastante complexos em todo o planeta. Tem determinadas regiões em que você tem aumento de temperatura, em outras a temperatura diminui, mas no geral, o que está ocorrendo é o aquecimento. E esse aquecimento gera eventos extremos. Inundações, secas, tudo isso que virou o nosso dia a dia. Então, a gente pode afirmar que a crise climática já chegou.
Os cientistas vêm falando da crise climática desde antes do processo da Rio 92, há muitos anos atrás. A Convenção Quadro sobre Mudança do Clima foi assinada na Rio 92 e eles sempre alertaram que, com o aumento da temperatura, nós teríamos um aumento da intensidade e da frequência dos eventos extremos. E nós falávamos muito nisso, por volta de 2050, na metade do século.
Só que a crise climática e as emergências climáticas já chegaram. Eu costumo falar que a gente conjugava a crise climática com verbos no futuro. E hoje, nós temos que conjugar no presente. Assim, não temos mais tempo, nós temos que agir. Na verdade, teríamos que ter agido desde muitos anos atrás, mas temos que agir hoje. A crise climática não vai ser enfrentada em 2050, ela tem que ser enfrentada agora.
Tem uma frase que diz: “O melhor momento para a gente agir foi ontem. O segundo melhor é o agora”. Então, essa é uma emergência muito grave.
Exatamente. Essa frase se aplica completamente à atual situação. É só entrar nas redes sociais, nos jornais… Os fenômenos extremos estão espalhados pelo mundo. E o homem está muito pouco preparado para enfrentar tudo isso.
Nós temos pouca resiliência, é o termo mais correto. É melhor do que usar resistência. Porque na resiliência, você leva a pressão, você leva o choque e você resiste. Você tem capacidade de voltar a funcionar, o corpo tem possibilidade de voltar a ser o que era. Então, o melhor termo é esse, resiliência. Nós estamos muito pouco preparados para garantir resiliência nas ocupações humanas, seja na cidade, seja nas áreas rurais.
Quais são os causadores dessa emergência que hoje estamos vivendo?
O maior vilão do aquecimento global são os combustíveis fósseis. Com a queima de combustíveis fósseis, nós emitimos dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa. Mais de 70% do aquecimento global vem da queima dos combustíveis. Então, no plano mundial, do planeta, eles são o grande vilão. No caso brasileiro, a nossa matriz de emissões é diferente: 48% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa são decorrentes de mudança de uso da terra. Isso é basicamente desmatamento. Então, quase metade das nossas emissões são decorrentes do desmatamento, com um forte peso do desmatamento na região amazônica. O desmatamento na Amazônia cai, as emissões brasileiras caem também. O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Muita gente acha que porque nós temos florestas, nós emitimos pouco.
Não, nós emitimos muito porque nós cortamos e queimamos muita floresta. Na maior parte dos países, quando olhamos a matriz de emissões, ela vem muito dos combustíveis fósseis, que também pesam no caso brasileiro, mas tem um percentual menor.
A área de energia, no caso brasileiro, pega 18% das nossas emissões. De certa forma, isso nos dá vantagens, porque nós sabemos o que fazer. Nós sabemos que se nós controlarmos o desmatamento na Amazônia, nós já conseguimos avanços muito grandes em termos de redução das nossas emissões. Do ponto de vista de energia, nós usamos, sim, combustíveis fósseis nos transportes, principalmente por causa da nossa matriz rodoviária na área de transportes. Mas temos na parte de geração de energia elétrica um quadro histórico em que o predomínio é de fontes renováveis.
Então, o Brasil tem vantagens comparativas nesse campo. Apesar de ser o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, nós temos vantagens comparativas porque nós conseguiremos enfrentar, se nós quisermos, a questão do desafio de redução das nossas emissões de uma forma mais fácil do que muitos países. O Observatório do Clima entende que entre as grandes economias do mundo, o Brasil é o único país que consegue ser carbono negativo até o ano de 2045. A nossa situação não é confortável, mas em termos de caminhos para a descarbonização, o Brasil tem um privilégio se ele resolver mesmo fazer isso. Essa é a questão. Tem que haver uma decisão clara na linha da opção pela descarbonização.
Como uma chuva que, em tese, é um fenômeno natural, e, portanto, nós como sociedade humana, não temos ou temos pouco controle sobre ela, como essa chuva encontra uma sociedade desigual e como ela potencializa desigualdades? Queria que você falasse um pouquinho sobre isso
A crise climática é muito injusta socialmente e ela tem também componentes claros de etnicidade e de gênero. A população mais carente tem menos condições de resistir aos eventos extremos. Ela não tem, em geral, condições de resolver seus problemas de moradia, seus problemas de emprego após esses fenômenos extremos.
Vamos pegar, por exemplo, o caso do Rio Grande do Sul. Afetou todo mundo, de todas as faixas de renda. Mas quem realmente terá dificuldade de recompor sua vida? Nós temos também vários outros exemplos de cidades onde tem-se muita população na beira dos rios ou nas encostas. Quando vem esses eventos extremos de alagamento, desmoronamento de encostas, quem é que perde tudo? Quem está normalmente nesses locais, nessas áreas de risco? É a população mais carente. A população mais carente no nosso país é predominantemente negra. Ela tem um número enorme de mulheres chefes de família.
Nas áreas rurais, quem vai sofrer mais são as comunidades locais, as populações tradicionais, que vivem em estreita dependência com os recursos naturais. A crise climática, apesar de atingir a todos, ela tem componentes de muita injustiça. Nós trabalhamos muito com os termos justiça climática e racismo ambiental. Eles estão conectados, na verdade. Tendo em vista esses eventos climáticos extremos, que já são previstos pela ciência, precisamos de ações de adaptação na cidade e no campo para enfrentá-los.
Quais seriam os caminhos para que essa adaptação pudesse ser colocada em prática? Para que saísse do âmbito da discussão internacional, das discussões sobre planos nacionais, e que pudesse alcançar o território, que é, de fato, o local que sente o impacto?
Nas diferentes políticas públicas que vão ter que ser feitas para a questão da adaptação à mudança do clima, temos que assumir prioridade extrema à população mais carente. Que políticas públicas vão ser envolvidas nisso? Praticamente todas. Não vão ser os recursos do Ministério do Meio Ambiente que vão garantir dinheiro para fazer o que tem que ser feito. O Ministério do Meio Ambiente é uma pasta com muito poucos recursos, que praticamente não passa recursos para estados e municípios, porque não tem. Nós temos que espalhar a questão climática em todas as áreas de políticas públicas.
Então, por exemplo, vamos fazer o novo Minha Casa Minha Vida. Ele tem que ser feito compreendendo a crise climática, prevendo medidas que reduzam as emissões de gasolina, de efeito estufa, mas tem que ser feito também olhando para a adaptação à mudança do clima. Não adianta fazer empreendimentos habitacionais que, numa primeira chuva de maior vigor, esses empreendimentos enfrentem problemas. Então, nós temos que fazer política habitacional adaptada à mudança do clima, temos que replanejar, na verdade, todos os nossos centros urbanos para que eles estejam mais resilientes. Então temos que afastar o potencial construtivo da beira dos rios, dos córregos, dos corpos d’água… Nós temos muitas cidades costeiras e o nível do mar está crescendo em velocidade muito mais forte do que vinha ocorrendo até poucos anos atrás.
Não adianta trabalhar com a agropecuária como ela sempre foi feita, nós temos que garantir a agropecuária adaptada, a de baixo carbono. O país sabe fazer isso, só que faz muito menos do que deveria. Então, medidas na área rural como plantio direto, consórcios entre floresta e agricultura, rotação de pastagens para diminuir as emissões de metano pelo boi, pelo gado… Tem uma série de medidas nas diferentes políticas públicas que tem que olhar tanto para mitigação quanto para adaptação à mudança do clima. E quando os governos fazem, investem dinheiro nessas políticas públicas, a prioridade necessariamente tem que ser o atendimento da população mais carente que terá dificuldades em recompor sua vida após os eventos extremos. Então, prioritariamente para a população mais carente, para a população negra, para a população indígena, para as mulheres carentes, chefes de família… Então, tem uma lista e ela tem que estar muito clara.
O aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera faz com que ela funcione de uma maneira diferente, faz com que ela mude o seu comportamento. E a alteração desse comportamento faz com que eventos extremos aconteçam com mais intensidade e com mais frequência. Quais são esses eventos climáticos extremos e como é que eles já afetam o nosso dia a dia?
Bom, é só dar uma olhadinha nos jornais que acho que a população vai entender claramente. Nós temos, ao mesmo tempo, chuvas intensas com alagamentos e desmoronamento de encostas. Ao mesmo tempo, estamos agora com seca e com incêndios históricos no Pantanal. Isso já ocorreu alguns anos atrás, em 2021.
O Pantanal está tomado por incêndios florestais e temos previsão de outra seca na Amazônia como a que ocorreu no ano passado, em que houve redução do volume hídrico, onde determinados rios enormes passaram a secar. Passamos a ver as pessoas atravessando os rios a pé. Eu acho que as pessoas vão lembrar das fotos muito tristes dos botos que morreram, na verdade, cozidos com a água quente das águas onde eles estavam. Há uma previsão já de vários anos atrás, de um estudo financiado pelo governo federal que previu que, por volta de 2040, ocorreria redução do volume hídrico na Amazônia e intensificação da questão dos eventos com alta pluviosidade no sul do país. Não foi por falta de aviso dos especialistas.

Os mapas são bem claros de que regiões do país estavam mais sujeitas a essas ocorrências. E tem previsão também de aquecimento em todo o centro do país. Na região do alto agronegócio. Então, afeta todo mundo. E afeta ao mesmo tempo. É preciso entender isso. A realidade mudou. Nós não vamos voltar a uma situação em que nós falávamos que o Brasil é um país que não estava sujeito a esse tipo de evento. A crise climática já chegou. Os padrões, infelizmente, foram alterados. Os padrões de equilíbrio em tudo isso. Nós temos que lidar com essa nova realidade. Temos que lidar atacando no centro do problema, que é reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa. E temos que lidar nos adaptando. As coisas têm que ser juntas. Não é mitigação ou adaptação.
É tudo junto e com urgência. Então, o mundo inteiro está pouco preparado e a gente precisa acordar para isso e exigir coerência nas opções governamentais e também do setor privado. Então, hoje, por exemplo, é incoerente propor a intensificação da produção de combustíveis fósseis no país.
O presidente Lula se elegeu com uma narrativa na defesa do meio ambiente. Mas tem apresentado alguns comportamentos e algumas ações que geram dúvidas sobre o real compromisso do governo com essa agenda climática. Como você avalia a atuação do governo brasileiro nestes primeiros dois anos?
O governo Lula veio desde a campanha com uma narrativa bem construída, tecnicamente, sobre esse tema. Mas nós vemos contradições em relação a essa narrativa bem construída, liderada pela ministra Marina Silva e também pelo ministro Haddad, no plano de transformação ecológica.
Há incoerências quando o governo começa a defender a intensificação da exploração de combustíveis fósseis no país, mesmo que seja para exportação. Toda essa proposta em relação à expansão do petróleo tem o objetivo declarado de aumentar a exportação. O Brasil, hoje, é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo. Nós já somos um grande produtor. Nós produzimos cerca de 3,4 milhões de barris por dia. Isso é muito. Mas queremos nos transformar em quarto maior produtor. Em plena crise climática. Petróleo dá dinheiro? Dá. Mas em plena crise climática temos que pensar bem se é a melhor opção para o país.
O governo atual tem avanços impressionantes em termos de reconstrução da política ambiental e fez isso rápido, porque o cenário deixado pelo governo Bolsonaro foi de desastre, destruiu toda a governança ambiental. O governo atual vem reconstruindo, mas nessa parte do setor de energia, especificamente petróleo e gás, tem contradições e a gente tem que exigir coerência. Temos que cobrar, porque o caminho do Brasil é de líder ambiental, é de líder na descarbonização. Temos potencial para isso. Temos potencial de mostrar, de sermos exemplo para os outros países no campo de clima. Só que não é virando membro da OPEP ou coisa parecida que nós vamos fazer isso.
Essa escala da discussão climática é muito global. Crise climática é uma crise global, como você bem nos trouxe no início. E nasce, sobretudo, a partir das grandes conferências internacionais. Mas o impacto desses eventos climáticos extremos é, sobretudo, no território, na escala local. É o bairro que alaga, a rua que enche, a vizinhança que fica impactada. Portanto, se o governo federal tem responsabilidades nas negociações internacionais e na condução política brasileira, há também responsabilidades para os municípios. E nesse ano que a gente está vivendo tão importante de eleições municipais, quais seriam as medidas importantes que os municípios precisam adotar ou que, pelo menos, que precisam debater neste período de eleições?
Nós temos que apoiar candidatos que coloquem prioridade para a questão climática, para a questão ambiental de uma forma mais ampla. No plano local, há medidas que só ocorrerão, só garantirão efetividade, se forem desenvolvidas lá. Por exemplo, toda a parte de adaptação das cidades. Se nós não mudarmos a legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, não adianta fazer muitos planos climáticos municipais. Nós temos que garantir medidas efetivas.
Então, eu coloco num plano climático municipal que eu vou diminuir as emissões de gases de efeito estufa, que eu vou planejar a cidade para as mudanças climáticas e eu deixo no plano diretor de desenvolvimento urbano um padrão de ocupação completamente incompatível com isso. Não vai funcionar. Aí o plano climático municipal vai ficar no papel, na gaveta. Então, nós temos que fazer conexões, garantir cidades mais permeáveis, cidades que consigam, no caso das enchentes, reter a água e deixar a água infiltrar sem causar inundação. Nós trabalhamos em urbanismo com o conceito de cidades-esponja, que conseguem reter mais a água de forma a não causar acúmulo de água muito rápido quando vem a chuva forte. As nossas cidades são muito impermeáveis, são todas asfaltadas. No caso brasileiro, a gente tem mania, inclusive, de ladrilhar o quintal. Bota azulejo mesmo e deixa só um canteirinho com umas plantinhas. Isso é típico do Brasil.
Nós temos, na verdade, que tirar esses azulejos e deixar a água entrar, deixar a água ser absorvida. Temos que fazer toda a infraestrutura urbana realmente com um olhar para adaptação. E quando você conversa com o pessoal, os políticos que estão concorrendo para as eleições locais, poucos têm propostas concretas nesse sentido. Por exemplo, um candidato a prefeito de uma cidade litorânea afirmar, “eu vou tentar ajustar o plano diretor para afastar potencial construtivo da beira do mar”. Eles não vão ter coragem de fazer isso porque a pressão do setor imobiliário é muito grande, mas tem que ter. E a população tem que prestar atenção nisso.
O plano de clima que o governo está elaborando esse ano, ele tem uma vertente mitigação e uma vertente adaptação. E principalmente a partir do plano clima, a adaptação tem que haver atuação dos governos estaduais junto e dos governos locais de forma integrada para conseguir garantir que os municípios tenham capacidade de resposta. E tenham capacidade de resposta também em relação à emergência em si. E aí eu estou indo fora da área de meio ambiente em senso estrito e indo para a defesa civil. A emergência em si, nossa resposta em termos de plano de contingência, é muito fraca. A população tem que saber para onde correr. Olha, se não dá, corra para a rodovia, isso tem que estar planejado.


Acho que essa sua fala traz uma perspectiva justamente de que a discussão sobre crise climática não pode ficar restrita a uma discussão sobre meio ambiente. É uma discussão sobre planejamento urbano, uma discussão, no limite, sobre acesso à educação. Porque quando chove muito, geralmente as escolas são utilizadas como ponto de abrigo e esses estudantes ficam sem aula. Ou quando faz uma onda de calor, esses estudantes em sala de aula sem climatização têm mais dificultado o seu processo de ensino-aprendizagem. Então é uma discussão sobre trabalho, tendo em vista que quando faz onda de calor, camelôs e ambulantes ficam expostos na rua. Mas não só. Policiais militares, bombeiros, guardas municipais, trabalhadores da limpeza urbana… Então impacta de maneira geral a nossa vida.
Tem uma questão de saúde pública também, de planejamento simultâneo de saúde pública. Esses eventos aumentam muito os casos de dengue, de leishmaniose e outras doenças. Muito. Então toda a saúde pública tem que estar preparada para atender isso de uma forma prioritária. Porque vem de imediato.
A gente pode dizer que essa ausência de planejamento é resultado de um negacionismo?
Eu acho que hoje em dia é um negacionismo da intensidade da crise climática. Eu acho que nós evoluímos um pouco e não estamos mais negando o aquecimento global, as alterações climáticas, mas há um negacionismo na prática em relação à intensidade. Não entenderam que a crise chegou. Alguns membros, não todos, da bancada ruralista, quando fazem discurso, estão lá defendendo flexibilização das normas de controle de proteção florestal, diminuição da reserva legal na Amazônia. “Ah, isso não tem nada a ver com a crise climática.” É evidente que tem. O desmatamento no Brasil é o principal propulsor da emissão de gases de efeito estufa. Existe negacionismo, mas eu acho que hoje existe uma falta de compreensão do tamanho da crise climática.
Uma falta de compreensão de que ela já é uma realidade e que nós temos que agir agora. Nós não temos que fazer planos para daqui a 20 anos. O plano é para agora, para hoje, para a política que está sendo feita pelo governo federal, pelo governo estadual e pelo governo municipal hoje. Porque os eventos extremos vão vir de novo. O da Amazônia do ano passado vai se repetir. Todas as previsões são de que vai se repetir esse ano. É todo ano agora.
É preciso entender a dimensão da crise e agir com o vigor necessário. É o negacionismo mais nesse sentido, na minha leitura.
O que dizer para alguém que afirma que as mudanças climáticas não são algo grave ou que negam a sua existência? Como é que a gente faz esse diálogo?
Acho que há a necessidade de se conversar da forma mais didática que a gente conseguir. Mas nós temos que falar que a crise chegou. O que está acontecendo na Amazônia está relacionado com o aumento de temperatura no centro do país e também com as alterações nas enchentes no Rio Grande do Sul. Então é preciso entender que esses fenômenos têm múltiplas causas e estão conectados. Para você passar o recado sobre isso, há necessidade de um esforço de simplificar essa narrativa e mostrar, eu acho, a realidade concreta. Esse é o desafio. Isso é educação ambiental na veia.
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