“Você gostaria de saber o nome das fazendas que produzem a carne que você consome? Quer saber onde essas fazendas estão localizadas no Brasil? Pois agora você já pode”. Essa era a promessa da JBS no site “Confiança Desde a Origem”, cujo objetivo é mostrar ao público a origem do gado abatido pela empresa. O site costumava informar, através de coordenadas geográficas, a localização precisa das cerca de 80 mil propriedades de pecuária fornecedoras da JBS. Isso permitia a consumidores e sociedade civil checar cada fazenda fornecedora e descobrir se ela estava ligada a desmatamento ilegal na Amazônia. Entretanto, neste ano em que há fortes sinais de aumento do desmate na região, a JBS parou de dar essa informação.
Em agosto de 2019, dados do Inpe mostraram um incremento de 222% nos alertas de desmatamento em relação ao mesmo mês de 2018. Em junho e julho, os aumentos foram de 90% e 278%. Já as queimadas aumentaram 82% entre janeiro e agosto, na comparação com 2018. Foram 71.497 focos, maior número registrado nos últimos 7 anos. Um mapa do Shorthand mostra uma relação próxima entre áreas de queimadas no mês de agosto e a localização das plantas abatedouras das três maiores empresas do ramo: JBS, Marfrig e Minerva.
Em um teste de ((o))eco, no site Confiança Desde a Origem, ao clicar em “localizar fazenda” para a São Lucas, uma fornecedoras, o site da JBS remeteu apenas a uma imagem genérica da parte urbana de Marabá (Pará), um município cuja área abrange 15 mil km² – 10 vezes maior do que o município de São Paulo. Essa informação está longe de ser suficiente para que se possa checar possíveis problemas ambientais da São Lucas.
Antes, o acesso às coordenadas geográficas de cada fazenda permitia o cruzamento com mapas de áreas embargadas pelo Ibama, áreas protegidas ou desmatadas ilegalmente. Foi assim que a reportagem de ((o)eco descobriu que a JBS comprava bois de 4 fazendas localizadas dentro da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e de outras 4 fazendas dentro da Terra Indígena Karipuna, ambas em Rondônia.
No mapa abaixo, reproduzido na reportagem de 04 de dezembro de 2018, os pontos em azul mostram a exata localização das fazendas, obtida a partir do site “Confiança Desde a Origem”. Na época, a empresa alegou que não havia ilegalidade, mas sim erros no sistema de geolocalização destas propriedades.
((o))eco perguntou a JBS porque a empresa deixou de divulgar as coordenadas geográficas, uma redução drástica no grau de transparência do sistema “Confiança Desde a Origem”. A empresa não respondeu o porquê ou quando parou de dar a informação, mas disse que as informações que continua a divulgar “estão em conformidade com a lei”. ((o))eco conseguiu apurar que a mudança ocorreu em algum momento do primeiro semestre de 2019.
A JBS enviou à reportagem uma nota em que diz que publica há seis anos em seu site “relatórios de auditoria independente que atestam a conformidade socioambiental das compras de gado realizadas pela Companhia na região do Bioma Amazônia”, e que a auditoria mais recente mostra 100% de conformidade socioambiental nas aquisições de gado realizadas em 2018 na Amazônia.
Isso não impediu, no entanto, que auditorias feitas nas plantas da JBS do Pará, divulgadas pelo Ministério Público Federal em março de 2018, encontrassem irregularidades em 19% do total de cabeças de gado adquiridas pela JBS. Também não impediu que dois frigoríficos da JBS na Amazônia fossem flagrados pela Operação Carne Fria, em 2017, comprando gado de áreas embargadas. Recentemente, uma investigação jornalística mostrou que a empresa segue incapaz de controlar o problema dos fornecedores indiretos. Trata-se do esquentamento do gado, quando o animal sai de uma área ilegal mas é vendido para abate a partir de uma fazenda considerada regular pelos órgãos ambientais.
Dias após responder a ((o))eco, a JBS tirou do ar o site do programa “Confiança desde a origem”. Quem tentava acessá-lo passou a ser redirecionado para o site da Friboi, uma das marcas de carne da JBS. Ali, foi instalado um sistema de busca que informa apenas o nome e o município das fazendas fornecedoras. No dia 16 de setembro, ((o))eco fez 5 pesquisas neste sistema, em frigoríficos e datas diferentes. A resposta foi a mesma: “Nenhum resultado encontrado”. Em 06 de outubro, no fechamento desta reportagem, o site “Confiança Desde a Origem” voltou ao ar. Repetida a pesquisa, o resultado foi o mesmo. Segundo a JBS, essas mudanças e erros na busca são provisórios, consequência da migração do site original para o site da Friboi.
A outra opção de rastreamento de produtos prometida pela JBS é através da leitura de códigos QR impressos nas embalagens. ((o))eco testou este sistema no dia 16/09 e no dia 30/9 em 5 embalagens diferentes de produtos da Friboi, em dois supermercados no Rio de Janeiro. Entretanto, as buscas falharam. Questionada, a JBS confirmou que o sistema de leitura de códigos QR está fora do ar, mas que “será modernizado”e voltará a funcionar em breve.
A JBS é a empresa com maior número de frigoríficos na Amazônia Legal. São 26 plantas autorizadas a vender carne para todo Brasil e também para o exterior. Estudos são categóricos em mostrar que a abertura de pastagens para a criação de gado é o principal motor do desmatamento na Amazônia. Por isso, não faz sentido que a JBS recue na transparência da sua cadeia de compra, que permitia ao público e especialistas monitorarem a origem do gado abatido pela empresa e checar se ele é livre de desmatamento.
Mercado da carne deve mais transparência
Para Adriana Charoux, da campanha Amazônia do Greenpeace, as alterações no sistema da JBS mostram que o setor caminha na contramão das demandas dos consumidores, em especial do mercado externo, “que é de mais transparência, mais garantias de origem da carne, para assegurar ao consumidor final que ela não está comprometida com a destruição da Amazônia”.
Charoux lembra que em 2009 a JBS fornecia não apenas o nome das fazendas fornecedoras e as coordenadas geográficas, mas também o nome e o CPF dos donos. Com esta informação era possível, por exemplo, checar se o pecuarista tinha multas no sistema do Ibama ou se estava na lista suja do trabalho escravo. As informações que restaram (município e nome da fazenda), diz Charoux, “não são informações que permitem você gerar alguma análise ou inteligência, pela razão de que há muitas fazendas com o mesmo nome no Brasil”. O Greenpeace cobra da JBS o porquê da redução na quantidade e qualidade das informações, e a dificuldade de o consumidor encontrá-las. “Mesmo a gente que entende e acompanha o assunto há muito tempo, sua a camisa”.
Em 2009, o relatório “A farra do boi na Amazônia” do Greenpeace tornou público o papel dos frigoríficos na compra de gado de áreas de desmatamento ilegal. Em seguida, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ibama processaram frigoríficos do Pará que compravam gado de fazendas embargadas por desmatamento.
O receio de perder mercados fez várias empresas assinarem com o MPF o chamado TAC da Carne, acordo no qual se comprometeram a comprar gado apenas de áreas livres de desmatamento ilegal e de trabalho escravo. Entre elas, estavam lá JBS, Marfrig e Minerva – que, segundo levantamento do Imazon, possuem 21% dos frigoríficos ativos na Amazônia Legal.
Se a JBS retrocedeu nos seus mecanismos de transparência, o resto do setor está igual ou pior. A Marfrig oferece um sistema de rastreabilidade de seus fornecedores no padrão do novo – e mais opaco – sistema da JBS: mostra nomes e o município das fazendas fornecedoras. Já a Minerva disponibiliza em seu site um “calendário de originação para as compras no Pará . Ele deveria mostrar os nomes das fazendas. Entretanto, pesquisado para o mês de outubro, em 06/10, não retornava qualquer informação. Em outra página da Minerva, clicar no link “acesse a ferramenta” de rastreabilidade da empresa retorna “internal server error” (erro do servidor).
A Minerva Foods afirma que cumpre 100% o Compromisso Público de Pecuária Sustentável e que 100% das suas fazendas fornecedoras são monitoradas. A Marfrig também diz que monitora todos os seus fornecedores. Ambas as empresas garantem que suspendem qualquer compra de gado de quem apresentar irregularidades.
Leia também
Sob Bolsonaro, visão militar volta a nortear desenvolvimento da Amazônia
Todos os caminhos levam ao boi: pasto domina assentamento onde ativistas foram mortos
Tocantins fica para trás na adoção de principal controle do boi de desmatamento
Em direção ao desmatamento zero
Esta reportagem faz parte do projeto que busca melhorar a eficiência dos acordos da carne e da soja, realizado em parceria com o Imazon e apoio da Gordon and Betty Moore Foundation
Leia também
Tocantins fica para trás na adoção de principal controle do boi de desmatamento
Além de conter grande rebanho bovino, estado também compra dos vizinhos, mas maior parte dos frigoríficos locais se recusa a assinar TAC da Carne com MPF →
Todos os caminhos levam ao boi: pasto domina assentamento onde ativistas foram mortos
Oito anos após o assassinato de Zé Cláudio e Maria, avanço da pecuária torna o sonho do extrativismo cada vez mais distante em Praialta Piranheira, no sudeste do Pará →
Sob Bolsonaro, visão militar volta a nortear desenvolvimento da Amazônia
Militares levam para dentro do governo ideologias que nasceram em 64 e misturam a necessidade de ocupar a Amazônia com protegê-la de inimigos externos →
Organica e verdadeiramente a JBS nunca quis fazer o certo.
Estes TACs só a ajudam |Promotor e fazer notícia e a frigorífico "passar o pano". A idea central é fazer o consumidor comer produtos ecologicamente sujos, mas sem sentir nenhuma culpa. Daí muda de Friboi para Beef Chef… .
Mas o gado vem do mesmo lugar compliocado… .
Depois, vai lá dá um tantinho de dinheiro para WWF cuidar de onças…. .