Maior área úmida de água doce do mundo e grande contribuinte da estabilização do clima, conservação de biodiversidade e suprimento de água. Estas são apenas algumas das características e incontáveis serviços ambientais oferecidos pelo bioma único que é o Pantanal. Neste ano de eleições, quando políticas de fomento à conservação da região podem ser propostas em planos de governo, ((o))eco analisou menções dos candidatos ao governo de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, estados que compreendem os limites do território pantaneiro no Brasil, para entender suas propostas. O resultado é que em território sul-mato-grossense grande parte delas, apesar de mencionarem o bioma, não ultrapassam um caráter genérico. Já em Mato Grosso, o diagnóstico é pior: não há menção explícita ao bioma.
Para a análise, a reportagem buscou citações ao bioma (Pantanal) e termos que remetem a assuntos relacionados, como “Pantaneiro (a)”, “Bacia Hidrográfica do Rio Paraguai”, “Assoreamento”, “Taquari” e “Transpantaneira”. Conforme o levantamento, dos oito candidatos de Mato Grosso do Sul, sete mencionam o bioma. Em Mato Grosso, nenhum dos quatro candidatos cita o Pantanal.
O Pantanal em Mato Grosso do Sul
Mato Grosso do Sul abriga cerca de 65% do território do Pantanal no Brasil. Neste ano, apesar da queda das queimadas, até o último dia 11 deste mês, era ele também o responsável por mais de 80% tanto de área queimada quanto de focos de calor no bioma. O cenário, que demonstra a importância da implementação de políticas para o fomento da conservação e uso sustentável do Pantanal no estado, está refletido também nos planos de governo dos candidatos a governador na unidade de federação, que majoritariamente mencionam o bioma.
Dos oito candidatos que postulam ao cargo, sete mencionam a palavra Pantanal em seus planos. Sendo eles: Adonis Marcos (PSOL-MS), André Puccineli (MDB-MS), Giselle (PT-MS), Rose Modesto (União Brasil-MS), Marquinhos Trad (PSD-MS), Eduardo Riedel (PSDB-MS) e Capitão Contar (PRTB-MS).
No plano de governo de Adonis Marcos (PSOL-MS), a palavra aparece apenas no eixo “Luta pela terra e povos indígenas”. O termo está entre parênteses, onde o candidato diz que pretende “construir uma relação de envolvimento com o meio ambiente, principalmente pela preservação de nossos biomas (Cerrado e Pantanal) e por modelos que contraponham a lógica agroextrativista”. O documento não especifica como pretende alcançar esse objetivo.
No plano de governo de André Puccineli (PSDB-MS), a palavra “Pantanal” é identificada duas vezes, enquanto “bacia hidrográfica do Rio Paraguai” e “pantaneira” uma vez. Em uma das menções ao bioma, o termo aparece apenas para caracterizar o estado, em um tópico que aborda o território e a população de Mato Grosso do Sul. “O estado é formado por 79 municípios distribuídos em 9 regiões de planejamentos: Campo Grande, […] Pantanal, […]”. O mesmo ocorre com a citação a bacia e ao termo “pantaneira”: “O território sul-mato-grossense é localizado entre as bacias hidrográficas do Rio Paraguai e do Rio Paraná. É constituído por duas faixas geográficas contínuas, formadas pela planície pantaneira […] e pela parte do planalto”.
A outra menção ao Pantanal, por sua vez, está no eixo “Iniciativas”, onde o turismo é proposto como elemento para o desenvolvimento. “Desenvolver e implementar programas para o desenvolvimento do turismo sustentável em nosso estado; desenvolvimento do destino Mato Grosso do Sul; consolidação dos destinos Pantanal e Bonito”. Apesar de ser uma importante atividade econômica da região, o turismo acaba sendo a única atribuição feita ao bioma. Não há outra menção explícita ao Pantanal no documento.
No plano de governo de Giselle (PT-MS), o bioma é mencionado duas vezes nos eixos “Meio ambiente e saneamento” e “Desenvolvimento agrário, povos indígenas e comunidades tradicionais”, onde, respectivamente, os programas pretendem “priorizar ações de conservação e preservação do Bioma Pantanal” e “resgatar e consolidar a política de agroindustrialização da produção familiar, através das ideias do Programa PROVE PANTANAL”. O programa não especifica quais as ações que pretende priorizar.
Ainda no eixo “Meio ambiente e saneamento”, outros termos que remetem ao Pantanal também são mencionados em outra proposta de Giselle: “Instituir programa de recuperação e conservação de solo e água de toda a bacia do Rio Paraguai para deter principalmente o processo de assoreamento dos rios afluentes do Paraguai, bem como da Planície Pantaneira”. O tema trata-se de problema que atinge diversos rios que abastecem o bioma.
O plano de governo de Rose Modesto (União Brasil-MS) é o que apresenta a maior quantidade de propostas, a partir de diferentes eixos de atuação. No documento, a maior área úmida do mundo é mencionada quatro vezes em quatro propostas diferentes: “Apoiar a manutenção e o desenvolvimento da pecuária extensiva no Pantanal, oferecer qualificação de mão de obra local e disseminar novas tecnologias para melhorar a produção e assegurar a proteção ambiental”; “Promover o desenvolvimento econômico, turístico e ecológico do Pantanal, por meio da interligação da via transpantaneira entre os municípios de Porto Murtinho, Corumbá, Rio Verde e Coxim, até a divisa com o estado de Mato Grosso”; “Apoiar a implantação de programa de mapeamento dos biomas, em parceria com universidades nacionais e internacionais e com o terceiro setor, para possibilitar a criação de medidores de biodiversidade e fortalecer a proteção da fauna e da flora dos biomas do Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica”; e “Promover campanhas de educação ambiental e de orientação sobre os impactos das mudanças climáticas junto à população e aos setores produtivos; desenvolver ações de prevenção contra incêndios no Pantanal e no Cerrado e incentivar o reflorestamento de áreas degradadas”.
Outras duas propostas, que utilizam termos relacionados ao Pantanal, também constam no plano. A primeira delas se propõe a “fortalecer o apoio aos municípios do entorno pantaneiro para iniciativas que promovam crescimento sustentável na região”. A segunda busca “fomentar a implantação de programa de recuperação da bacia hidrográfica do Rio Taquari”, cujo assoreamento é considerado como o maior desastre ambiental do Pantanal.
No plano de governo de Marquinhos Trad (PSD-MS), o bioma é mencionado duas vezes. Em uma delas, a citação apenas caracteriza a região administrativa do Pantanal – a reorganização do Estado em regiões administrativas é feita pelo plano de governo do candidato: “A região do Pantanal agrega os municípios de Anastácio, Aquidauana, Corumbá, Ladário e Miranda, que juntos totalizam 90.264,25km², ou 25,27% do Estado”. A segunda menção, e única que ocorre de forma propositiva, está no eixo de “Segurança”. Nesta parte do plano, a proposta 19 diz, que irá modernizar “a infraestrutura do Centro de Monitoramento para melhorar a prevenção e agilidade no atendimento das ocorrências de desastres naturais, em especial ao combate às queimadas no Pantanal e fortalecendo as brigadas regionais e a estrutura do Corpo de Bombeiros para combate a incêndios locais”.
O termo bacia do Rio Paraguai também é identificado na caracterização da Região Administrativa Norte do Estado. “Nas últimas décadas, graves problemas ambientais estão impactando no desenvolvimento, causados pela rápida urbanização e o avanço das fronteiras agrícolas de culturas temporárias em áreas vulneráveis, em especial dos municípios que estão localizados na Bacia do Rio Paraguai”. Além destas circunstâncias, o bioma não é mencionado outra vez.
No plano de governo de Eduardo Riedel (PSDB-MS), o Pantanal aparece três vezes em três diferentes propostas. No eixo “Infraestrutura, saneamento e logística”, o candidato busca “implantar e melhorar a infraestrutura viária na região do Pantanal”. No eixo “Meio ambiente e sustentabilidade”, o plano quer “intensificar ações de educação ambiental e de conservação da biodiversidade dos biomas Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica”. Por fim, no eixo “ESG, economia circular e negócios sustentáveis” o programa busca “promover a produção sustentável, a cultura, o turismo, a infraestrutura e a conservação do Bioma Pantanal”. O plano aborda pontos considerados importantes, com pouco detalhamento.
No plano de governo do Capitão Contar (PRTB-MS), o bioma é citado duas vezes. Nas duas ocasiões, o termo aparece apenas no eixo do programa que aborda o turismo: “O Pantanal é uma área de atratividade única e que deve receber do Governo do Estado o tratamento que merece na divulgação de suas potencialidades”. No parágrafo seguinte o verbete também aparece: “O Capitão Contar transformará o Pantanal sul-mato-grossense num grande destino do turismo internacional e nacional, revigorando essa importante indústria para o Estado, possibilitando assim a geração de emprego e renda para a nossa população”.
No plano de governo de Magno de Souza (PCO-MS), nenhuma menção ao Pantanal é feita.
O Pantanal em Mato Grosso
O estado de Mato Grosso abriga cerca de 35% da área do Pantanal no Brasil. Neste ano, o estado abrange parte ínfima dos impactos das queimadas. Em 2020, porém, o território mato-grossense padeceu com os incêndios catastróficos que assolaram o bioma. Cerca de 60% dos focos de calor daquele ano foram registrados no estado, segundo o Programa Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Dois anos depois da catástrofe, ainda assim, o Pantanal não ocupa espaço significativo dentro das propostas dos candidatos ao Governo de Mato Grosso.
Neste ano, concorrem ao cargo Mauro Mendes (União Brasil-MT), Márcia Pinheiro (PV-MT), Moises Franz (PSOL-MT) e Pastor Marcos Ritela (PTB-MT), mas nenhum deles menciona o bioma, apesar de apresentarem propostas para o meio ambiente. Destes quatro, o único que ainda cita algum termo relacionado ao Pantanal é o candidato à reeleição Mauro Mendes. No eixo de “Infraestrutura”, o candidato diz que pretende “Substituir todas as pontes de madeira da Transpantaneira (MT-060)”.
Genericidade e falta de detalhamento
“A gente percebe que eles têm, em alguns, mais informação, outros menos, mas eles não estão tão descritos, de uma forma que você possa entender, por exemplo, um programa. Então quando você vai analisar os programas dos candidatos, você vê muitos aspectos genéricos ou ‘incentivar’, ‘criar’, muito nesse sentido”, relata a ((o))eco Felipe Dias, Diretor Executivo da SOS Pantanal, organização que integra o Observatório Pantanal – coalizão composta por 43 instituições socioambientais atuantes na Bacia do Alto Paraguai (BAP) no Brasil, Bolívia e Paraguai.
Na tarefa de decifrar o que está por trás da genericidade dos planos, diz ele, o que colabora é já ter lido projetos igualmente genéricos antes, em eleições passadas, e visto, na prática, a atuação de parlamentares que se elegeram governadores. Esse conhecimento, porém, não é comum a todos, e pode dificultar o entendimento da proposta por aqueles que ainda estão decidindo em quem votar.
Ele analisa que, mesmo quando o bioma é citado, são grandes os questionamentos sobre o que cada proposta representa na prática. “Você falar que vai proteger o meio ambiente, por exemplo, é muito genérico. Como você vai protegê-lo? De que forma? Quais estratégias? Quais as metas que você vai obter? Isso fica mais difícil de identificar nos programas”, acrescenta Dias.
Como ponto que preocupa está também, por exemplo, o eixo de infraestrutura em alguns dos planos de governo. O tema é importante, sobretudo para atividades econômicas como turismo e pecuária extensiva, as duas principais na região. No entanto, segundo a SOS Pantanal, propostas neste âmbito, como a melhoria da infraestrutura viária, podem abrir brecha para a indução de outros tipos de atividades no bioma, que tem uso restrito segundo o Código Florestal.
“Se você estabelece uma via de acesso com uma qualidade maior, o que pode acontecer é que a atividade econômica entre com maior intensidade nesta região. […] tem que se preocupar não só com acesso viário, que é importante, mas com o regramento para esse acesso. Senão você vai permitir que outras atividades que são preocupantes sejam instaladas, porque você tem acesso”, comenta Felipe.
As plantações de soja, que já pressionam o bioma, ele conta, são um exemplo desse tipo de atividade. “São preocupações que estão nos programas […] e para isso um detalhamento maior facilitaria uma decisão melhor do eleitor no que tange a quem ele vai escolher para o estado”.
Pontos chaves
Para a SOS Pantanal, um plano robusto que se propõe a atuar pela preservação do bioma deve considerar, no mínimo, dois aspectos que são extremamente importantes para a organização. O primeiro deles trata-se das mudanças climáticas e as adaptações a essas alterações. Levantamento do MapBiomas, por exemplo, mostra que 2018 continua sendo o último ano com cheia significativa no Pantanal, mesmo com uma cobertura de água e área pantanosa 29% menor. “Estamos sentindo que as mudanças do clima já aconteceram, estão acontecendo, e vão continuar acontecendo. Os extremos de seca e chuva em excesso vão ocorrer e o Pantanal vai sofrer com essas alterações, continuamente”, comenta Felipe.
“Quando chove em excesso, o Pantanal tem a característica de inundação e isso dá uma certa tranquilidade para o bioma, mas quando a seca é extrema os prejuízos inerentes a isso são grandes, sejam causados pelos incêndios, sejam causado pela falta de água, para a própria dessedentação de animais”, acrescenta ele, ao mencionar que é fundamental o planejamento para cenários assim, que têm ocorrido no bioma, e que devem continuar acontecendo.
O segundo ponto chave trata-se da segurança hídrica. Estima-se que cerca de 70% das águas que abastecem o Pantanal vem dos rios que estão situados nas bordas da Planície do Pantanal, na região também conhecida como Planalto. Para o Diretor Executivo da SOS Pantanal, desconsiderar isso é grave e inviabiliza a gestão de programas voltados para esta finalidade: proteger as águas que moldam a paisagem do bioma. “A preocupação tem que ser fora do Pantanal mais do que dentro, em termos de segurança hídrica. Senão, é como se você protegesse a copa da árvore e esquecesse das raízes, que é o Planalto. Você tira a sustentação da copa perdendo as raízes”.
Por isso, a organização defende a implementação de programas de recuperação de bacias no Planalto, nas áreas degradadas, o que é proposto em alguns dos planos dos candidatos ao Governo de Mato Grosso do Sul. “Tudo isso contribui para o aumento de volume de água que pode entrar dentro do Pantanal, e aí voltar aos ciclos normais”.
Além disso, o fortalecimento de atividades econômicas que atendem a vocação do Pantanal é outro fator relevante para o desenvolvimento de um plano de governo. Entre elas a pecuária extensiva e o turismo. “O próprio Código Florestal diz que o Pantanal é uma área de uso restrito, então o que você tem que fortalecer internamente no Pantanal são tecnologias que possam favorecer o ganho econômico dessas atividades”, complementa.
Meio ambiente não é vilão
A percepção do meio ambiente como fator limitante para o desenvolvimento pode ter relação com o que se reflete nos planos de governo dos atuais candidatos das unidades da federação abordados na reportagem. Felipe conta que esse equívoco deveria ser esclarecido, principalmente, a partir da constatação de que toda atividade econômica para ser equilibrada depende de um ambiente também equilibrado. “A partir do momento que você degrada o ambiente, toda atividade econômica também se deteriora e você acaba perdendo, a sociedade acaba perdendo”.
Essa realidade, diz ele, deve mudar tão logo o estado, em nível federal, estadual ou municipal, compreenda que o meio ambiente é peça importante para a garantia de desenvolvimento econômico. “Qualquer executor, no caso em nível de gestão pública, que tiver essa visão que o desenvolvimento de fato passa pelo meio ambiente e fortalecer, criando uma secretaria forte em meio ambiente, com infraestrutura, com recursos humanos, com recurso logístico, ele vai ter muito mais ganho do que investir em outras atividades sem considerar esse espaço”, argumenta.
Em 2000, o Pantanal foi reconhecido como Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Recentemente, porém, uma petição pediu a inclusão do sítio na lista de patrimônios “em perigo”, por conta dos impactos dos incêndios de 2020 e as ameaças à rica biodiversidade do bioma, uma das características que lhe concedeu esse título. Para a SOS Pantanal, essa diversidade é a mesma que deveria ser utilizada de forma sustentável para impulsionar a geração de recursos para o Estado, e nisso reside a importância de um plano de governo estratégico.
“Essa diversidade nos traz muito recurso, porque o que gera o turismo não é só o proprietário que tá lá com uma pousada no Pantanal, é uma cadeia de mais de 70 atividades econômicas que geram emprego. Esse valor econômico para o Estado é muito grande e se bem aproveitado, vai dar muitos resultados não só para aquele que tá lá no Pantanal, mas para todo o entorno inclusive fora do Estado”, comenta o Diretor Executivo da SOS Pantanal ao mencionar a cadeia em torno das atividades turísticas no bioma, como agências de turismo, empresas aéreas, hotelaria, entre outros.
“Você tem uma série de setores da sociedade que estão fazendo esse papel, que estão ganhando recurso com esse ambiente protegido e é isso que a gente tem que pensar, não ficar naquele mundinho nosso. ‘Ah, eu não conheço o Pantanal. Não sei o que é, não vou para lá, não me preocupo com ele’. Mas lembre-se: ele tem potencial e já gera muito recurso para a sociedade”, finaliza.
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