Reportagens

Seca: passa de 100 o número de botos mortos em lago da Amazônia

Somente na quinta-feira (28) foram contabilizadas 70 novas mortes de botos-rosa e tucuxis no Lago Tefé (AM). Força tarefa foi criada para salvar população local

Cristiane Prizibisczki ·
29 de setembro de 2023

Pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá têm corrido contra o tempo nos últimos dias para salvar os botos das águas que banham a cidade de Tefé, no Amazonas. Desde o último sábado, um evento incomum de mortandade tem ocorrido na região, com 110 mortes já contabilizadas de botos-rosa e tucuxi. Somente ontem (29), 70 animais foram encontrados sem vida.

Segundo a pesquisadora Miriam Marmontel, líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá, uma força tarefa foi montada entre vários órgãos para descobrir a causa da morte dos botos. A seca e a temperatura da água, no entanto, certamente estão relacionadas com o ocorrido.

“Várias possibilidades já foram aventadas, mas o calor, a seca, certamente tem a ver com o que aconteceu. Se foi o calor propriamente dito, algum tipo de hipertermia, nós ainda não sabemos. Minha teoria é que o calor tenha potencializado alguma outra coisa na água”, explicou a pesquisadora, a ((o))eco.

O lago Tefé é uma formação lagunar do rio Tefé, próximo ao ponto em que ele desemboca no Solimões. Neste ano de 2023, o lago tem vivenciado uma seca histórica. Além da redução drástica em seu nível, a água restante tem apresentado altíssimas temperaturas. 

Seca no Lago Tefé (AM), no mês de setembro de 2023. Foto: Huéferson Falcão do Santos

Historicamente, a máxima temperatura já registrada no Lago Tefé foi 32°C. Na última quinta-feira (28), os termômetros mediram 40°C.

“Obviamente que com essa temperatura alguma coisa é afetada. Talvez não só o calor, mas acho que o calor potencializou alguma toxina, alguma alga, fitoplâncton, cianobactéria, alguma coisa. Mas tudo isso são conjecturas no momento”, diz Marmontel.

Segundo a pesquisadora, amostras de sangue dos animais recolhidos serão enviadas amanhã (30) de helicóptero para São Paulo e Rio de Janeiro para análises emergenciais na tentativa de descobrir se alguma doença está causando as mortes, como toxoplasmose ou botulismo. Análises na água também serão feitas e a expectativa é que até terça-feira (3) já se tenha uma resposta.

“Não temos uma resposta ainda porque tudo é muito difícil aqui. Tem que mandar para Manaus [para fazer análise], mas a forma de chegar lá é via barco e o barco não passa porque está seco. Tem um máximo de horas para chegar lá, então, não é trivial a gente fazer alguma análise”, explica. Tefé fica a cerca de 500 km de Manaus.

Corrida contra o tempo

No último sábado (23), Miriam Marmontel participava de uma reunião quando recebeu a notícia de que 19 botos haviam sido encontrados mortos no lago Tefé. 

“Naquele momento, para tudo! Para tudo e vamos pro campo. Eu desci no dia seguinte, mas a nossa equipe saiu para campo e confirmou esse número no sábado. No domingo foram [encontrados mortos] 3 ou 4, no dia seguinte, 3. Daí pensamos que ia acabar, mas começou a subir de novo e ontem tivemos 70”, diz a pesquisadora.

Ao longo da semana diversas ações foram realizadas, entre elas o monitoramento dos animais vivos, busca e recolhimento de carcaças e coleta de amostras para análises de doenças, além da análise da qualidade e monitoramento da temperatura e nível da água. Até o momento, já foram destinados R$ 100 mil para tais ações.

O Instituto Mamirauá conta com o apoio local do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), da Prefeitura de Tefé, do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, do Exército e da Defesa Civil. 

Pesquisadores recolhem carcaça de boto morto no lago Tefé. Foto: Adriano Gambarini

A corrida é contra o tempo. Segundo análises prévias, o lago Tefé conta com uma população de cerca de 900 botos-rosa (Inia geoffrensis) e cerca de 500 tucuxis (Sotalia fluviatilis). Como a taxa de reposição da espécie é de cerca de 5%, uma perda de 110 indivíduos em tão curto tempo traz grande impacto na população local. 

Segundo Marmontel, 80% dos animais encontrados mortos eram botos-rosa.

“Acho importante olhar para os animais vivos. Dependendo do resultado das análises, pode ser que a gente faça uma operação grande de translocação, caso eles estejam bem, para o rio Solimões”, explica,

Neste final de semana, uma mobilização emergencial de resgate dos botos deve acontecer, com apoio externo oferecido por instituições e equipes do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (GRAD Brasil), WWF-Brasil, R3 Animal, Aquasis, Lapcom-USP, Instituto Baleia Jubarte, Sea Shepherd Brasil, Instituto Aqualie, Universidade Nilton Lin e ICMBio.

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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