Enquanto o país voltava a sua atenção para a posse do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) no último domingo (01), Tarcisio de Freitas (Republicanos) era empossado governador de São Paulo, maior colégio eleitoral e centro econômico do país. Se para a pauta ambiental a chegada de Lula traz esperanças quanto a caminhos de reconstrução em relação aos resultados das corrosivas políticas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os paulistas enxergam com temeridade a estruturação das políticas ambientais sinalizadas pelo novo governador.
No centro desses temores está a escolha pela criação da supersecretaria de Infraestrutura, Meio Ambiente, Transportes e Logística no estado de São Paulo, além da nomeação (e agora posse) de Natália Resende para chefiar a nova estrutura institucional. Com amplo conhecimento na área de leilões e formatações técnicas voltadas para grandes processos de concessões e fusões na área de infraestrutura, a secretária não tem nenhuma experiência na área de gestão ambiental.
Ao contrário de Freitas, Fernando Haddad (PT), seu rival no segundo turno nas eleições para o governo e agora Ministro da Fazenda de Lula, defendia que São Paulo voltasse a ter uma Secretaria do Meio Ambiente. O órgão deixou de existir no início da gestão de João Dória, em 2019, com a fusão que resultou na criação da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura, amplamente criticada por entidades científicas e ambientais à época.
Em seu discurso na cerimônia de posse na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), Tarcísio de Freitas fez questão de agradecer ao apoio de Bolsonaro e expressou sobre como pretende tratar a pauta ambiental no estado.
“São Paulo pode e deve ser protagonista nos processos de transição energética, líder em economia verde, exemplo de investimentos sustentáveis. Não é para menos: sabemos que os fluxos financeiros estarão fortemente aderidos aos padrões ambientais, o compromisso de acionar alavancas do crescimento, aumento da oferta de energia, a destituição da carga tributária, a oferta de crédito para microempresa, e pequenos empreendedores, os investimentos pesados em infraestrutura, capacitação profissional, e a digitalização deverão ser honrados por este governo”, afirmou.
Terceiro setor contra Tarcísio
A preocupação com as mudanças estruturais ligadas ao meio ambiente feitas pelo novo governador transformou-se em uma carta-manifesto assinada por centenas de organizações e ativistas ambientais, entregue pessoalmente à secretária Natália Resende na última semana de 2022 por Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental), entidade responsável pela organização da ação.
Nós buscaremos ser diplomáticos até o limite mas, se necessário, avançaremos para a seara legal para impedir o desmonte da política de proteção ambiental no estado
Carlos Bocuhy
“Esta é a nossa primeira iniciativa contra esse processo de fusão proposto pelo governador, que é um ataque ao Sistema Ambiental Paulista e conta com aspectos jurídicos questionáveis. Nossa primeira tentativa é a diplomática, e a secretária afirmou que as decisões referentes ao meio ambiente serão tomadas a partir de um amplo processo de escuta à sociedade civil. Nós buscaremos ser diplomáticos até o limite mas, se necessário, avançaremos para a seara legal para impedir o desmonte da política de proteção ambiental no estado”, explicou Bocuhy em entrevista ao ((o))eco.
O documento que cita a matéria publicada por ((o))eco sobre a escolha da nova secretária, indica um conjunto de elementos impeditivos nos aspectos conceituais, de gestão, de objetivos e legais na fusão das secretarias de Infraestrutura, Meio Ambiente, Transporte e Logística.
O texto cita que a proposta do novo governador despreza a supremacia do meio ambiente como patrimônio público, ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à qualidade de vida, impondo-se sua defesa e proteção como dever do Poder Público para preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, visando a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, à proteção da dignidade humana e ao desenvolvimento socioeconômico.
Aponta, também, que a pluralidade e transversalidade do meio ambiente, relativo aos recursos ambientais, dentre eles a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora estão sumariamente afastados por uma proposta reducionista, inconsistente, e inconteste retrocesso na matéria constitucional e infraconstitucional, portanto, sem amparo no ordenamento jurídico brasileiro e a Constituição Federal – que possui capítulo específico para tratar do meio ambiente, com preceitos e princípios jurídicos aos quais a política nacional do meio ambiente e toda a estrutura administrativa dos órgãos ambientais estão subordinadas.
“É importante que a sociedade compreenda que os sistemas ambientais, como o Sistema Ambiental Paulista e o Sistema Nacional do Meio Ambiente estão associados a direitos fundamentais, precedendo portanto todos os outros interesses, como os econômicos. Então, qual é a liberdade que o governo tem de fazer alterações nos sistemas ambientais sem fazer um amplo processo de escuta das comunidades impactadas?”, questiona Bocuhy.
Ele exemplifica o processo ocorrido na instância federal, na gestão Bolsonaro, quando mudanças como as ocorridas no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) causaram um processo chamado de cupinização institucional, com a destruição de mecanismos de proteção e participação social – em muitos casos contra a Constituição Federal.
Ameaças de campanha
A objeção central ao projeto ambiental de Tarcísio de Freitas diz respeito à perspectiva que coloca o Sistema Ambiental Paulista como agente de licenciamento com o objetivo de abrir portas para investimentos em projetos. As escolhas do novo governador, porém, estão longe de surpreender. Este olhar já podia ser verificado nas propostas de governo apresentadas por Freitas na campanha eleitoral de 2022, que prometia criar mecanismos para facilitar processos de licenciamento.
Malu Ribeiro, Diretora de Políticas Ambientais da SOS Mata Atlântica, em entrevista ao ((o))eco sobre o tratamento dado à questão hídrica no período eleitoral, também defendeu a volta da SMA. “Existem dois pontos muito importantes para pensarmos a questão da crise hídrica. A primeira, seria o retorno da Agência Nacional das Águas, que no governo Bolsonaro foi para o Ministério do Desenvolvimento Regional, para a pasta do Meio Ambiente. A segunda seria o estado de São Paulo voltar a ter uma Secretaria do Meio Ambiente, para que a gestão das águas não seja tratada apenas como um serviço associado à infraestrutura e saneamento, mas possa estar vinculada a uma agenda ambiental que passa, por exemplo, pela preservação das áreas de mananciais. No último mês de novembro a SOS Mata Atlântica divulgou nota indicando a importância do restabelecimento da SMA no estado, a partir de critérios como o protagonismo do território no enfrentamento às mudanças climáticas.
Já no primeiro dia de governo Lula, a ANA (Agência Nacional das Águas), voltou a estar sob os cuidados do agora Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Em São paulo, com a criação da chamada supersecretaria, diante do perfil da secretária Natália Resende e da perspectiva ambiental apresentada por Tarcísio de Freitas, outra promessa de campanha vista como negativa por especialistas ouvidos por ((o))eco, a privatização da Companhia do Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), desponta como uma ameaça cada vez mais próxima de transformar-se em realidade.
Carlos Bocuhy lembra que a área ambiental tem função de controle, de acordo com o que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente. Uma secretária que una Infraestrutura, Meio Ambiente, Transportes e Logística abarcará, sob a mesma estrutura, órgãos como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e pelas estradas, balsas, pelo o Porto de São Sebastião, a Empresa de Desenvolvimento Rodoviário (Dersa) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Até o momento, de acordo com o defendido pelo próprio governador, a ideia é criar processos que facilitem o fluxo de licitações, autorizações de modo a favorecer o avanço de obras, privatizações e concessões.
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