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Vidas Afogadas: Presos em canais de irrigação, animais silvestres agonizam até a morte

Desmatamento, agronegócio, crise climática: fatores potencializam o crescimento de áreas de irrigação artificial no mundo e colocam em risco a vida de diversas espécies

Em um dos maiores polos agrícolas brasileiros, a mesma água que rega o solo também pode condenar a vida selvagem.
No oeste da Bahia, animais se afogam em canais forrados com plástico presentes em fazendas.

Os caminhos podem ser distintos, seja na tentativa de atravessar de um lado para outro, ou na vontade de beber água, mas o destino é quase sempre o mesmo: agonizar até a morte.
Cada vez mais encurralada pela interferência humana, a vida selvagem vê a paisagem natural ser substituída por lavouras.
Com pouca presença de rios e lagos e a irregularidade das chuvas agravada pela crise climática, as áreas de irrigação artificial só crescem.
Uma projeção do MapBiomas aponta que, considerando apenas a soja, as lavouras nacionais aumentaram nove vezes nos últimos 40 anos, cobrindo cerca de 400 mil km².
É como se ocupássemos quase a área do Paraguai inteiro com uma única plantação.
O problema, no entanto, não está restrito à Bahia. De acordo com o MapBiomas, Minas Gerais e Goiás se juntam ao estado e somam a maior área irrigada com pivôs centrais no país, ou 64% da mancha nacional desses sistemas.
O uso da irrigação agrícola se estende por todo o país, sem um licenciamento adequado. Essa produção é direcionada tanto para consumo interno quanto para exportação.
Um balanço da ONG Instituto Mãos da Terra (Imaterra) e da UFBA mostra que 17 bilhões de litros diários de água outorgados só nas bacias dos rios Grande, Corrente e Carinhanha, no oeste da Bahia, servem quase todos à irrigação. Água que abasteceria 100 milhões de pessoas.
“É uma situação extremamente crítica para a fauna nativa.”
“Prejuízos à fauna silvestre gerados pela supressão da vegetação nativa são negligenciados.”
O estudo também alerta para a falta de programas para resgate, reabilitação e soltura de animais selvagens em licenças estaduais para desmates no oeste baiano, como pede a legislação federal.
As ameaças não param no Brasil. Não muito longe daqui, na Argentina, mais de 200 animais de 35 espécies morreram em seis meses* no “Canal de la Pátria”, que corta 250 km do Gran Chaco.
“Podemos estar testemunhando a defaunação ao longo do canal. É muito grave para a conservação das espécies silvestres e um problema até agora mantido em silêncio”
Os casos se repetem mundo afora:
227 animais afogados no Bordo Las Maravillas (Toluca, México)
538 mamíferos selvagens e domésticos mortos por afogamento em canais na Espanha
Registros recorrentes de animais afogados em sete canais no sul de Portugal
Enquanto o problema cresce de maneira alarmante, governos estaduais e federais não agem na mesma velocidade.
Inclusive, um novo plano federal para cortar emissões nacionais de gases de efeito estufa deve posicionar a irrigação como chave para a produção de alimentos na crise climática.
“É uma proposta oportunista e focada só nos interesses do agronegócio, que não revê suas práticas causadoras da própria crise do clima, como o desmate e o uso exacerbado de água”
É pouca água pra muito calor. Enquanto as temperaturas tendem a aumentar nos próximos anos, a oferta de água superficial brasileira diminui, fator que é agravado pelo desmatamento.
O desmatamento, por sua vez, tem no agronegócio seu maior combustível. Enquanto as fontes ficam cada vez mais secas, a Agência Nacional de Águas estima que o setor use 70% da água no país – cerca de 30 trilhões de litros anuais.
Carregados pela correnteza de dados alarmantes, parece impossível alcançar a margem para pensar em uma solução.
Mas não é.
Embora valas, pontes e túneis de fato ajudem na travessia de animais, eles não são usados por todas as espécies.
Além da construção de barreiras, como cercas ao longo das estruturas, a melhor solução para reduzir o massacre seria cobrir os canais de água.
Oferecer uma alternativa para os animais que caem nos canais, como rampas, degraus e estruturas com paredes abrasivas seria também uma maneira de salvá-los.
Está na hora da humanidade buscar soluções para o problema que criou.
Esta HQ faz parte do especial ‘Massacre Invisível’, realizado por ((o))eco com apoio da Proteção Animal Mundial. Confira o material completo em: oeco.org.br/massacreinvisivel

  • Aldem Bourscheit (Reportagem)

    Jornalista cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agron...

  • Gabriela Güllich (Roteiro e arte)

    Jornalista, quadrinista, designer e os três ao mesmo tempo. É responsável pelas artes e infografias de ((o)) eco, atuando como designer gráfico e ilustradora.

  • Ana Gabriella Carvalho (Diagramação)

    Designer gráfico com atuação em design editorial. Trabalha principalmente com a diagramação de livros acadêmicos e livros didáticos. Graduada também em Comunicação em Mídias Digitais (UFPB) com especialização em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais (Estácio-PB).

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