Sol, praia e mergulhos. É assim que o Caribe se vende para o mundo. O arquipélago das Caraíbas é composto por 13 países e outros 17 territórios com governos autônomos, a exemplo de Guadalupe, Porto Rico e Curaçao, que dependem respectivamente de França, Estados Unidos e Holanda apenas para assuntos de defesa e política externa. Essa miríade de ilhas fala diversas línguas e tem culturas, arquiteturas e culinárias que variam de lugar para lugar. Um fator, contudo, os une: o turismo receptivo como principal fonte de renda.
É aí que entra a tríade sol, praia e mergulhos. Punta Cana, Sint Maarten, Bonaire, Barbados, Varadero e Saint Barths disputam entre si quem oferece os melhores “resorts”, as areias, mais brancas ou a maior variedade de peixes e corais. Tudo isso para atrair os turistas norte-americanos e europeus, que lotam suas praias de janeiro a janeiro.
É uma luta que faz sentido. O turismo é o principal gerador de emprego e renda do Caribe. Segundo a Caribbean Tourism Organization, em 2013 a região recebeu 25 milhões de visitas. Embora esse afluxo de visitantes tenha sido um grande estímulo para a economia regional, pois injetou US$ 28,1 bilhões nos mercados locais, existem exceções à regra. Nem todos os países do Caribe são beneficiados pelos gastos dos viajantes. Um deles, a pequenina Dominica (não confundir com República Dominicana) está virtualmente excluída do circuito, e em 2013 recebeu apenas 230 mil visitantes. A maioria, contudo não chega sequer a se hospedar, são passageiros de enormes navios de cruzeiro, que desembarcam em turbas no píer da capital Roseau e passam somente algumas horas na ilha. Gastam muito pouco e aportam menos ainda para o desenvolvimento local. Ano passado, apenas 78,277 turistas estrangeiros pernoitaram pelo menos uma noite em uma acomodação comercial dominiquense.
A falta de entusiasmo dos prospectivos hóspedes estrangeiros tem explicação. Dominica tem formação vulcânica recente. No calendário geológico isso se traduz em falta de tempo para que as intempéries naturais tenham podido agir com intensidade suficiente para erodir suas encostas e recortar seu litoral. O resultado é um terreno muito montanhoso, cujas escarpas mergulham diretamente nas águas do mar, sem formar praticamente nenhuma praia. Com efeito, a falta sistemática de planícies não deixou espaço sequer para a construção de uma pista aeroportuária longa o bastante para receber a aterrissagem de grandes jatos comerciais.
Por outro lado, como é comum em ilhas isoladas, a biodiversidade e o endemismo em Dominica são muito altos, o que tem resultado em pressão internacional sobre o Governo local para evitar desmatamento com vistas a aumentar a área de produção agrícola, sobretudo de banana, produto responsável por 50% das exportações, além de cítricos, coco e cacau.
Segundo dados do Programa Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), 70% do território dominiquense está preservado. Dominica abriga onze ecossistemas terrestres e três marinhos. Considerando que a ilha só tem 750 km² (o Distrito Federal, a menor Unidade da Federação do Brasil, tem 5.802 km2), trata-se de uma diversidade espantosa, classificada pelo PNUMA como de Muito Alta importância para conservação mundial. Em Dominica, entre outros indicadores, foram catalogadas mil espécies de plantas (oito endêmicas), 53 espécies de borboletas, duas espécies endêmicas de répteis, 166 espécies de pássaros (dois endêmicos) e 12 espécies de morcegos.
Uma ideia arrojada
Sem poder aumentar a área da exploração de suas encostas para produzir bananas e carente de praias para seduzir os turistas, não sobraram muitas alternativas econômicas para os 70 mil habitantes de Dominica. Como, então, sobreviver dignamente? Encontrar respostas demandou do Governo local muitas rodadas de debates calcadas em diversos estudos. Várias alternativas se apresentaram em diversos campos do conhecimento, como paraíso fiscal para investimento offshore e isenção de impostos para o estabelecimento de universidades norte-americanas. Uma delas diz respeito à conservação da biodiversidade em bases sustentáveis. Embora no Brasil ainda configure algo novo e virtualmente inexplorado, esta é uma ferramenta que já existe há praticamente cem anos e que já foi testada com sucesso em diversos países de todo o mundo.
Dominica decidiu entrar para valer na economia do turismo. Buscou, contudo, um nicho ainda inexplorado na América Central e no Caribe. Resolveu abrir e operar a primeira trilha de longo curso da região: a Waitukubili National Trail
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O projeto, sem grandes custos financeiros, contou com o apoio da União Europeia e do Governo Autônomo da Martinica. Foi realizado com duas premissas básicas:
- Criar um corredor ecológico entre as áreas protegidas da Ilha, garantindo uma ligação entre elas;
- Gerar emprego e renda em bases sustentáveis.
Quando visitei a ilha, nas férias de 2012, a Trilha tinha sido recém-inaugurada. Meu objetivo era aprender como um país mais pobre que o Brasil, mas com características climáticas e de relevo similares às da maioria de nossos parques nacionais e estaduais localizados na Serra do Mar, tinha implementado um projeto dessa dimensão.
Informação desde o aeroporto
O que vi me deixou muito bem impressionado e, por que não dizer, com um pouco de vergonha do atraso da gestão do ecoturismo em nossas Unidades de Conservação. A Waitukubuli corta ou, melhor dizendo, costura, o país de norte a sul. São 184 km divididos em 14 trechos, que começam junto ao mar, no Soufriere/Scott’s Head Marine Reserve e terminam na península de Cabrits, dentro do Parque Nacional do mesmo nome. Em seu traçado a Waitukubuli liga os Parques Nacionais de Morne Trois Pitons (Patrimônio Mundial da Humanidade) e Diablotin, as Reservas Florestais Central e do Norte e a Reserva Primeva do Papagaio Sindicato. Esta última protege a ave endêmica do mesmo nome. No caminho ainda atravessa a Reserva Índigena Kalinago, que protege os últimos três mil índios caribes de Dominica.
Já ao desembarcar de seu turbo-hélice no aeroporto internacional de Melville-Hall o turista depara com um enorme banner da Trilha Waitakubuli dando-lhe as boas vindas à “Primeira Trilha de Longo Curso do Caribe”. Caso não tenha planejado sua caminhada com antecedência, ali mesmo no saguão do desembarque o caminhante vai encontrar um pequeno quiosque com uma funcionária treinada para ajudá-lo a montar seu passeio.
No meu caso, já tinha estudado bem a trilha e, com a ajuda de uma listagem fornecida pelo Ministério da Agriculrura e Floresta, já havia inclusive feito reserva em acomodações localizadas no fim de cada trecho.
A Waitukubuli foi projetada de forma a, no fim de cada trecho, deixar o caminhante próximo a alguma pequena comunidade. Em cada um desses vilarejos o Governo deu treinamento e incentivos financeiros para a construção de pousadas e albergues com um padrão mínimo de qualidade pré-estabelecido. No primeiro dia, o trecho é propositalmente curto para incentivar os trilheiros a explorarem a Reserva Marinha Soufriere/Scott’s Head antes de cabritarem. Não hesitei em morder a isca. Me extasiei a manhã inteira mergulhando entre os corais e cardumes coloridos das águas transparentes daquela parte do Caribe.
Somente ao meio dia e meia, depois de comer um lanche, iniciei a jornada de sete quilômetros, quase todos de subida em direção ao vilarejo de Soufrière-Sulphur Springs. No trajeto passei por uma antiga fazenda de café, que estava sendo reformada por uma família com o intuito de oferecer uma acomodação charmosa em um prédio histórico aos transeuntes da Waitukubuli. Achei a fazenda linda e o local muito aconchegante, mas será que vale o investimento?
Em Soufrière-Sulphur Springs obtive a resposta. A aldeia já tem três estabelecimentos que vivem dos usuários da Waitukubuli. Me hospedei na Rodneys Wellness Retreat. O lugar é tudo que um trilheiro pode querer, amplo, boa comida, com redes espalhadas pelo jardim. Para dormir, Rodney montou permanentemente cinco barracas de lona em seu terreno. Decorou-as por dentro com simplicidade e bom gosto e dotou-as do mais importante: camas confortáveis e com lençóis limpos.
De manhã, já despertei com um esplêndido café da manhã à minha espera. Enquanto comia, um dos filhos de Rodney se aproximou tímido. Ofereceu levar minha mochila cargueira de carro até a pousada onde marquei o pernoite ao fim do segundo trecho. Não era caro. Do alto dos meus quase cinquenta anos de vida, analisei a proposta: “será que não carregar minha mochila cargueira reduzirá minha sensação de estar fazendo uma longa travessia? Serei menos montanhista por isso? Não é estragar a experiência, pagar para alguém levar meu peso?” Venceu a tentação. Às 11h, depois de um banho nas águas termais de Sulphur Springs, parti livre, leve e solto rumo à Bellevue Chopin.
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Tão logo deixei a pequena vila de Sulphur Springs para trás, adentrei uma ramagem espessa e viçosa muito semelhante à Mata Atlântica que me lembrou as trilhas da Floresta da Tijuca e da Ilha Grande. Muita umidade, subidas íngremes, descidas escorregadias.
Com menos treze quilos no lombo, pude gastar tempo aproveitando as paisagens desabridas. Não transferi o peso das costas para a consciência. Cheguei ao fim do segundo trecho absolutamente satisfeito com a decisão de me desfazer da minha mala. Até cunhei uma máxima para aplacar minha consciência “sou caçador de paisagens, não sou besta de carga”.
As várias formas de percurso
O trecho seguinte, entre Bellevue Chopin e Wotten Waven era mais pesado. Dessa vez fui eu quem perguntou se a pousada poderia fazer o carreto da minha mochila. A proprietária se espantou com a solicitação. Nunca tinha pensado na possibilidade. Chamou um táxi. Negociamos um preço honesto e lá fui eu, de novo leve como um beija flor, e com a consciência limpinha de quem está gerando emprego e renda para as comunidades do entorno.
Gerar emprego e renda, afinal é um dos dois pilares básicos da Waitukubuli. A trilha foi projetada com esse objetivo. A ideia é vender Dominica como o paraíso das trilhas do Caribe. Nesse contexto, os quatorze trechos da trilha foram pensados para poderem formar diversos produtos diferentes ainda que complementares.
- Podem ser percorridos como quatorze trilhas independentes. Assim o turista tem a opção de escolher os dois ou três trechos que lhe interessam mais e percorrê-los durante sua estada na Ilha;
- Podem ser sete travessias a serem feitas em sete fins de semana diferentes. Esse modelo visa atrair sobretudo os trilheiros franceses residentes nas ilhas vizinhas de Martinica e Guadalupe, mercados que são responsáveis por 28,6% dos visitantes de Dominica. Em um vôo com a duração de meia hora estão em Roseau. Ao longo de um longo período podem completar a trilha inteira, fazendo dois trechos em cada visita. Ao dividir a trilha dessa forma, cria-se um estímulo para que o turista retorne diversas vezes a Dominica até completar a Waitukubuli.
- Podem ser duas travessias de cinco dias e uma de quatro. Essa subdivisão está voltada para o mercado norte-americano, para onde há conexões aéreas com duração inferior a seis horas e onde é comum o trabalhador tirar férias de uma semana (um dia para ir, um para voltar e cinco para percorrer a trilha). Também aqui, essa divisão visa a encorajar o turista a voltar ao país até completar a Waitukubuli.
- Podem ser duas travessias de sete dias. Esse pacote foi pensado com o turista do continente europeu em mente. Ele toma em consideração férias de quinze dias, divididos em duas semanas. Uma delas ficaria reservada à praia e mergulho e a outra a uma atividade de trekking em Dominica. A parte de praia pode até ser feita em uma ilha vizinha. Mais uma vez, há o objetivo de cativar o turista para que volte para completar a metade restante da trilha.
- Por fim, a trilha pode ser toda percorrida de um só estirão, no contexto de um período longo de férias.
Foi uma benção ter enviado minha mochila cargueira à frente. Com meia hora trilha adentro o céu adensou-se de nuvens negras, o ar ficou pesado com uma umidade que quase dava para segurar entre as mãos. Não demorou para que trovões ensurdecedores ribombassem pela abóboda e que um dilúvio desabasse. Rios se formaram fluindo pelo leito da Waitukubuli e enchendo a trilha acima dos meus tornozelos. Chafurdei, escorreguei, caí e me enlameei todo por cinco penosas horas até desaguar em Wotten Waven.
Pernoitei na casa de uma família rastafári que preparou dois quartos para receber trilheiros da Waitukubuli. Logo à entrada ganhei uma toalha limpinha e uma barra de sabonete. Depois de um relaxante banho quente, sentei-me à mesa para jantar. Compartilhei uma saborosa refeição vegetariana com pai, mãe, filho e a namorada dele. Quase não falei. Ouvi e aprendi muito sobre a religião e o modo de vida alternativo dos rastafáris, um movimento sobre eu qual eu tinha apenas algumas noções, quase todas cheias de pré-conceitos.
Na manhã seguinte, durante o desjejum, a família reuniu-se novamente em torno da mesa. Dessa vez o assunto foi a Trilha Waitukubuli. Oliver, o patriarca, falava com orgulho: “a Trilha é um Patrimônio Nacional que todo dominiquense deve percorrer de ponta a ponta pelo menos uma vez em sua vida”. Mostrou predileção especial pelos trechos 3 e 4, mais próximos de sua casa, segundo ele, “os mais belos do mundo”.
Segundo Oliver e sua esposa Oyane, a inauguração da trilha deu reforço no orçamento mensal da família. Recebem em média cinco turistas por semana, em regime de meia pensão. Alguns também pedem para que sua roupa seja lavada, o que resulta em mais uns trocados. O casal espera que a trilha efetivamente dê certo e que a quantidade de trilheiros se multipliquem. Já fazem planos de abrir um camping e talvez uma pousada separada da casa. Mas o homem não vive só de pão. O que o casal mais gosta da trilha é contato que ela proporcionou com estrangeiros de várias nacionalidades e culturas: “depois da inauguração da Waitukubuli sou um homem mais consciente do mundo à minha volta e das diferentes gentes que aqui cohabitam”.
A Waitukubuli é uma trilha completamente sinalizada. Não é preciso contratar guias para percorrê-la. A sua sinalização é intensiva, seguindo o padrão adotado nas trilhas europeias. De uma sinalização sempre é possível ver a próxima, tornado praticamente impossível que alguém se perca nas matas que a margeiam.
Sem necessidade de guia
A não obrigatoriedade de contratar guias, infelizmente ainda incomum no Brasil, não significa que a trilha não gere emprego e renda. Todo caminhante tem que comprar um passe para trilhar em Dominica. O passe custa US$ 12 (R$ 27) por dia ou US$ 40 (R$ 95) pelo período de quatorze dias. Todo o montante arrecadado é reinvestido na Waitukubuli, possibilitando, entre outros benefícios, a contratação de mão de obra para fazer a manutenção da trilha e de sua sinalização.
Foi-me explicado que as autoridades locais recomendam a contratação de guias, mas não a obrigam. Com efeito, Dominica buscou fugir do modelo adotado por alguns países do Terceiro Mundo, onde a contratação de guias é obrigatória. Decidiram seguir o modelo vigente em quase todos os países do mundo, onde as trilhas recebem farta sinalização e são auto-guiadas. Segundo me explicou a representante da trilha: “preferimos dar liberdade de escolha ao turista. Há outras formas de gerar emprego e renda com a trilha tais como com hospedagem, transporte de bagagens e os próprios trabalhos de manutenção da trilha. Além disso temos percebido que há alta taxa de retorno a Dominica entre os usuários da Waitakabuli, o que se traduz em aumento de ingressos de moeda estrangeira na economia nacional.
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O segmento quatro da trilha foi praticamente feito todo dentro do Parque Nacional Morne Trois Pitons. Apesar da chuva que insistiu em cair, foi o trecho mais bonito da trilha, que acabou me tomando dois dias de caminhada, já que tem muitas opções, todas imperdíveis. Incluindo duas grandes cachoeiras e um lago cujas águas cor prata estão em permanente ebulição dentro de uma cratera vulcânica. O pernoite também foi em um local especial. Um quarto de hóspedes em uma casa colonial soberbamente decorada no alto da serra.
O Centro de Visitantes e o prédio da administração da Waitukubi estão dentro da parte inicial do segmento cinco. A equipe responsável pelo manejo, divulgação, fiscalização e manutenção da trilha fica toda ali. Além do complexo administrativo, em estágio avançado de construção estava um dormitório para os trilheiros, um pequeno mercado e restaurante a ser concessionado e uma área para acampamentos. O conjunto de prédios é construído com bom gosto, utilizando madeira exótica, e não destoa da natureza em volta. Conversei três horas com a equipe, tirei minhas dúvidas, juntei farta documentação e aprendi muitas coisas que poderiam ser facilmente replicadas no Brasil (algumas ideias já foram aproveitadas na Trilha Transcarioca).
Saindo dali desci, de novo, sob forte aguaceiro, em direção ao mar. A trilha em si, existe há mais de um século. Como muitos trechos da Trilha Transcarioca no Rio de Janeiro, essa parte da Waitukubuli é toda em pé-de-moleque e remonta ao tempo em que havia escravos na região. Fiquei intrigado com a semelhança entre essas antigas estradas de pedra dominiquenses e as da Floresta da Tijuca. Caminhando sozinho sob chuva torrencial desci pensando e cogitando. Por fim, lembrei-me que o saudoso Carlos Manes Bandeira em seu livro sobre a Floresta da Tijuca conta que os primeiros franceses a plantar café no Rio eram oriundos da República Dominicana. Sempre estranhara essa informação, pois a República Dominicana foi colonizada por espanhóis. Pensa daqui, raciocina dali, acabei tendo um estalo: será que é um problema de digitação e, na verdade, esses cafeicultores vieram de Dominica após a ilha ter passado de mãos francesas para inglesas no início do século XIX? Quem sabe? O assunto merece mais pesquisa.
Benefícios para os indígenas
Ao fim de muita descida e muita água, completamente ensopado cheguei à Reserva Indígena Kalinago, onde me hospedei. Os kalinagos são os últimos remanescentes dos índios caribes que habitavam a região antes da chegada dos colonizadores europeus e dos escravos africanos. Foram virtualmente exterminados do arquipélago. Hoje existem em pouquíssimas ilhas. Os kalinagos de Dominica são o maior núcleo de toda a região e orgulham-se de terem resistido, sem perder sua cultura nem sua dignidade. Durante muito tempo mantiveram-se apartados do resto dos dominiquenses, o que lhes valeu autonomia mas também pobreza, pois os deixou ao largo da economia nacional.
Agora com o advento da Waitukubuli, começa a haver um fluxo maior de turistas dentro da Reserva, que tem desde já estimulado uma pequena atividade econômica nos setores de hospedagem e restauração, bem como no de artesanato.
Na manhã do sexto dia, quando acordei, a chuva continuava a cair em cântaros, o chão empapado tinha água até os tornozelos, um vento desagradável em rajadas horizontais derrubava folhas e até galhos inteiros. Respirei fundo, uma duas, três vezes e tomei uma decisão sensata. Desisti de completar os quatorze dias da trilha. Me entoquei em um hotel e passei os dias seguintes colocando minha leitura em dia.
Também aproveitei a chuva para, acompanhado pelo Embaixador do Brasil em Roseau, visitar o Ministério da Agricultura de Dominica, que é o órgão responsável pela Waitukubuli. Lá aprendi que a trilha foi construída em regime de frente de trabalho por trabalhadores desempregados (um bom exemplo para o Brasil). Segundo a coordenadora-geral da Waitukubuli, a maior parte das intervenções foi de drenagem, poda, construção de pontes, bancos, mirantes e degraus o que tornou fácil a contratação de gente com pouca qualificação formal.
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Ainda segundo ela, a parte da capacitação para hospedagem foi feita por meio de uma cooperação técnica com a França. Já o modelo adotado para a sinalização foi o mesmo proposto no Manual de Sinalização de ((o))eco, com marcas pintadas em árvores e rochas intermediadas por tabuletas e placas-base com mapas e informações mais detalhadas: “a sinalização segue os princípios em voga na França e no resto da Europa. É barata e fácil de fazer”, disse.
Um caso para acompanhar e aprender
Se tudo der certo, em dez anos a Waitukubuli pretende ser a principal atração turística de Dominica. Parece estar no caminho certo. Hoje ela já é muito frequentada pelos franceses que moram nas ilhas vizinhas de Martinica e Guadalupe. O próximo alvo são os Estados Unidos. Não é mero sonho de uma noite de verão. O projeto da Waitukubuli como ferramenta de turismo segue uma estratégia muito bem feita por uma consultoria internacional, que estabelece a divulgação e ampliação da infraestrutura da Trilha em estreita coordenação com o aumento das capacidades de hospedagem, alimentação e transporte em seus diversos pontos d e pernoite.
Quando a chuva finalmente parou eu ainda tinha dois dias para passar em Dominica. Resolvi então percorrer os derradeiros trechos da Waitukubuli. Não me arrependi. O penúltimo segmento é todo em falésias, encostas e praias, completamente diferente em tudo do que eu vira no início da trilha. Já o último dia termina em uma bela fortaleza colonial Britânica Fort Shirley. Ali o turista caminha entre os canhões de ferro postados nas antigas muralhas, vê a caserna, que abrigava a maior guarnição militar da região, vai a um par de casamatas e, ainda tem a possibilidade de fechar sua expedição com chave de ouro, imergindo em um mergulho entre os corais do mar do Caribe.
Voltei ao Brasil impressionado com o que Dominica logrou fazer em tão curto espaço de tempo, com pouco dinheiro e muita vontade política. Aliou a criação de um corredor ecológico a um projeto gerador de emprego e renda, que ainda por cima melhora a imagem do país. Quem sabe um dia não aprendemos algumas lições com essa pequenina ilha. Na visita que fiz ao Ministério da Agricultura, a parte dominiquense mostrou-se ávida por estabelecer um intercâmbio para a troca de experiências sobre manejo de trilhas com o Brasil. Seria um bom começo…
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