Einstein
O desenvolvimento sustentável é um conceito aplicado há muitos anos pela sociedade civil, pesquisadores e diversos políticos. Como todos já sabem, e estão cansados de ouvir, o desenvolvimento sustentável procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.
Entretanto, muitas vezes o conceito tem-se resumido pelo modelo da Agenda 21 e seus slogans “reduza, reuse e recicle”, ou por noções tais como “crescimento sustentado” e “pegada ecológica”. Em outras palavras, para solucionar os problemas ambientais deve-se enfocar na eficiência no uso dos recursos naturais a nível local com consciência global.
Similarmente, essa aproximação tem se aplicado bastante dentro da gestão ambiental, dentro das áreas protegidas, as quais buscam uma otimização no uso dos recursos, ou no tamanho de uma população de uma espécie, com o fim de tentar equilibrar os ecossistemas, conservando a natureza dentro de um estado supostamente eterno. O enfoque não está errado, é racional, porém, você acha realmente que poderá continuar beber guaraná para sempre reciclando latinhas de alumínio? Que a pesca de rendimento máximo sustentável vai trazer o peixe selvagem de volta? Ou que o litoral brasileiro precisa de um certo número de presas e predadores, de tal espécie, para que a Mata Atlântica possa voltar a se recuperar?
Essas premissas, e as conseqüentes ações, apesar de serem importantes, muitas vezes não funcionam em sintonia com o dia-a-dia do brasileiro, ou com os processos dinâmicos que hoje existem, não apenas dentro da natureza, mas também numa economia global. O fato mesmo é que vivemos num mundo globalizado, de mais oportunidades, mas também mais complexo, e com grandes incertezas e vulnerabilidades. Ou seja, será muito difícil conservar ou preservar a natureza num estado único. O argumento desse pequeno artigo é que os desafios da humanidade, em relação com a natureza, se encaixam melhor na adaptação. Uma abordagem que afronta esse desafio se encontra no conceito da resiliência, pouco difundido nos estudos, nas produções acadêmicas, ou nas discussões ambientais no Brasil.
Resiliência
A resiliência pode ser simplesmente definida como a capacidade de um sistema de absorver distúrbios, choques e conseqüentemente manter suas funções e estruturas básicas (Walker & Salt 2006). Essa perspectiva aspira assim, transformar a gestão ambiental convencional, que normalmente busca controlar mudanças, e em vez disso, tenta gerar uma capacidade melhor de acolher as (rápidas como lentas) mudanças dentro dos ecossistemas.
Mas de onde vem esse conceito? O que significa? Em 1973 o ecologista canadense C.S Holling, publicou um artigo denominado “Resilience and stability of ecological systems”. Sua finalidade era criar modelos para entender as mudanças dentro da estrutura e a função dos ecossistemas. O autor conseguiu ilustrar a existência de múltiplos domínios, como também estabilidade, em sistemas naturais e como esses domínios se relacionam com os processos ecológicos, eventos aleatórios (por exemplo, perturbações, queimadas, tempestades) sobre uma larga heterogeneidade de escalas temporais e espaciais. E assim, ao passar do tempo, começou a surgir discussões sobre o problema do ajuste entre sistemas de gestão dos recursos naturais e o comportamento dinâmico dos sistemas ecológicos, criando assim conceitos como múltiplo-estados, umbrais e retroalimentação (Galaz et al 2006). É nesse contexto que surgem os sistemas sócio-ecológicos (SSE), formando um cenário sobre as inter-relações entre a sociedade e a natureza. Para uma visualização mais especifica de um SSE ver figura 1 abaixo:
O fundamento dos SSEs, como dito, encontra-se na resiliência. Um sistema resiliente ilude surpresas indesejáveis, porque tem uma capacidade maior de adaptação. Os umbrais são os níveis em variáveis subjacentes de um sistema, onde as retroalimentações mudam dentro do SSE (Walker & Salt 2006). Um sistema SSE resiliente, porém, é difícil de definir, mas normalmente são criados onde a diversidade em todas as formas (biológica, social, econômica etc.) é promovida; por exemplo, onde a variabilidade ecológica e a biodiversidade são priorizadas, onde existe modularidade como também certo grau de capital social (confiança e reciprocidade entre grupos de interesses e instituições públicas), e onde o gestor ambiental da importância a variáveis lentas que mudam os ecossistemas gradualmente, como também os umbrais de transição e a inovação. Ou seja, para criar resiliência não existe uma fórmula mágica ou uma equação, mas sim, flexibilidade e olhos abertos para as mudanças que vão ocorrendo na paisagem ao passar do tempo (veja figura 2 abaixo).
Um exemplo claro é o projeto do governo federal de transposição do rio São Francisco às bacias do Nordeste Setentrional, com o fim de parar a seca e fomentar a agricultura de grande escala, o desenvolvimento e os interesses políticos em outros Estados. Esse mega-projeto, porém, não leva em consideração a complexidade e o dinamismo socioecológico da bacia do rio São Francisco; como por exemplo, a dependência do rio das nascentes do sistema hidrográfico superficial e subterrâneo, que em si dependem do ciclo hidrológico e o clima. Também não levam em consideração os usuários, como os pequenos pescadores e a população sertaneja, que diretamente dependem da bacia para sua sobrevivência (Lisboa 2006).
Outro exemplo é o caso do bioma da Amazônia brasileira sustentado por injeções de bilhões de reais do governo federal, que visam criar estratégias de conservação, áreas protegidas e leis ambientais etc, apenas para ser dominado pelos interesses agropecuários, pelas madeireiras, pelas hidrelétricas e as multinacionais da área de energia, e caracterizada pelos altos índices de desmatamento, pelas estranhas falhas do IBAMA na fiscalização e pela exclusão dos grupos indígenas e das ONG’s (como foi no caso mais recente da polêmica aprovação da hidrelétrica de Belo Monte) (Fearnside 2008, Pontes Jr 2011).
Em outras palavras, esse modelo de gestão ambiental que predomina no Brasil, que mistura comando e controle com as forças do mercado nacional e internacional, é nada mais que uma otimização de alguns componentes dentro dos SSEs para satisfazer fins exclusivos. O resultado, porém, faz a bacia do São Francisco e o bioma da Amazônia perder resiliência, navegando rumo a novos regimes ecológicos. A única certeza que existe hoje é que esses futuros regimes serão bastante diferentes daqueles que aprendemos a conhecer e queremos conservar.
A busca da resiliência é um grande desafio para os gestores e a sociedade civil no Brasil. Para isso é preciso trabalhar para integrar vários componentes, não apenas satisfazer o interesse dos poucos (seja político, empresário, ambientalista, índio ou uma espécie endêmica). Quando a gestão e a tomada de decisão são compartilhadas, por um grupo diverso (por exemplo, usuários locais do recurso, cientistas, membros da comunidade com conhecimento tradicional, representantes do governo, etc.), o sucesso na implementação dos programas de conservação e preservação ambiental normalmente aumenta.
Porém, esse modelo integrado de gestão é complicado porque tira os privilégios de alguns e tem sido criticado pelos altos custos. Mas como dito no começo, o grande desafio desse século será viver dentro das incertezas, das vulnerabilidades e os riscos. As mudanças globais vão afetar o Brasil, de uma forma ou de outra, seja na economia ou na natureza. Buscar a resiliência se transforma assim numa importante ferramenta, porque ao contrário do modelo de gestão comando e controle, que busca eficiência, otimização e equilíbrio, a resiliência ajuda adaptar-se a mudanças, surpresas não-lineares, fomentando conseqüentemente a inovação e ajudando a moldar a capacidade de aprendizagem dos envolvidos na gestão ambiental. Resta, entretanto ver se a resiliência é uma linha de sabedoria que vai mudar a forma de como os gestores no Brasil confrontam os problemas ambientais, criando formas mais consensuais e aproprias de trabalhar e conservar a natureza.
Referências:
Fearnside, P. M (2008) Amazon Forest maintenance as a source of environmental services. An. Acad. Bras. Ciênc. Vol. 80 no.1 Rio de Janeiro. Mar. 2008
Galaz, V., Hahn, T,. Olsson, P., Folke, C., and Svedin. U. (2007). The problem of fit between ecosystems and governance systems: insights and emerging challenges. In O. Young, L. A. King, and H. Schroeder, editors. The institutional dimensions of global environmental change: principal findings and future directions. MIT Press, Boston, Massachusetts, USA
Holling, C.S. (1973) Resilience and stability of ecological systems. Annual Review of Ecology and Systematic 4, 1-23.
Lisboa, H.A. (2006) O rio São Francisco tem os pés no chão{-Texto apresentado em palestra no III Seminário Internacional de Engenharia de Saúde, realizado pela Fundação Nacional de Saúde, em Fortaleza, em 29 de março de 2006.
Pontes Jr., F (2011) Belo Monte de violências. Violações a lei, ao meio ambiente e ao ser humano na Amazônia. Artigos de Felice Pontes Jr, procurador da República no Para. Disponível em http://belomontedeviolencias.blogspot.com/
Scheffer, M. et al. (2001) Catastrophic shifts in ecosystems. Nature 413,
591–59
Walker, B.H. and Salt, S. (2006) Resilience Thinking: Sustaining Ecosystems and People in a Changing World. 174p. Island Press, Washington, D.C., USA
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