Todos os dias, ambientalistas que atuam no Sul do país tentam fazer barulho com denúncias de desmatamento de áreas nativas de Mata Atlântica. Muitas vezes, os registros são recebidos como banalidades, já que “10 hectares aqui”, “50 ali” não parecem fazer diferença. Mas num país que dizimou mais de 93% desta mata ao longo de 500 anos, eles fazem. E são ainda mais gritantes quando ocorrem sobre as ameaçadíssimas araucárias, que com muito otimismo ainda ocupam 0,4% de suas áreas origianais no sul do país. Em vez do caráter esporádico da exploração de fragmentos tão pequenos e remotos, o Ibama mostrou que, em pleno ano de 2009, o corte de araucárias em áreas nativas está aquecido como nos bons e velhos tempos em que o Brasil sequer tinha legislação ambiental para protegê-las.
Os últimos dias foram típicos. A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) enviou carta ao Ministério Público Federal (MPF) denunciando corte raso em área de floresta com araucária na região de Serra Esperança, no Paraná. Tudo licenciado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP), órgão ligado ao governo estadual. Equipes do Ibama sobrevoaram a área e identificaram atitudes ilícitas, mas precisam checá-las por terra e verificar a validade da cópia da licença citada na denúncia, emitida em favor de Nissei Administradora de Bens Ltda. Segundo o órgão federal, o documento não aparece com número, é como se a licença não existisse.
O IAP justifica a licença chamando a área em questão de reflorestamento. “Também pedimos que o IAP esclareça como um embargo a um desmatamento ilegal sofre um processo de ajuste de conduta e, como resultado, permite-se um novo licenciamento ainda maior, sem nenhuma base legal”, indaga Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS. O ambientalista pede ainda que o MPF investigue todo o processo de autorização de corte de áreas com araucárias dentro do órgão licenciador estadual.
O presidente do IAP, Vitor Hugo Burko, garante que o instituto não licencia corte raso de araucária. “Não estamos autorizando nenhum tipo de supressão florestal, só autorizamos corte de araucárias plantadas, para que não se inviabilizem os plantios”, afirma o presidente, que depois se lembra de outra situação. “Nós permitimos pequenas supressões florestais no caso de interesse público, mas são casos excepcionais”, diz. Segundo Burko, há dois anos ele desmanchou a última quadrilha no Paraná que autorizava supressões irregulares, em Ponta Grossa. “Depois disso, não tivemos mais conhecimento de coisas deste tipo”, atesta o presidente do IAP. A operação que Burko se refere é a que ficou conhecida como “Floresta Negra”, que deixou ambientalistas indignados, pois prendeu Elma Romanó, notória defensora de causas ambientais e ex-chefe do escritório regional do IAP em Ponta Grossa, quem primeiro fez denúncias de irregularidades no órgão estadual.
“Centenas de árvores no chão”
Números da devastação de araucárias
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Em junho deste ano aconteceu a maior operação de fiscalização na Mata Atlântica já realizada no Brasil, deflagrada no Paraná. As imagens dos flagrantes chocaram até o superintendente do Ibama. “Centenas de árvores no chão. Todo mundo derrubando à vontade. Foi difícil de engolir. Constatamos em setembro, novembro, depois em março nossa operação veio a público, e mesmo assim continuaram. As pessoas não acreditaram que haveria uma fiscalização de grande porte em área de araucária, elas não estão acostumadas a isso”, nota José Alvaro Carneiro.
Em uma semana de trabalho, foram apreendidos 80 caminhões carregados com madeira nativa. As irregularidades encontradas em 14 cidades superaram cinco milhões de reais em multas. Serraria móvel, fornos de carvão clandestinos e a prisão do prefeito de General Carneiro, Ivanor Dacheri, do presidente da câmara de vereadores da cidade, José Claudio Maciel e do vice-prefeito de Coronel Domingos Soares, Volnei Barbieri tornaram a operação ainda mais marcante. E isso não foi tudo.
Na época, ficou claro que com ou sem quadrilha que facilite licenças, os documentos continuam sendo usados para mascarar crimes contra as araucárias. “Acontece que a pessoa tem área de reflorestamento com araucárias, consegue a autorização para corte, mas derruba pouco. Guarda o documento e aproveita para derrubar mata nativa e araucárias de grande porte. Quando a fiscalização aparece, mostra a licença autorizando o corte, que na prática não é exatamente o que ela pôs no chão”, explica o superintentente.
Segundo o IAP, esta situação não passa impune. “Temos monitoramento por satélite em todo o estado, o que nos permite identificar o infrator e em no máximo 60 ou 90 dias enviamos nossas equipes para autuá-lo”, responde Burko, que conta com 120 fiscais ambientais e com 700 policiais da Força Verde, da Polícia Militar. O efetivo é insuficiente para fazer frente à crescente demanda. “Nem que tivéssemos 10 mil [fiscais] conseguiríamos estar presentes. Mas considero que estamos com um esquema razoável”, diz Burko.
O compromisso de Requião
As críticas de ambientalistas não recaem sempre sobre desmatamentos em si, mas sobre a capacidade que o estado tem para se estruturar e checar com qualidade as condições das licenças que emite. Na semana passada, outro exemplo. A Justiça Federal em Guarapuava deu ganho de causa a uma ação do Ibama com a ONG Amigos das Águas contra o IAP por desmatamento ilegal de araucárias em Prudentópolis, na região central do Paraná. “O IAP deu autorização para desmate em 30 hectares. A pessoa desmatou 30 mais 185”, diz Carneiro, do Ibama. Em vez de auxiliar na recuperação da área, o IAP preferiu recorrer da decisão.
Na época da operação Augustifolia, deflagrada no final de maio, o estado do Paraná se comprometeu publicamente, com aval do governador Roberto Requião, que todos os Documentos de Origem Florestal (DOFs), as autorizações para transporte, seriam invalidados para uma área de quatro milhões de hectares no centro sul do estado, o equivalente a 20% do Paraná. Foi nesta área que o Ibama identificou os maiores crimes ambientais contra araucárias e, na época, todas as esferas de governo afirmaram que iriam colaborar para a continuidade das ações e investigações. Mas, até hoje, os documentos não foram suspensos. “Neste momento, precisamos mesmo é de atitude em relação às araucárias. Sobrou tão pouco que proteger os últimos fragmentos é questão de atitude”, diz Carneiro.
Diminuição da cobertura vegetal nativa no Paraná
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Nesta semana, o Ibama realiza sobrevoos numa região focal de um milhão de hectares de extensão, onde as ações se concentraram no início do ano. Equipes estão refazendo levantamentos e identificando novas áreas. Quem for visto derrubando vai saber que será alvo. De fevereiro para cá, os desmatamentos ilegais de araucárias sofreram pelo menos um baque e ele veio das grandes empresas. “Vimos que depois das autuações, as empresas maiores diminuíram em cerca de 95% sua atitude ilícita, então neste momento elas não são mais o foco das minhas maiores preocupações”, diz o superintendente do Ibama. Isso tem um motivo, aliás, inovador.
A operação foi integrada entre Ibama, Polícia Federal e Receita. “Para as pessoas que olhavam com deboche para as multas do Ibama, e tinham certeza de que teriam muitos recursos para protelar o pagamento na Justiça, ficou muito mais difícil brigar contra três órgãos federais”, diz Carneiro. Agora, todos sabem que onde existe um delito ambiental, há um crime ambiental e também um crime fiscal. “Mesmo que a pessoa tenha algum receio de pagar a multa do Ibama, estar indiciado em inquéritos da Polícia Federal é chato e ficar na malha fina da Receita é pior ainda”, revela o superintendente do Ibama no Paraná.
Mais unidades de conservação
Depois de muita pressão da sociedade civil, o governo federal criou entre 2005 e 2006 seis unidades de conservação entre Paraná e Santa Catarina para proteger as araucárias. Embora a implementação esteja acontecendo aos poucos, o ritmo é bem mais lento do que a velocidade das ameaças. “A falta de pessoal é geral, mas parcerias com a sociedade civil amenizam essa situação. Um dos papéis da sociedade é ajudar nesses processos”, diz Miriam Prochnow, diretora-executiva da ONG catarinense Apremavi e ambientalista que há anos denuncia agressões às florestas com araucárias.
Uma das suas campanhas mais marcantes foi contra o alagamento de quatro mil hectares de matas nativas para a construção da usina hidrelétrica de Barra Grande, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A lição não foi aprendida. Novas usinas, como a projetada no leito do rio Silveira, em São José dos Ausentes (SC), ameaçam afogar mais fragmentos isolados de araucárias, além de acabar com o famoso Cachoeirão dos Rodrigues.
Segundo a ambientalista, são justamente interesses de novos empreendimentos hidrelétricos que emperram o processo de criação do Refúgio de Vida Silvestre do Tibagi, que deveria proteger outro remanescente importante de araucárias no estado, com 31 mil hectares. “Ainda há muitas áreas importantes que poderiam virar unidades de conservação municipais, estaduais ou reservas particulares”, enumera. Outro caso grave continua sendo o atraso na criação do Refúgio de Vida Silvestre do Rio da Prata, no município de Santa Terezinha, que vem sendo alvo de desmatamentos flagrados em operações da Polícia Federal e do Ibama. Só ali, o Ibama lavrou 65 autos e foram feitos 54 procedimentos de infração criminal pela PF em setembro. Dentro da fazenda Patrolim, local para onde a unidade de conservação está prevista, os agentes encontraram um assentamento ilegal chamado “Nova Esperança” e vários fornos de carvão. Eles lacraram ainda uma serraria e apreendeu nove caminhões, quatro tratores e dezenas de metros cúbicos de madeiras nativas.
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