Rio de Janeiro – O ano era 2003, quando o Brasil vivia uma transição de governo após a primeira vitória do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, que virara presidente, algo inédito no país. O cenário na Amazônia também era de muitas incertezas com taxas galopantes de desmatamento.
Mudava governo e presidente, mas o desmatamento da floresta oscilava sem controle. Até que em 2003, o Governo Federal constituiu o Grupo Permanente de Trabalho Interministerial, por meio do Decreto s/n de 3 de julho, para tentar coordenar ações que pudessem reduzir os índices de desmatamento na Amazônia.
O chamado Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi então colocado em prática, no ano seguinte, num esforço pioneiro para reduzir drasticamente a devastação da maior floresta tropical do mundo com cerca de 5 milhões km² ocupando 60% do território do brasileiro.
O ano em que o Brasil mais desmatou foi em 1995, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando 29.059 km² foram devastados da floresta amazônica no Brasil. A segunda maior alta no desmatamento ocorrera em 2004 atingindo 27.772 km², segundo dados do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE).
Dez anos depois, muita coisa mudou, mas o desmatamento na Amazônia está longe de ser um tema superado explica o engenheiro florestal Marco Lentini, coordenador do Programa Amazônia do WWF-Brasil.
A Iniciativa Amazônia Viva e o WWF-Brasil lançaram em Brasília, nesta segunda-feira, dia 9 de março, publicação “Amazônia Brasileira: desafios para uma efetiva política de combate ao desmatamento” para analisar a experiência brasileira do plano nacional. A ideia era refletir o que deu certo e o que falhou nesta política ao longo de uma década.
“Quisemos explorar o que aprendemos com este histórico e o contexto político que este plano se desenvolveu. Também fazemos recomendações num contexto regional em que outros países da bacia amazônica também possam adotar seus planos nacionais de combate ao desmatamento. Até mesmo os estados da Amazônia Legal podem desenvolver seus planos estaduais”, disse Lentini a ((o))eco.
Em 10 anos, queda de 79% no desmatamento
Desde o lançamento da política nacional, a trajetória foi contínua de redução do desmatamento. Em 2012, a taxa alcançou 4.656 km², a menor já registrada pelo PRODES. Para fins comparativos, do período da redemocratização política no Brasil, em 1988, até o ano de decreto do PPCDAm, 2003, a taxa de devastação da Amazônia nunca foi abaixo de 11 mil km². Considerando o último levantamento, em 2014, a área desmatada foi de 5.848 km², a segunda menor da história. Esse dado, quando comparado ao de 2004, primeiro ano do PPCDAm, demonstra uma redução de 79%.
“Uma das ideias bem sucedidas do plano não foi tratar o desmatamento como um tema ambiental isolado. O plano foi importante para conseguir reduzir as taxas de desmatamento e tem que ser celebrado, mas não é suficiente”, argumentou.
A degradação da floresta ainda não é um tema encerrado e o Brasil figura na lista internacional como um dos grandes desmatadores. Passada uma década do lançamento, apesar do avanço no monitoramento, o PPCDAm falhou no ordenamento territorial, ou seja, na regulação e organização do uso do solo, e tão pouco fomentou atividades produtivas sustentáveis restritas a pequenas escalas.
“O plano teve três eixos e, dois deles andaram muito pouco. Claramente falhou no ordenamento do território e nas atividades sustentáveis. Agora, temos a possibilidade de desenhar políticas a nível estadual e municipal. Precisamos endereçar as falhas que o plano nacional não conseguiu desenvolver adequadamente e que as políticas avancem a nível local”, defendeu.
Por enquanto, alguns estados já demonstram interesse em adotar medidas que possam conter o desmatamento. O coordenador da WWF citou o programa de municípios verdes no Pará, o plano estadual de prevenção ao desmatamento do Amapá que já foi esboçado, além de Amazonas e Acre que também definiram algumas iniciativas.
Desmatamento Líquido Zero
O conceito de Desmatamento e Degradação Líquidos Zero foi recentemente criado e é bastante defendido por organizações ambientalistas como a Rede WWF. Da sigla em inglês, ZNDD (Zero Net Deforestation and Degradation), o conceito permite que ocorra um nível de desmatamento, mas este deve ser pequeno, inevitável e compensado.
Lentini defende que a meta, até 2020, o país alcance o desmatamento zero em termos líquidos. A degradação só deve ser tolerável apenas para assegurar a sobrevivência de populações rurais e tradicionais que vivem nas florestas.
“Estamos longe disso, temos muito trabalho a fazer para tornar esse cenário sustentável à longo prazo. A grande preocupação é que Peru e Bolívia não intensifiquem o desmatamento na bacia amazônica. Se não fizermos nada, a taxa de desmatamento pode disparar e perder o controle. O plano brasileiro tem lições que podem ser aplicadas em outros países amazônicos”, disse.
Brasil, Bolívia e Peru grandes desmatadores
Segundo o informe “Frentes do desmatamento na Região Amazônica” – lançado em dezembro de 2014, na Cúpula dos Povos em Lima, um evento paralelo à conferência oficial das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP-20) – Brasil, Bolívia e Peru juntos respondem por 90% da devastação de toda a Amazônia.
Segundo Cláudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da Rede WWF, enquanto em 2001 o Brasil protagonizou 81% do total da devastação no bioma amazônico, em 2012 o país representou uma queda expressiva ao corresponder 44% do total da área devastada levando em conta os nove países amazônicos. Em muito se deve ao PPCDAm. O Brasil reduziu, mas outros países apresentaram alta.
“O que temos visto é o crescimento do desmatamento em todos os outros países e, de forma muito mais viva, nos andino-amazônicos. É um processo que vem com a agropecuária associada à especulação imobiliária”, explicou Maretti.
Segundo aquele estudo, a redução nas taxas de desmatamento do Brasil não foi suficiente para livrar o bioma da ameaça da perda florestal. No período de 2001 a 2012, a região como um todo perdeu 17.7 milhões de hectares devido ao desmatamento, e o Brasil é o país com o nível mais elevado de perda florestal acumulada na região, até em razão de suas dimensões territoriais.
O bioma compreende 6.7 milhões km² compartilhados por Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e França (Guiana Francesa). Mais de 34 milhões de pessoas vivem no bioma, dos quais, 385 grupos indígenas – destes, ainda 60 permanecem em isolamento voluntário.
A tendência da devastação está subindo os Andes, destacou aquele informe. Os números indicam que a média do desmatamento no Peru é de 8%; Bolívia, 7%; Colômbia, 6%; e Equador, 1%.
Já na ocasião, a Iniciativa Amazônia Viva indicava oito recomendações para coordenar de forma integrada o combate à devastação na região e o principal deles já expressava a meta de zero desmatamento líquido até 2020.
Para Maretti, o combate ao desmatamento na região não deve ser mais promovido de forma isolada e sim, através de políticas integradas. “O Brasil já fez a maior contribuição do mundo em termos de redução do desmatamento. No momento em que estamos lutando para enfrentar as mudanças climáticas, todos os países deveriam se comprometer a diminuir ao máximo o desmatamento em novas áreas e compensar (as áreas degradas) com restauração”, comentou.
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