A BR-163, estrada de terra que corta a Amazônia para ligar Cuiabá (MT) a Santarém (PA), tem um fã-clube. Ele se chama Comitê BR-163 e acha que o asfaltamento da rodovia é “A solução para o Brasil”. Como todo fã-clube que se preze, este também tem uma página na internet, cheia de documentos, mapas, fotos, cartas e tudo o que foi publicado recentemente a favor da obra.
O que mais chama atenção na página inicial é a quantidade e variedade de instituições públicas envolvidas na campanha. Do Ministério dos Transportes ao Programa Fome Zero, passando pelo Exército Brasileiro, a impressão que se tem é que todas as áreas do governo apóiam o asfaltamento da BR-163. O site exibe ainda outros parceiros importantes, como as Confederações Nacionais da Indústria e da Agricultura e Pecuária, e a empresa Cargill, gigante do agronegócio e dona de um complexo portuário em Santarém. Logomarcas de jornais locais mostram que a imprensa também aderiu ao projeto.
Fundado há oito anos por um grupo que se auto-denomina Comitê Central Cuiabá-Santarém, o movimento tem em sua diretoria ruralistas, madeireiros, representantes do Rotary Club, do Lions Club e das prefeituras da região, de olho na expansão do plantio de soja. A BR-163, que começou a ser construída na década de 70, tornou-se um símbolo da nova etapa de desenvolvimento econômico do país, baseado no agronegócio voltado para a exportação. Seu asfaltamento facilitará o escoamento da soja e valorizará as terras no Mato Grosso e no Pará. O Comitê está sediado em Sorriso (MT), cidade-modelo desse tipo de desenvolvimento.
Além de divulgar o ponto de vista do Comitê, o site quer atrair empresários do setor agrícola para colaborarem com a obra, através “da influência política dos seus representantes no Congresso Nacional”, diz a página.
A julgar pelo apoio governamental, a estratégia é um sucesso. A assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome informou que o Fome Zero está relacionado ao Comitê BR-163 porque as cidades próximas à estrada serão beneficiadas com projetos de assistência social. Já a assessoria do Exército informou que a instituição “não patrocina ou dá apoio ao Comitê BR-163, não existindo nenhum vínculo da Força Terrestre com aquela entidade”. Mas o presidente do Comitê, o empresário e madeireiro Jorge Antônio Baldo, explica que a presença da logomarca oficial do Exército no site se deve ao “bom relacionamento” que ele mantém com membros da instituição no Mato Grosso.
Baldo reproduz no site uma carta que enviou ao general Italo Fortes Avena, diretor de Obras de Cooperação do Departamento de Engenharia e Construção do Exército, solicitando a participação de 11 Batalhões de Engenharia na recuperação da BR-163. “Sempre defendemos a presença do Exército na obra, pois entendemos ser a única forma de otimizar a utilização desta rodovia, com baixo custo (…) o combustível, a Petrobrás, que é nossa, deve disponibilizar”. Em resposta à carta, o general diz concordar que a obra deve ser entregue ao Exército. A troca de correspondências aconteceu em março de 2004.
Há outras cartas curiosas a favor do asfaltamento. Entre elas, uma do Gabinete Pessoal da Presidência da República direcionada ao presidente do Comitê: “O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradece os comentários e pede-lhe para continuar participando cada vez mais da construção do país com que todos sonhamos”. Aliás, há citações de Lula e elogios ao seu governo na primeira página do site.
Um mapa ilustra bem a transformação econômica esperada pelo Comitê, uma vez concluída a obra. Ele mostra, numa espécie de “antes e depois”, a atual área de produção agrícola e a área estimada para o ano de 2.010, em caso de conclusão do “corredor de integração Cuiabá-Santarém”. Se a previsão do mapa estiver correta, no futuro próximo o cultivo de soja estará disseminado em mais da metade do estado do Mato Grosso e mais de um terço do Pará, às custas de vastas áreas da Amazônia atualmente protegidas. Segundo Jorge Antonio Baldo, o mapa é “um pouco exagerado” e está lá apenas para ilustrar o projeto. O plano seria expandir as plantações de soja até 10 quilômetros de distância das margens da rodovia, como defende o governo federal. Ele afirma que essa área já está desmatada.
A questão ambiental não é ignorada pelo Comitê, que expõe documentos de audiências públicas realizadas na região sobre as conseqüências ambientais da pavimentação da BR-163 e correspondências trocadas com diretores de organizações como World Wildlife Foundation (WWF) e The Nature Conservancy. O Comitê incentiva a criação de Parques Ecológicos Municipais em regiões onde há forte presença da agricultura mecanizada.
Ao fim da visita, o saldo é a constatação de como a soja unifica interesses no país. Sustentados por considerável força política e econômica, diversos setores da sociedade não querem ficar de fora da chegada do grão à Amazônia. Devidamente asfaltada.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →