A Colônia de Pesca de Duque de Caxias e o Movimento Baía Viva protocolaram há um mês, na Procuradoria Regional da República da Segunda Região, em São João de Meriti, uma Representação contra a Braskem, uma das principais empresas do setor petroquímico mundial com unidades no Brasil, dentre as quais, as instalações localizadas no polo petroquímico de Campos Elíseos, Duque de Caxias, alvos das denúncias. O pedido de investigação ao Ministério Público Federal (MPF) teve como principal alegação que potenciais impactos ambientais poderiam estar sendo causados por essa planta da Baixada Fluminense.
Imagens captadas pelas organizações denunciantes ilustram a presença de microplásticos, semelhantes aos produzidos pela fabricante, no entorno da sua planta industrial. As queixas também envolvem forte odor, além de acúmulo de resíduos espumosos observados em corpos d’água nas imediações das instalações que desembocam no Rio Estrela e, posteriormente, desaguam na Baía de Guanabara. Denúncia semelhante contra a empresa já havia sido protocolada no MPF, pelos mesmos movimentos sociais, em agosto de 2019.
José Luiz de Oliveira Pinheiro Lima, advogado da Colônia de Pesca de Duque de Caxias, explica que a proximidade geográfica das instalações da empresa da área onde foi identificada a presença de microplásticos, além da semelhança entre esse tipo de resíduo e os produtos fabricados pela empresa, levantaram a suspeita sobre a potencial origem da poluição. “São bolinhas que se parecem com pedaços de isopor esfarelado”, compara. “Já fizemos tudo o que foi possível até agora. Coletamos provas e levamos ao Ministério Público Federal que tem capacidade técnica e força institucional para fazer as investigações necessárias ao esclarecimento deste caso”, acrescenta. Ele adiantou que foi aberto um inquérito civil para apurar as denúncias encaminhadas.
“É uma contradição muito grande que uma empresa do porte da Braskem, uma das principais fabricantes do ramo petroquímico global, com um forte discurso de engajamento pela sustentabilidade planetária, esteja provocando risco ambiental em um território já tão marcado pela degradação da natureza e pela pobreza dos seus pescadores”, afirma o ecologista Sérgio Ricardo de Lima, co-fundador do Movimento Baía Viva.
O ecologista reafirmou a questão da proximidade dos problemas observados da área onde se localizam as instalações da fabricante. “Além de sentirmos um forte odor, percebemos grande quantidade de espuma nas águas e a presença de pelotas de plástico em um local onde a empresa opera sozinha. As imagens falam por si e temos esperança de uma ação firme do MPF para esclarecer esse caso”, observa.
“Esperamos que o Ministério Público Federal solicite uma visita técnica urgentemente porque a situação está crítica no entorno da unidade da Braskem”, afirma o presidente da Colônia de Pesca de Duque de Caxias, Gilciney Lopes Gomes. “Precisamos também de uma avaliação da qualidade do ar. O odor é sentido de longe. Muita gente passa mal”, acrescenta.
Com intenso engajamento na defesa dos manguezais e dos rios que desaguam na Baía de Guanabara, o presidente da Colônia de Pesca tem registrado cotidianamente imagens com situações de degradação ambiental na sua área de atuação. Diante do cenário, ele tem denunciado a impossibilidade de se manter economicamente como pescador, profissão que exerce há 40 anos. Grande parte das denúncias apresentadas tem se transformado em ações civis públicas e repercutido na mídia.
Enquanto responsabilidades são apuradas e se delongam as ações judiciais em curso, em vez de peixes, Gomes passou a recolher materiais recicláveis descartados nas águas e mangues do seu entorno para garantir o sustento familiar. Segundo relata, outros colegas enfrentam a mesma limitação de sobrevivência da pesca, além de temerem por riscos de contaminação do pescado e enfrentarem inúmeros problemas de saúde que correlacionam às diversas fontes de poluição que afetam a Baía de Guanabara.
Morador da vizinhança afirma que sente impactos da poluição industrial
Em relato à reportagem de ((o))eco, em condição de anonimato, um morador da região onde estão localizadas as instalações da Braskem afirmou que a sua casa é frequentemente coberta por uma poeira amarelada que também pode ser percebida em passarelas e escadas nas proximidades da fábrica. “Até os vidros das janelas ficam amarelados também. Temos que limpar tudo constantemente”, ressalta.
Além de reclamar de dores de cabeça e náuseas frequentes que associa ao odor que exala das instalações industriais, o morador conta que já desmaiou em uma tentativa de entrar por “uma vala” próxima à empresa para tentar identificar o que para ele seriam fontes de poluição mais visíveis. “Às vezes, à noite, a gente vê uma fumaça preta com língua de fogo. É preciso que haja uma investigação séria por água, terra e ar nessa área ocupada pela Braskem”, denuncia. Ele acrescenta que a empresa já argumentou em conversas com moradores da região que não lança resíduos nas águas, mas que nos fundos da fábrica é possível observar descarte de efluentes.
Ainda segundo o morador que também atua como pescador há 15 anos, várias gerações de famílias do entorno da Baía de Guanabara sentem os impactos gradativos da poluição industrial e de outras fontes de degradação ambiental que afetam os seus rios e manguezais. “O pescado desapareceu e quase já não existe mais caranguejo. A situação é triste. Há alguns anos a gente saía pra pescar e voltava com 200 ou 300 quilos de peixe. Agora, em dias de sorte, se consegue seis quilos”, lamenta.
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Braskem, no Rio de Janeiro, solicitando um posicionamento da empresa sobre as denúncias apresentadas, mas até o fechamento desta edição não houve retorno a essa demanda.
Atualização
Posteriormente à publicação da reportagem, por intermédio de sua assessoria de imprensa, a Braskem informou que “tomou conhecimento da denúncia realizada por suposto descarte de material plástico no Rio Estrela”. No entanto, ressalta que “realizou apurações internas e foi acompanhada in loco pelo órgão ambiental competente, tendo este se manifestado no sentido da não evidência de possibilidade da ocorrência de descarte de material plástico granulado pelas águas pluviais ou pelos efluentes industriais lançados pela empresa, tendo em vista que o sistema de tratamento, separação, gestão interna de resíduos e as barreiras existentes nas canaletas de água pluvial e no pátio externo impediriam a passagem ao canal receptor”.
Ainda de acordo com o posicionamento encaminhado à reportagem, a empresa “mantém vistorias periódicas e está em constante contato com as autoridades fiscalizadoras e com a comunidade, reforçando seu compromisso com o meio ambiente seguro e equilibrado”.
Inea afirma que não identificou irregularidades em vistoria para renovação de licença de operação
Em resposta aos questionamentos apresentados pela reportagem, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que vistoriou as instalações Braskem, em Duque de Caxias, em julho, para avaliar o requerimento de renovação de licença de operação da empresa, “com foco na geração dos efluentes líquidos relativos à produção de polietileno e os respectivos sistemas de drenagem e de tratamento destas unidades”. Esse pedido de renovação da licença ambiental ainda está em análise pelo órgão ambiental estadual.
“Durante a fiscalização, não foi verificada irregularidade na operação de sua Estação de Tratamento de Efluentes Industriais (ETDI), que deságua no Canal do Coelho, e em seguida no Rio Estrela e, por conseguinte, na Baía de Guanabara”, afirmou o Inea.
Quanto à denúncia de lançamento de microplásticos, o órgão ambiental esclareceu que, “com base nas evidências desta vistoria, não foi observada a presença desses resíduos nas canaletas de drenagem da empresa, bem como na ETDI, que pudessem sugerir possíveis contaminações no corpo hídrico que margeia o referido empreendimento”. Nova vistoria está nos planos do Inea.
Quanto à qualidade do ar no entorno do polo petroquímico de Duque de Caxias, o órgão ambiental estadual informou que as ações de monitoramento são realizadas “por meio de seis estações automáticas aptas a realizar medições horárias das concentrações de material particulado em suspensão na atmosfera”. Gases e parâmetros meteorológicos também são monitorados.
Outras três estações semiautomáticas de monitoramento, operadas e mantidas pelo Inea, medem a concentração de material particulado a cada seis dias, durante um período de 24 horas. Os resultados desse monitoramento estão disponíveis no portal do instituto.
Quanto às condições ambientais da Baía de Guanabara, foi informado que 21 pontos são monitorados “para a análise de 20 parâmetros”, estando os resultados também disponíveis para consulta no portal .
“A classificação da qualidade de água expressa nos boletins, onde constam os resultados do monitoramento do espelho d’água da Baía de Guanabara foram retratados por meio da aplicação do Índice de Qualidade de Água Canadense (IQACCME), que consolida em um único valor os resultados dos parâmetros Oxigênio Dissolvido (OD), Fósforo Total (PT), Nitrogênio Amoniacal Total (NH4), Nitrogênio Nitrito (NO2), Nitrogênio Nitrato (NO3), Potencial Hidrogeniônico (pH), Coliformes Termotolerantes e Fitoplâncton”, esclarece o Inea.
*Editado às 16h51, do dia 13/09/2021, para acrescentar a posição da Braskem.
Leia também
MPF apura novas denúncias de degradação ambiental no entorno do antigo aterro de Gramacho
Pescadores e ambientalistas afirmam que chorume sem tratamento continua vazando para a Baía de Guanabara e causando o desaparecimento de peixes e caranguejos →
MP quer transparência sobre qualidade da água distribuída no Rio
Ministério Público do Rio de Janeiro vistoria a Estação do Guandu e recomenda divulgação das informações sobre a água distribuída à população →
MPF propõe ação penal contra gestora do antigo aterro de Gramacho
Gás Verde é acusada de crime ambiental por vazamentos de chorume nos manguezais do entorno do empreendimento, localizado na Baía de Guabanara. Denúncia de pescadores motivou a ação →