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Contando pintas

O método de armadilhas fotográficas parece ser a solução para estimar o número de onças pintadas no país. Falta a iniciativa de mais projetos em seus habitats.

Maria Beatriz Mussnich Pedroso ·
11 de fevereiro de 2005 · 19 anos atrás

O Brasil não tem a menor idéia de quantas onças pintadas existem no que ainda lhe resta de florestas. Mas um dia vai ter. O primeiro passo já começou a ser dado, graças à utilização de “armadilhas fotográficas” capazes de monitorar as áreas onde há indícios do felino registrando suas diferenças individuais.

Essa técnica, criada por um indiano para estudar os tigres em seu país, passou a ser utilizada no Brasil no final da década de 90. Diversas câmeras fotográficas são espalhadas no campo e disparam automaticamente quando passa um animal. As fotografias são eficazes para determinar a quantidade de onças em uma área entre 22 e 150 km2, dependendo de sua região geográfica, idade e sexo, e da disponibilidade de presas. As onças são diferenciadas umas das outras por terem padrões distintos de pelagem.

Em 2002, o Fundo para a Conservação da Onça Pintada (Jaguar Conservation Found) começou a fazer o monitoramento fotográfico desses animais nos estados de Goiás, Tocantins e Mato Grosso do Sul. Até agora foram identificadas um total de 39 onças, no Parque Estadual do Cantão (TO), no Parque Nacional das Emas (GO) e em quatro fazendas pantaneiras. A Pró-Carnívoros é outra ONG que vem aplicando o método há cerca de dois anos para estudar onças no Pantanal e no Centro-Oeste, mas ainda não tem dados consolidados a apresentar.

O primeiro projeto para conservação da onça pintada no Brasil foi criado por Peter Crawshaw, em 1970, com a utilização da “rádio-telemetria”. A técnica consiste em
monitorar a movimentação dos animais através de sinais de rádio emitidos por um colar. O problema é capturá-las. Biólogos, veterinários e pesquisadores percorrem as áreas de seu habitat natural com o auxílio de cães treinados, e lançam dardos anestésicos para imobilizá-las. Os colares enviam sinais para receptores na terra, num barco ou num avião. O receptor aéreo é utilizado apenas em regiões com vegetação densa, onde os sinais não pegam por terra. A rádio-telemetria requer equipamentos caros e um grande esforço de monitoramento. Hoje em dia existe a telemetria por sinais por satélite (GPS), muito mais precisa e cara.

Apesar de também serem caras, as armadilhas fotográficas são mais fáceis de instalar e monitorar, e têm a vantagem de possibilitar o cálculo do número de animais presentes na área. As pesquisas no Brasil vêm utilizando as duas técnicas de forma complementar, inclusive no estudo de outros animais em extinção, como o cachorro-do-mato, o gato-do-mato e o lobo-guará. Mas a onça, a jaguatirica, tigres e leopardos têm uma vantagem: são os únicos felinos que podem ser individualizados pelas imagens, por possuírem pintas de diferentes tamanhos e formas.

As onças pintadas já habitaram do sudoeste dos Estados Unidos até o norte da Argentina. Atualmente, estão restritas a países da América Central e América do Sul. No Brasil, estão presentes na região Norte até o leste do Maranhão, em partes do Cerrado, no Pantanal e em algumas áreas de Mata Atlântica nas regiões Sudeste e Sul. Segundo Rogério Cunha, pesquisador da Pró-Carnívoros, no final deste ano será feita uma reunião com biólogos e pesquisadores de todos os estados do país para saber onde já foram avistadas onças. Ainda não será possível estimar a quantidade existente no Brasil, até porque não existe nenhum projeto de monitoramento da espécie na Amazônia, a região onde elas mais se concentram. Pesquisar nosso maior predador na floresta amazônica é uma tarefa árdua, pelas dificuldades de acesso e pelos riscos envolvidos. Rogério Cunha acrescenta que não existem fazendas na região com estrutura para dar suporte a um trabalho do gênero.

Vencidos esses obstáculos, a expectativa é que, no longo prazo, as pesquisas com armadilhas fotográficas permitam um levantamento mais preciso da população de onças pintadas no país, para definir estratégias específicas para a sua proteção, como a criação de unidades de conservação.

Os pesquisadores são unânimes ao afirmar que o animal corre risco devido à destruição de seus habitats. “São animais muito sensíveis às atividades humanas”, explica Rogério. O progressivo desaparecimento da onça pintada no país está associado aos impactos ambientais causados principalmente pela expansão agropecuária e pela construção de estradas e hidrelétricas.

Para minimizar o conflito entre o homem e a onça, o Fundo para a Conservação da Onça Pintada criou o projeto “Onça Social”, que avalia o impacto econômico da predação de gado pelas onças pintadas e pardas em fazendas do Pantanal. O objetivo é estabelecer áreas naturais protegidas para as onças dentro das propriedades privadas. Para ganhar apoio ao projeto, a ONG está ressarcindo os fazendeiros pelas cabeças de gado perdidas. Até agora já foram 62. Originalmente a vaca não faz parte da dieta alimentar das onças, composta de capivaras, queixadas, catetos, veados e tatus. No entanto, as alterações no ambiente estão diminuindo a quantidade dessas presas em certos lugares, o que faz faltar alimento para o maior felino do continente americano, com peso que pode variar de 35 a 130 quilos. O projeto também incentiva o ecoturismo nas fazendas para compensar o gasto com a perda do rebanho.

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