Reportagens

Chumbo amigo

Adrianópolis ficou marcada por um dos maiores casos de contaminação por resíduos tóxicos no Paraná. Acusação vazia: não há nem sombra de intoxicação na cidade.

Renan Antunes de Oliveira ·
15 de abril de 2005 · 20 anos atrás


Adrianópolis? O nome deste lugar perdido na parte mais inacessível do Vale da Ribeira, na divisa com São Paulo, foi uma homenagem feita a si mesmo pelo obscuro garimpeiro Adriano Seabra da Fonseca. Desconhecido para os livros de história e para o Google, ele foi o primeiro naqueles grotões, onde abriu minas de ouro e prata, em 1930.

Diz a lenda que as minas produziram US$ 226,8 milhões em 60 anos rasgando as montanhas do lugar. Se é verdade, a cidade nunca recebeu um tostão de royalties. Os mais antigos dizem que ela era pequena mas feliz, pelo menos enquanto durou a mineração. Na década de 50 seu Adriano vendeu tudo para uma multinacional francesa e sumiu. Quando o negócio começou a render pouco os franceses passaram o mico para brasileiros e se mandaram para Paris.


É só por causa do chumbo desta montanha que Adrianópolis está no radar da parte da sociedade ecologicamente correta. Todos se preocupam porque uma pessoa pode morrer se engolir grandes quantidades de chumbo – embora as mortes sejam raras porque quando isso acontece os sintomas são muitos e fáceis de identificar. A intoxicação tem tratamento e é eliminada do organismo em algumas semanas, sem deixar seqüelas.

Em 2001, Adrianópolis estava ambientalmente ferida e economicamente estagnada, esquecida no seu canto do Vale. Nem estrada para a capital ela tinha – o trajeto de 120 quilômetros levava seis horas, buraqueira acima. Sem trabalho, muita gente se mandou e os que ficaram resistiam fazendo bicos na lavoura.

A cidade entrou definitivamente para o mapa do Paraná naquele ano, por obra do vereador Jipinho. Comerciante de móveis usados na cidade, ele convocou jornalistas de todo o Brasil para anunciar uma preocupação legítima e sua grande descoberta: “Centenas de pessoas estão intoxicadas por chumbo e dezenas já morreram”. O homem indicou até a existência de um cemitério clandestino dentro das minas, onde estariam as vítimas. Jipinho pediu caminhões – e estradas – às autoridades para a imediata remoção daquela ameaça aos seus concidadãos e eleitores.


Como anemia é um dos primeiros sintomas da intoxicação, a descoberta transformou Adrianópolis na Chernobyl do Paraná. A tese de Jipinho parecia estar confirmada. Nos primeiros dias as autoridades chegaram a pensar na exumação de cadáveres. A operação só não saiu porque ninguém conseguiu indicar o local exato onde a mineradora Plumbum – este o nome da maldita – teria enterrado os mineiros mortos durante as décadas de exploração.

Em 15 dias o drama virou farsa. A Secretaria da Saúde do Paraná examinou o sangue de quase 600 pessoas, concluindo que as crianças anêmicas sofriam era de desnutrição. Ao invés de mandar tirar o rejeito da cidade, o governo enviou cestas-básicas, recuperando os doentes.

Quem chefiou a Operação Chumbo foi o sanitarista Natal Jataí de Camargo, um técnico que passou por governos de diferentes partidos sem abandonar suas funções na Secretaria de Saúde. Nenhuma morte de intoxicação por chumbo foi comprovada em Adrianópolis, na Vila Mota ou nas cidades ribeirinhas do Vale, para onde o chumbo era levado pelas chuvas.

“Testamos todos que tiveram queixas no Hospital de Clínicas de Curitiba, examinamos alimentos, o resultado foi zero mortes”, disse Natal na sexta-feira, dia 15, às 6h, tirado da cama para resolver esta dúvida do O Eco. “Não adianta eu explicar. Faço isso há anos, mas a teoria do chumbo matando ainda é defendida por muita gente desinformada”, resumiu, antes de voltar a dormir.

A Unicamp, que no primeiro momento (2001) tinha tomado o lado das “vítimas intoxicadas”, fez um estudo de longo prazo, encerrado em março de 2004. Seus pesquisadores recolheram amostras da grama supostamente contaminada que o gado comia (o pátio da mina tem um pasto enorme), do leite do gado que comia a grama com chumbo, dos ovos de galinhas que ciscavam no pedaço, das plantações de mandioca expostas às nuvens de chumbo levantadas com a poeira da estrada.

Os cálculos indicaram que para ficar intoxicada uma pessoa precisaria comer 30 quilos de mandioca por semana, beber 60 litros de leite por mês e traçar uma omelete com 1.200 ovos. Especialistas americanos foram consultados sobre a montanha negra da Vila Mota. A conclusão: para fazer mal, seria preciso que alguém comesse uma xícara grande do material, de colherinha.

Todos concedem que a existência de partículas quase microscópicas de chumbo estão na poeira da estrada ao lado do depósito. E que ela se deposita na traquéia das pessoas que passam ali na hora em que um carro levanta uma nuvem – mas nada que uma boa tossida não resolva.

Se o anúncio da ameaça foi feito em rede nacional de televisão, a conclusão dos estudos nunca foi suficientemente divulgada. Vira e mexe alguém ouve falar no caso, bebe em antigas fontes de notícias disponíveis na Internet e renova o aviso aos navegantes: em Adrianópolis, Paraná, o chumbo está matando uma população de pobres mineiros abandonados por governantes insensíveis.


A polêmica do chumbo esteve para ser sepultada na primeira semana deste mês. O IAP aprovou um plano da mineradora de construir um aterro sanitário, cercado por caixas de concreto, para impedir que vento e chuva dispersem a escória. Mas aí foi a vez do prefeito Osmar Maia dizer não.

O homem explica sua decisão com jeito de caipira desconfiado, ar bonachão, sorriso sempre aberto: “Óia, eu num sei como está esse negócio, enrolado na Justiça, aí tem coisa. Se eu me meter posso perjudicar a cidade, preciso examinar com mais carma. Imagina se eu autorizo a obra e despois descobrem alguma coisa?”.

O prefeito rolou a bola pra frente porque sabe que o povão não se importa com o tema. Numa enquetezinha se nota que ele já enjoou do assunto e não tem mais medo, como teve uma vez. No posto de saúde, o médico não tem nenhum chumbado entre seus pacientes. Na Vila Mota, as crianças continuam indo à escola passando pela montanha, traquéias abertas. A Vila cresceu mesmo na miséria, abriu um supermercado no pedaço. O dono do super está namorando a filha da professora, uma loira bonita que quer estudar teatro em Curitiba.

Jipinho? Não é mais vereador, mas já resolveu o seu problema: arrendou a loja de usados para um primo e se mudou para a capital. Olhando bem, a própria cidade está se ajeitando. Já tem Internet na prefeitura e no banco. Do outro lado da estrada do rio tem muita lavoura de banana, bastante verde. E o asfalto está a 30 km da entrada, deve ficar pronto em dezembro. Aí pode ser que Adrianópolis entre de vez na era moderna – deixando para trás seus dias de chumbo.

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Comentários 1

  1. APARECIDO M LIMA diz:

    GOSTARIA DE SABER COMO FICOU A NOSSA SITUAÇÃO DEPOIS DE MEU PAI TRABALHAR 15 ANOS NESTA EMPRESA ELE SE FOI COM PROBLEMAS DE SAUDE HOUVE UM TEMPO QUE PEDIRAM PAPEIS E DOCUMENTO ]PARA FAZER UM AJUSTE A VIDA DAS FAMÍLIA QUE MORAVAM NO VILAREJO MAIS DEPOIS ATE HOJE NÃO TIVEMOS AUXILIO DE NADA ALGUÉM PODE ME AJUDAR NESTA QUESTÃO.
    MORO EM IPORANGA MEU CONTATO E 015 35561138 CELULAR 15 996512519 E MEU ZAP TAMBEM
    EU SOU APARECIDO MOURA LIMA FILHO DO QDORICO ALVES DE LIMA TRABALHADOR DE MARTELETEIRO DAS MINAS DE CHUMBO DA BLUMBUM