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Nepotismo ambiental

O desmatamento de uma área verde em um rochedo no litoral de Florianópolis chamou a atenção do Ibama. A obra era para construir a casa do irmão do prefeito.

Carla Lins ·
29 de abril de 2005 · 19 anos atrás

Seu Dilmo Vanderley parecia ser um típico cidadão manezinho do litoral florianopolitano. Comprou um terreno grande em Coqueiros, entre as praias da Saudade e do Meio. Conseguiu um alvará da prefeitura e começou a construir sua casinha. Quando os vizinhos se deram conta era tarde: ele tinha invadido o promontório da praia, uma área de preservação composta de morros e pedras, para construir uma mansão na qual caberiam dentro 20 apartamentos quarto e sala.

Fotos áreas feitas em 2002 mostram que o local era totalmente verde. Em 2004, já na era Dilmo, nota-se que uma motosserra passou por ali. Agora não se precisa de fotos para notar que o cantinho verde virou um canteiro de obras de puro concreto.

O Ibama veio, viu e embargou a obra faraônica. Os fiscais constataram que as fundações da mansão detonariam o rochedo. Multa lavrada e processo iniciado, os fiscais esperavam uma resolução simples para o caso. Mas aí descobriu-se que seu Dilmo é menos comum do que os vizinhos: trata-se de ninguém menos do que o irmão do prefeito de Florianópolis, Dario Berger.

No primeiro momento seu Dilmo se recusou a cumprir o embargo, exibindo a licença de um órgão da prefeitura administrada pelo irmão. A recusa fez o caso ser observado com lupa pelos adversários do prefeito. Descobriu-se que seu Dilmo registrou o terreno de 4.489 metros quadrados, quase 10 vezes o lote comum da região, pelo valor de apenas 50 mil reais. O que poderia ser um expediente comum para pagar menos impostos na transação passou a ser visto como uma maracutaia das grandes, lesando o município. Se registrado por seu valor real, técnicos da Secretaria da Fazenda calculam que seu Dilmo deveria pagar 16 mil reais de IPTU. Hoje paga 10% disso.

A briga que até então estava no campo ambiental e pulando para o financeiro, entrou no jurídico: o Ibama questionou o alvará porque ele fere o artigo 21 do Plano Diretor da cidade, que considera o local como área de preservação permanente: “Nunca o alvará poderia ter sido dado, porque ali é uma área de Marinha”, garante Marcelo Kammers, chefe da fiscalização do Ibama.

E aí chegaram os políticos. O alvará fora emitido pela Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), órgão administrado por aliados do prefeito. A senadora Ideli Salvati e o deputado federal Mauro Passos, ambos do PT, não gostaram. Eles entraram com uma representação no Ministério Público no início de março pedindo o cumprimento do embargo, considerando que a construção é crime ambiental.

Ideli e Passos também pediram a tradicional “punição para os responsáveis”. Mais ações políticas: o deputado Afrânio Boppré (PT) montou uma exposição em praça pública para denunciar o crime ambiental no promontório. A turma do lado do irmão do prefeito pediu uma audiência pública com os órgãos ambientais – uma manobra que pode jogar a solução para depois que os operários botarem a cumeeira na mansão.

O Ibama está irredutível: a construção está no lugar errado, foi embargada e a parte já pronta deve ser derrubada. Juntamente com representação apresentada à promotoria pelos políticos, o IBAMA elaborou um relatório, assinado pelo analista ambiental Kleber Isaac Silva de Souza, com sugestões do que se deve fazer para devolver à área suas características originais.

E seu Dilmo nisso tudo? Nem aí. Ele tinha prazo até o fim de abril para dar alguma explicação ao Ministério Público, mas o último dia passou e nada. O promontório continua tomado. Os operários sumiram, mas a obra continua lá, ameaçadora – no primeiro vacilo da vigilância as estacas vão subir.

* Carla Lins tem 21 anos e é recém-formada jornalista em Florianópolis.

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