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Em São Paulo, árvores que atrapalham a visão de outdoors são podadas sem autorização da Prefeitura. Ninguém assume a autoria do atentado publicitário.

Luiz Ferreira ·
20 de maio de 2005 · 19 anos atrás

A promoção do magazine estampa o valorizado espaço publicitário entre as avenidas Nações Unidas, Juscelino Kubitscheck e Chedid Jafet, em São Paulo. No outdoor, que ocupa uma área de aproximadamente 200 metros, as únicas cores permitidas são o vermelho e o branco, das Lojas Renner. Azar das 16 árvores habitantes da calçada em frente ao painel publicitário, todas misteriosamente podadas nos últimos dias.

Os moradores e freqüentadores da região estão inconformados com a situação, entre eles o engenheiro Luiz Roberto Tognini: “Primeiro poluem a nossa visão, depois acabam com as belezas naturais que apreciamos”.

Numa avenida marcada pela cobertura vegetal em toda sua extensão, apenas as árvores em frente ao painel e mais três, localizadas dentro do terreno onde está fixado o outdoor, mas que também obstruíam a visão do painel, tiveram suas copas aparadas. O corte ocorreu na altura exata para que a vegetação não atrapalhe a visão de quem observa a bela propaganda da loja de departamentos. No resto da Avenida JK a vegetação não sofreu nenhum abalo.

A agrônoma da Subprefeitura de Pinheiros, Rosa Maria Menegali, explica que o órgão não autorizou o corte, conforme exige a lei: “A lei municipal 10.365, de 1987, obriga que qualquer manejo (corte ou poda) de árvore, dentro do Município de São Paulo, precisa ser autorizado pela Prefeitura. No caso de alguma irregularidade ou poda indiscriminada o infrator está sujeito a multa”.

As multas são calculadas em UFM (Unidade Fiscal do Município), cada uma cotada hoje em R$ 76,80. No caso de punição, é aplicada uma pena que varia de 1 a 12 UFM, dependendo do tipo de irregularidade ocorrida. Para o cálculo analisa-se a quantidade de árvores abatidas e seu DAP – Diâmetro do Caule à Altura do Peito.

Um comunicado da gerente geral de Propaganda e Produção da Renner, Rosele Sanchotene, publicado no site Blue Bus, explica que a referida poda não foi, em hipótese alguma, iniciativa da loja: “A Renner não fez, tampouco, qualquer solicitação desse gênero aos responsáveis pela locação do painel”, diz a nota.

Por sua vez, a Agência Mídia, empresa responsável pela comercialização do espaço publicitário, afirma em comunicado oficial, publicado no mesmo site, desconhecer os culpados: “Vimos informar que a Agência Mídia, empresa detentora do painel publicitário citado, não é responsável pela referida poda e, em momento algum, este assunto foi solicitado ou questionado pelo nosso cliente Renner. A intenção da Agência Midia é proporcionar ao cidadão, durante o período de determinada construção, uma melhoria do aspecto visual, entendendo que uma propaganda deste porte é mais bem vista do que uma obra inacabada”. E finaliza: “Este fato está sendo apurado”.

A pessoa que se sentir lesada pela poda da árvore pode acionar o Ministério Público Estadual a fim de buscar os seus direitos, como explica o Promotor de Justiça do Meio Ambiente Luis Roberto Proença: “O procedimento legal é que o cidadão relate o fato para a Promotoria, especificando os danos ambientais e indicando o local onde ocorreu. Assim poderemos tomar as devidas providências”.

Essa não é a primeira notícia de “poda publicitária” na região, uma das mais valorizadas da cidade. “Na mesma semana, ocorreu um caso semelhante em frente a outro outdoor, localizado no cruzamento da avenida Roberto Marinho com rua Guaraiúva. No local foram podadas 10 árvores”, conta Rosa Maria Menegali.

A poda só é permitida quando feita por funcionários autorizados da prefeitura ou de empresas concessionárias de serviços públicos, como a Eletropaulo, por exemplo. Nesse caso, é acompanhada por engenheiro agrônomo da Prefeitura.

Uma vez que as empresas responsáveis pela publicidade desconhecem o autor do delito, o jornalista Thiago Gonçalves da Luz considera a hipótese de ter havido uma auto-poda. Em e-mail enviado ao site Blue Bus, explica o que seria isso: “Um comportamento autodestrutivo que as árvores desenvolveram especialmente nos habitats onde são consideradas um estorvo. Comportamento similar no gênero humano é o ato de cortar os pulsos, embora até hoje não haja registro de alguém que tenha cortado os pulsos por estar atrapalhando a visão de um painel publicitário. Já as árvores têm se mostrado bem mais sensíveis aos problemas da mídia”.

Na própria avenida Juscelino Kubitschek, há outros outdoors parcialmente obstruídos por árvores que impedem a visualização da propaganda, mas ainda não ocorreu nenhuma misteriosa poda ou auto-poda. Caso algum morador observe uma degradação da natureza em qualquer área da cidade deve denunciar à Prefeitura. Se o infrator for pego em flagrante fica sujeito às penas da lei, correndo o risco de ser enquadrado no artigo 49 da lei federal 9.605, que prevê desde multa até reclusão de 3 meses a 1 ano.

* Luiz Ferreira é repórter em São Paulo, especializado em temas ambientais e sociais.

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