Órgãos governamentais, entidades civis e empresários construíram propostas e compram terras para conectar ambientes preservados desde o Pantanal. As medidas almejam fortalecer a circulação de variados animais e o próprio bioma frente aos impactos do avanço do agronegócio e da crise climática mundial.
A fragmentação de florestas, cerrados e outras formações tornou os corredores ecológicos ferramentas cruciais à conservação da natureza. Eles unem porções de vegetação apartadas por estradas, lavouras e desmate. Assim, os animais podem perambular, se alimentar e reproduzir, mantendo a saúde natural dos ambientes.
Alinhada a esse roteiro, uma proposta inédita publicada em dezembro traz grandes vias para a biodiversidade do Pantanal e biomas próximos. As rotas interligam parcelas com mais de 500 hectares em áreas públicas e privadas, terras indígenas, parques e outras unidades de conservação, no Brasil e no limite do Paraguai e da Bolívia.
“Os corredores na parte alta da Bacia do rio Paraguai se antecipam a impactos como da crescente conversão de pastagens nativas para cultivadas”, explica o pesquisador e líder do estudo Walfrido Tomas, da Embrapa Pantanal. Pastos naturais são cada vez mais trocados por exóticos diante do aumento da boiada no bioma.
A perda de alagados desde 1988 e grandes incêndios, como em 2020, causaram uma “reviravolta no uso da terra no Pantanal”, diz Cyntia Santos, do WWF-Brasil. A ong também assina o estudo dos corredores. “Esse conjunto de ameaças é potencializado pelas mudanças do clima, aumenta a perda de espaços naturais e torna o bioma mais vulnerável”, reforça a analista de Conservação.
Um Pantanal mais seco pela falta de chuvas e barramento dos rios que o alimentam também favorece o cultivo de soja e outros grãos preferidos pelo agronegócio. Isso tem um impacto mais negativo do que o gado, pois remove toda a vegetação. Lavouras de soja foram localizadas este ano na planície alagável, mostrou ((o))eco.
Para facilitar a vida de onças, cervos, bugios e de pequenas aves como o pula-pula amarelo, as “rodovias verdes” sugeridas buscam sempre o caminho mais curto e viável entre territórios preservados. Ao todo, 56 espécies de áreas úmidas, florestas e savanas foram analisadas para melhorar o traçado dos corredores.
Da teoria à realidade do território, as rotas da biodiversidade enfrentam centenas de obstáculos. Eles estão concentrados no Brasil e somam 225 áreas urbanizadas, 241 assentamentos e 106 lavras de mineração ou garimpo. Rodovias e ferrovias cortam as passagens em toda a região alvo da pesquisa.
As perdas de vegetação em margens de rios e nascentes também emperram a composição dos corredores, pois são vias naturais para a movimentação de animais. Imagens de satélites mostram que metade dessas áreas no planalto da Bacia do Alto rio Paraguai foi eliminada desde 1985. A agropecuária foi a maior vilã.
“No cenário atual, em que o Brasil e o mundo enfrentam um desafio enorme (…) em função do (…) aquecimento climático global, bem como a perda da biodiversidade, será cada vez mais necessário o estabelecimento de estratégias que ajudem a mitigar os impactos das atividades humanas (…)”, lembra o estudo.
Nesse sentido, o trabalho pode qualificar ações públicas, civis e privadas para proteger o Pantanal. Serve para direcionar planos e obras de desenvolvimento, de recuperação ambiental e estímulos econômicos à preservação, a criação de áreas protegidas, para posicionar licenças de desmate e reservas legais de fazendas.
A possível formação de corredores faz parte, por exemplo, do zoneamento ecológico-econômico (ZEE) do Mato Grosso do Sul. No documento, uma via para a biodiversidade atravessa o estado pela borda leste do Pantanal, enquanto corredores secundários interligam outros pontos do bioma.
“Manter paisagens conectadas permitirá a movimentação da vida silvestre por todo o Pantanal”, reforça Cyntia Santos, do WWF-Brasil. A entidade quer disseminar a ideia nos demais países pantaneiros. “Reforçaremos planejamento e ações nos próximos 3 anos para aumentar a resiliência de toda a Bacia do Alto Paraguai”, conta.
Os corredores igualmente beneficiarão fazendas e outras economias mantendo fontes de água, polinizadores e vegetação natural. “Critérios e certificações de sustentabilidade na produção e nas exportações são exigidos cada vez mais por mercados no país e internacionais”, lembra Walfrido Tomas, da Embrapa Pantanal.
Esforço privado
Correndo por fora, grandes empresários e banqueiros já compraram ao menos 536 mil hectares para compor corredores no Pantanal. A área é similar a do Distrito Federal. As terras são angariadas com dinheiro do próprio bolso ou de doações. Fazendeiros também se associam à empreitada.
Um dos grupos privados é a Aliança 5P (de pantanal, preservação, parcerias, pecuária e produtividade), articulado por ambientalistas e empresários como Teresa e Candido Bracher, acionista e ex-presidente do Itaú Unibanco, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, e Alexandre Bossi, da Pandhora Investimentos.
“O movimento não tem qualquer propósito comercial ou oportunista que não seja criar uma grande área privada preservada. Não sei até onde isso chegará, mas foi criado um possível modelo para outras regiões do Brasil”, destaca Roberto Klabin, da gigante do ramo de papel e celulose. Ele é parte da Aliança 5P.
As parcelas de início compradas ou posicionadas para formar o corredor estão em fazendas de membros do próprio grupo. Nesses e nos demais locais associados à iniciativa são vetados o desmatamento, lavouras de soja e outras culturas que prejudiquem terras e águas pantaneiras, a caça e a pesca predatória.
O corredor privado pode somar 350 km conectando as regiões da Nhecolândia e da Bodoquena, passando por áreas como o delta do rio Salobra e terra indigena Kadiwéu até a fronteira com o Paraguai. Na rota está o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, que em 2019 quase perdeu 80% da área por atrasos na regularização fundiária.
“Esse imenso corredor se desdobra pela região histórica do Itatim, que cobria praticamente toda a metade oeste do Mato Grosso do Sul e cujo nome remete à época dos jesuítas e dos bandeirantes”, recorda Walfrido Tomas, da Embrapa Pantanal. Esses grupos estiveram no Pantanal em parte dos séculos XVI e XVII.
Desafios supranacionais
Distribuída por 622 mil km² – similares à metade do território do Pará –, a Bacia do Alto rio Paraguai abriga populações humanas, animais e plantas do Pantanal, Cerrado, Floresta Chiquitana, Mata Atlântica, Amazônia e Chaco. No Paraguai, esse último enfrenta as maiores taxas globais de desmatamento.
Ao mesmo tempo, a grande planície alagável pantaneira ainda tem 80% de sua vegetação nativa preservada no Brasil. Puro contraste com regiões elevadas ao seu redor, onde lavouras e pastagens catapultaram o desmatamento e dão cabo de nascentes e cursos d’água.
“Apesar deste cenário, não existem mecanismos transnacionais que regulamentem ou orientem a abertura de novas áreas para uso agrícola e pecuário [na Bacia do Alto rio Paraguai ]”, destaca o estudo sobre corredores capitaneado pela Embrapa Pantanal.
Proteger mais o bioma depende também do detalhamento de normas federais. Desde 2012, quando foi publicada a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, não foi regrado o “uso restrito” do Pantanal. A lacuna permite a sobreexploração de recursos naturais e a edição de regras estaduais que driblam a formação de corredores e encolhem áreas protegidas.
Questões como essas podem ganhar maior foco a partir de janeiro, quando o novo governo promete recuperar inúmeras agendas e políticas socioambientais que foram estranguladas na administração do país pela extrema-direita, desde 2019.
“Em meio a tantas coisas acontecendo [no campo político], os corredores são um caminho para associar e implantar simultaneamente várias ações relacionadas à conservação do Pantanal”, defende Cyntia Santos, do WWF-Brasil.
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