Dentre os vários animais retratados por nossos ancestrais nos paredões rochosos da Serra da Capivara, coração da caatinga piauiense, estão uma anta e seu filhote. Este é mais um registro dentre muitos que confirmam a existência histórica da espécie no bioma. Mas não existem mais antas na Caatinga. Ela está extinta nesta formação vegetal unicamente brasileira há pelo menos 30 anos, segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e, até hoje, ninguém sabe o porquê.
Para encontrar respostas a esta e outras perguntas, durante todo o mês de março, uma equipe multidisciplinar formada por biológos, veterinários, comunicadores e especialistas na temática da coexistência humano-fauna vão percorrer cinco estados, na expedição “Caatinga – Em busca da anta perdida”.
À frente do grupo está Patrícia Médice, principal referência sobre a espécie no mundo. “Existe um déficit de informações sobre a ocorrência histórica da anta brasileira no bioma, bem como sobre os fatores que levaram ao seu desaparecimento”, diz Patrícia, que é pesquisadora, cientista e coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, do Instituto de Pesquisas Ecológicas (INCAB-IPÊ).
Anta perdida
A Tapirus terrestris é o maior mamífero terrestre do Brasil, com ocorrência em cinco dos seis biomas brasileiros. Com tamanha distribuição geográfica, a anta brasileira também está suscetível a diversas ameaças e pressões, como caça ilegal, atropelamentos em rodovias e perda e fragmentação de habitat provocados por incêndios, ocupação humana, expansão agropecuária e de centros urbanos.
Em cada um dos biomas em que ela ocorre, a anta tem um status de conservação, definido em função da redução populacional ocorrida no passado e projetada para o futuro. Apenas na Amazônia, no entanto, o número de indivíduos ainda não é preocupante.
A Tapirus terrestris é considerada “em perigo” no Cerrado e Mata Atlântica e “quase ameaçada” no Pantanal. Na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a anta brasileira é classificada como vulnerável à extinção.
Por isso, diz Patrícia, é tão importante entender as razões de seu desaparecimento na Caatinga. A ideia é que os dados e informações coletados na expedição ajudem os pesquisadores a evitar que isso aconteça em outros biomas.
“Ir atrás de informações sobre uma espécies que já foi extinta num determinado local, buscar entender as razões que levaram a essa extinção, como ela se deu, quem foi o responsável e em quanto tempo [a extinção] ocorreu pode nos trazer informações muito importantes pra gente repensar um pouquinho nosso trabalho nas outras áreas onde a gente também opera”, explicou Patrícia Médice, a ((o))eco.
Apesar de conviver com um problema de relações públicas bem grande no Brasil, a anta é essencial para a conservação dos biomas em que vive. Ela é considerada a “jardineira das florestas”, devido à sua capacidade de dispersar sementes e otimizar a germinação das mesmas sob a ação de seu trato digestivo.
Hipóteses para o desaparecimento
A Caatinga corresponde a cerca de 6% da distribuição geográfica da anta brasileira. Vários são os registros históricos de sua existência no bioma, a começar pela pintura rupestre citada no início da matéria e reproduzida na foto ao lado. Mas é não só no interior do Piauí que se tem notícia dela. Moradores antigos do norte da Bahia, por exemplo, também relatam o avistamento do animal. Juazeiro (BA), inclusive, ficou conhecido por ser um famoso entreposto de caça por onde as peles do animal eram comercializadas.
A caça, portanto, é uma das hipóteses trabalhadas pelos pesquisadores que vão compor a expedição na Caatinga. Mas há outras duas: a perda de habitat e as mudanças no clima.
Apesar de aproximadamente metade da Caatinga ainda estar preservada, a maioria destes remanescentes estão potencialmente expostos a atividades humanas. Apenas 9% da Caatinga está sob alguma forma de proteção legal. Assim, a hipótese é que a ocupação das áreas por atividades humanas teriam “empurrado” o animal para os outros biomas com os quais faz fronteira.
Além disso, segundo os pesquisadores, é provável que a espécie tenha sempre ocorrido somente nas porções úmidas das bordas da Caatinga, em áreas de transição com a Mata Atlântica, ao leste, e com o Cerrado, a oeste. Com a Caatinga se tornando cada vez mais seca, a anta foi perdendo as áreas úmidas em que vivia, tendo migrado definitivamente para esses outros biomas, explica Patrícia Médice.
“ A gente não sabe qual hipótese vai ser confirmada, só durante a expedição é que vamos começar a concretizar, a amadurecer nossa percepção”, diz.
Humanos X fauna
A temática da coexistência humano-fauna é relativamente nova nos projetos de conservação de espécies ao redor do mundo. Apesar disso, grande parte da expedição em busca da anta perdida vai se basear nesse novo nicho da ciência.
“Basicamente vamos coletar relatos [na expedição]. O tema da coexistência humano-fauna é um naco da conservação que está cada vez mais importante, porque nós, conservacionistas, estamos começando a nos dar conta da importância de inserir o conhecimento tradicional, os conhecimentos etno-biológicos para dentro de nossos trabalhos de conservação”, explica Patrícia.
Será a partir da coleta dos relatos e vivências das pessoas entrevistadas ao longo da expedição que a equipe pretende alcançar a resposta às perguntas ainda em aberto.
Para viabilizar parte da expedição e ajudar a divulgar a espécie, também foi criada uma campanha de financiamento público. “Além do recurso que irá viabilizar a expedição, a campanha é uma oportunidade do público conhecer mais a iniciativa e a ter mais contato com essa espécie tão importante para a biodiversidade brasileira. Por isso, pensamos em uma campanha e uma comunicação mais leve e até um pouco divertida, para que as pessoas possam criar uma boa imagem da anta e se interessem em saber mais sobre ela”, explica Thiago Massagardi, consultor em captação de recursos, responsável pela campanha.
A “Expedição Caatinga – Em busca da anta perdida”, vai percorrer cinco estados – Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Bahia e Piauí, parando em cerca de 30 localidades, entre elas 16 unidades de conservação onde se tem registros da espécie. Segundo Patrícia Médice, cerca de 100 entrevistas estão previstas para acontecer.
Os resultados vão subsidiar o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade na revisão da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas já existente e na elaboração da futura listagem, e também nas revisões do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Anta.
Além disso, as informações encontradas terão publicação científica formal e também em linguagem informal, para o público leigo.
*Errata: a cidade conhecida por ser um entreposto de caça no bioma Caatinga é Juazeiro (BA) e não Juazeiro do Norte (CE). O texto foi corrigido.
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Olá! Sou de uma das regiões onde a expedição passou (povoado do Riacho da Anta em Ruy Barbosa-BA) e gostaria muitíssimo de acessar mais informações dessa coleta de dados, bem como utiliza-la para processos de restauração ecológica em margens úmidas e produção de conteúdo valorando cultura regional.
Caso saiba de algo, pode entrar em contato comigo.
e-mail: [email protected]
Durante minha infância era comum ver a anta em uma propriedade familiar que fica nos limites da região que compreende a unidade de conservação APA Do Rangel, Serra Vermelha e Serra das Confusões no sul do Piauí. Área que mescla caatinga e remanescente de Mata Atlântica.
Fato geográfico BÁSICO do qual o autor esquece – Juazeiro do Norte é no sul do Ceará. A cidade baiana é Juazeiro.
Boa tarde..! E porque não reintroduzir de novo na caatinga?seria uma ótima opção , amo o trabalho das pessoas quer se dedicam a fauna e a flora, parabéns a todos vcs..! Sem mais obrigado.
O maior problema da extinção da anta em vários biomas brasileiros ė a caça que em nosso país é algo muito cultural, depois podemos colocar o desmatamento as queimadas o atropelamento a poluição por agrotóxico principalmente, e em último caso as mudanças climáticas, mas tudo isso aliado a inércia do poder público que não tem a estrutura eficaz de fiscalização, fazendo com que não só a anta mas toda a nossa fauna fique exposta a toda sorte de eventos negativos a existência desses animais.
A maior causa do desaparecimento da anta em vários locais, em primeiro lugar ė a caça, que no nosso país ė algo cultural levando toda a nossa fauna a um risco de extinção, depois podemos colocar o desmatamento, o atropelamento as queimadas, talvez as poluição por agrotóxico e por último as mudanças climáticas, mas tudo isso aliado a inércia do poder público que não tem uma estrutura de fiscalização eficaz no combate a todas essas mazelas, deixando toda a nossa fauna e posta a toda sorte de eventos extremamente negativos a conservação neste caso da anta.
Impressionante é que não há menção alguma às pesquisas de antropólogos na área das relações humano-animais. E muito provavelmente não há antropólogos participando do estudo. Conservação só com visão de biólogo é, no mínimo, complicado.
A expedição poderia considerar com maior profundidade a bacia hidrográfica do rio São Francisco, em particular o trecho baixo, SE e AL. Vale dizer que há cerca de vinte e cinco anos atrás foram ouvidos relatos de moradores do alto sertão de Alagoas, nas proximidades da atual RPPN Mato da Onça (a poucos quilômetros a montante do riacho das Antas, na margem sergipana) sobre ocorrência da espécie na região. Em contrapartida, temos bandos de capivaras que, com comportamento e adaptação diverso das colegas de zonas úmidas ou alagadas, adentram a catinga na zona ripária (inclusive na RPPN, onde estão bem protegidas).
Toda nossa fauna está em risco de extinção e a anta ė uma das espécies mais vulnerável a está situação sofrendo toda sorte de eventos negativos a sua existência sobretudo a caça que em nosso país é algo muito cultural.
Poderia ser feito a introdução da anta na catinga onde tivesse como ser uma área bastante protegida pelo poder público a fim de repovoar e temos esse animal da fauna brasileira de muita importância ambiental.