Nesta quarta-feira, dia 24, o Parque Nacional do Itatiaia ganha novo chefe. Walter Behr era a pura expressão do entusiasmo quando esteve na sede do Ibama no Rio de Janeiro, semana passada, para acertar os últimos detalhes antes de tomar posse em seu novo cargo.
Entre uma e outra reunião para resolver as questões burocráticas de sua transferência, ele teve tempo para conversar com O Eco sobre as expectativas de gerir o primeiro Parque Nacional brasileiro. “É como se tivesse me preparado para isso a vida inteira”, resumiu.
De fato, preparo não lhe falta. Paulistano de família alemã, formado em administração de empresas, Walter já foi ativista anti-nuclear do Greenpeace, criou sua própria ong ambientalista, pela qual batalhou durante seis anos para costurar o plano de manejo do Parque da Bocaina, passou três anos viajando pela América Latina para conhecer experiências bem-sucedidas em Parque Nacionais, e depois de aprovado no concurso do Ibama em 2002 trabalhou na Reserva Extrativista do Baixo Juruá, no coração da Amazônia, e voltou à Serra da Bocaina para organizar as compensações ambientais pagas pelas empresas que causam impacto no Parque e seu entorno.
Agora, prestes a dirigir pela primeira vez um Parque Nacional, ele se sente agraciado pelo destino. “Conheci Itatiaia há 30 anos, numa viagem escolar. Eu tinha uns 12 anos, morava em São Paulo e estudava numa escola suíça. Nunca tinha tido maiores contatos com a natureza. Me lembro da emoção que foi conhecer aquele lugar, aquelas montanhas impressionantes. A experiência me incentivou a continuar freqüentando o Parque na adolescência”, conta.
As idas e vindas o afastaram de Itatiaia por dez anos, e quando voltou o encanto estava desfeito. “Fiquei assustado. A primeira sensação foi a de entrar num condomínio”, lembra, citando as inúmeras pousadas, casas e lojas que se espalharam nas terras que oficialmente são públicas e protegidas. Espremido no Vale do Paraíba, entre Rio e São Paulo, o Parque Nacional do Itatiaia espera, desde a sua fundação, em 1937, pela solução de seus problemas fundiários. Hoje, cerca de 2/3 da área estão ocupados ilegalmente. Enquanto isso, a pressão urbana só faz aumentar.
Como o novo gestor espera resolver esses conflitos? “A questão não é resolver. É desencadear um processo para lidar com a questão. Tem 190 sítios na parte baixa do Parque, e isso não se resolve em uma gestão. É um projeto de longo prazo”, avisa.
Esse papo de “desencadear um processo” pode parecer conversa política para contornar um problema insolúvel. Mas Walter Behr tem algumas experiências práticas a lhe servir de guia. Sua crença na participação comunitária sofreu grande impacto depois do ano e meio que passou na Amazônia.
Recém-aprovado analista ambiental pelo Ibama, ele foi “jogado” na Reserva Extrativista do Baixo Juruá, no Acre, criada um ano antes. Sozinho, a cinco dias de barco de Manaus, sem sede e nem sombra de infra-estrutura, encampou a missão de viabilizar a atividade econômica de cerca de 200 famílias, divididas em 13 comunidades, preservando a floresta. “Eu tinha preconceito contra as reservas extrativistas”, reconhece. Sua formação ambientalista lhe dera a certeza de que a presença humana é necessariamente prejudicial aos recursos naturais. Mas logo compreendeu que, para pessoas que sempre viveram em terras públicas devolutas, sob a ameaça de serem expulsas a qualquer momento, a reserva extrativista significava uma revolução. “Pela primeira vez na vida eles ganharam direito de uso da terra, que sempre lhes foi contestado”, explica.
Com total apoio da comunidade, Walter começou a implantar a reserva, que vive à base de pesca, açaí e andiroba. Em um ano e meio, Juruá conseguiu levantar R$ 1,5 milhão em projetos aprovados junto ao Fundo Nacional de Meio Ambiente, ao Programa de Áreas Protegidas (ARPA) e ao Incra. Os próprios moradores construíram a sede do Ibama local. A reserva extrativista tornou-se um exemplo de conservação. “Eles têm 90% de floresta amazônica intocada e não deixam ninguém entrar lá. Não deixam, por exemplo, tirarem carregamentos de centenas de tartarugas, como acontecia antes”, destaca.
Walter Behr não tem qualquer ilusão de que os problemas amazônicos possam ser comparáveis aos da Mata Atlântica fluminense. Contra o argumento de que por aqui a pressão humana é muito maior, ele usa o senso de oportunidade: o Brasil está de olho no Sudeste, e tem muita gente querendo ajudar. “Na Bocaina, conhecemos pessoas e instituições que queriam doar áreas para o Parque. Tem organizações que compram terrenos e doam, como a TNC (The Nature Conservancy)”, diz ele, enumerando em seguida outras entidades que ele quer como parcerias, entre elas o Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) e a Natura. “É um privilégio atuar no eixo Rio-São Paulo”, diz.
Outro privilégio, segundo Walter, é estar à frente de uma unidade gestora. O Parque Nacional do Itatiaia é responsável por administrar e repassar os recursos de outras quatro unidades de conservação na região. Com planejamento e organização, acredita, não acontecerá de chefes de Parque ficarem a pé por falta de manutenção dos veículos oficiais, como aconteceu com Dalton Novaes, da Bocaina, que tentava chegar ao Rio de Janeiro no dia em que conversamos. Teve que pegar um ônibus. “Os Parques estão quebrados. Se usam toda a energia para cobrir o básico, os chefes ficam impedidos de tratar de outras questões importantes”, lamenta. Por isso pretende reavivar o intercâmbio entre as reservas e parques da região, nas áreas de fiscalização, infra-estrutura e combate a incêndios, iniciativa que já rendeu bons frutos, mas há tempos foi abandonada.
Mas para ele a chave do sucesso é mesmo a participação social. Diz que o chefe de Parque é um facilitador da relação entre governo e sociedade, e lembra que a lei permite várias formas de colaboração, concessões e parcerias. Além do Conselho Consultivo, que já existe, Walter quer criar Câmaras Técnicas setoriais, para abrir o Parque à participação de prefeituras, ongs e visitantes. “Quero que entendam as vantagens de ter um parque nacional por perto. É um benefício para a sociedade e o reflexo é positivo na economia do município”, diz.
Com a diplomacia típica de quem está chegando agora, evita comentar iniciativas no mínimo suspeitas, como a ong de políticos que se apropriou do nome do Parque e diz querer “salvá-lo”, mas não tem sequer um ambientalista e não consultou o próprio Parque. “Parceria só é parceria se tem a anuência do Parque”, limita-se a dizer.
Nada que abale o otimismo do autor de Parques Nacionais na América Latina, fruto de sua expedição de três anos a vários países, finalizado em belíssima edição com descrições de gestões inovadoras em parques na Argentina, Chile, Peru, Equador, Costa Rica, Panamá e Brasil (Chapada dos Veadeiros e Parque da Tijuca).
O lançamento do livro está planejado só para o ano que vem. Mas Walter Behr pode colocar o aprendizado em prática desde já.
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