Análise inédita atualiza os danos globais bilionários provocados pela invasão de ambientes naturais por animais e plantas exóticas e nativas. O Brasil deveria reforçar suas políticas públicas frente ao tamanho do problema.
A lista de invasores ambientais no Brasil tem animais como javali, peixe-leão, coral-sol, mexilhão-dourado e caracol-gigante-africano, além de plantas como braquiária, leucena e uva-do-japão.
Diretora-executiva do Instituto Hórus, Sílvia Ziller conta a ((o))eco que algumas espécies, sobretudo as aquáticas, estão tão disseminadas no país que é praticamente impossível erradicá-las.
“Cada bioma tem espécies invasoras mais específicas. Até na Amazônia é difícil encontrar áreas protegidas sem alguma invasão biológica”, diz a doutora em Conservação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A chegada e a dispersão de espécies invasoras é facilitada pelo comércio e criação diretas, bem como pela multiplicação mundial de meios de transporte, de viagens e de turismo, onde elas pegam carona.
Além de animais e plantas de outros países, cães e gatos domésticos abandonados e até espécies nativas do Brasil, mas levadas para outras regiões, podem prejudicar outros seres e ambientes naturais.
Disputas ecológicas
As espécies invasoras competem por espaço e alimentos com as demais, encolhendo a biodiversidade, provocando extinções, transmitindo doenças, prejudicando serviços ecossistêmicos, economias e a saúde humana.
Em nível global, esses prejuízos já custam US$ 423 bilhões anuais, ou cerca de RS 2,1 trilhões, mostra um relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, sigla em Inglês).
Ainda mais dramático, esses custos quadruplicaram desde a década de 1970 e estão fortemente conectados à grande maioria das extinções de plantas e de animais que ocorrem no mundo.
“As espécies invasoras influenciaram 60% e foram a maior causa de 16% das extinções globais de animais e plantas que registramos”, diz à IPBES Aníbal Pauchard, professor na Universidade de Concepción (Chile) e um dos autores do relatório.
O trabalho destaca que mais de 37 mil espécies exóticas foram introduzidas mundialmente. Esse é um dos maiores motores das perdas de biodiversidade, junto de mudanças em terras e mares, caça e tráfico, crise do clima e poluição.
“A grave ameaça global das espécies exóticas invasoras é subestimada e frequentemente ignorada”, destaca a análise, produzida durante quatro anos por 86 especialistas de 49 países.
Além disso, 3.500 espécies invasoras são nocivas às pessoas e muitas vezes a outros organismos. Mais ameaçador, cerca de 2.300 organismos invasores estão em terras globais de indígenas, ameaçando suas vidas e culturas.
“As espécies invasoras, muitas vezes ignoradas até que seja tarde demais, são um grande desafio em todos os países”, ressalta em nota da IPBES a cientista Helen Roy, do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido e outra líder do estudo.
Prejuízos múltiplos
A contabilidade dos custos gerados pelas invasões biológicas vem de efeitos colaterais concretos mundo afora, tanto no equilíbrio de ambientes naturais quanto em atividades e saúde humanas.
Castores da América do Norte e ostras do Pacífico são grandes transformadores dos ambientes que invadem, provocando muitas vezes sérios danos aos ecossistemas naturais.
A produção de alimentos também sofre, mostra a ocupação de cultivos de mariscos pelo caranguejo-verde na Nova Inglaterra (Estados Unidos) e os danos do mexilhão-de-água-doce à pesca indiana.
Outro exemplo, a pesca caiu no africano Lago Vitória após sua tomada pelo jacinto-de-água, uma aguapé, a invasora mais difundida no mundo. A lantana, um arbusto, e o rato comum, são a segunda e a terceira espécies invasoras mais disseminadas globalmente.
Não bastando, 85% dos impactos documentados no relatório da IPBES afetam a vida ou a saúde das pessoas. Doenças como malária, zika ou febre do Nilo são comumente disseminadas por mosquitos invasores.
“Seria um erro grave considerar as invasões biológicas como um problema de outras pessoas. São riscos e desafios com raízes globais, mas com impactos muito locais. Até a Antártica é afetada”, alerta o professor Pauchard, da Universidade de Concepción (Chile).
Um estudo publicado em julho de 2021, na revista NeoBiota, estimou que o Brasil gastou ao menos US$ 105,53 bilhões em 35 anos (1984-2019) com invasões biológicas. O valor corresponde hoje a mais de R$ 503 bilhões.
Desse total, US$ 104,33 bilhões (99%) foram devidos a danos e perdas causados por organismos invasores, enquanto apenas US$ 1,19 bilhão foi investido em prevenção, controle ou erradicação.
O trabalho usou a base global de dados InvaCost e apontou, ainda, que o Brasil tem pelo menos 1.214 espécies exóticas conhecidas, das quais 460 são reconhecidas como invasoras.
“Esses custos são sempre subestimados. O Brasil computa mais seus prejuízos agrícolas e bem menos as perdas em serviços ecossistêmicos”, lembra Sílvia Ziller, do Instituto Hórus.
Disseminação global
O balanço da IPBES levantou que ⅓ dos impactos das invasões biológicas ocorreram nas Américas, 31% na Europa e na Ásia Central, 25% na Ásia e no Pacífico e cerca de 7% na África.
A grande maioria (75%) dos prejuízos ocorreu em terras, seguidas por ambientes de águas doce (14%) e salgada (10%). A situação é mais grave em ilhas, onde plantas exóticas superam as nativas em ¼ das ilhas mundiais.
E a situação pode piorar pelo aquecimento da economia global, das mudanças no uso da terra e do mar, e dos deslocamentos humanos, avalia uma das líderes do estudo, Helen Roy (Reino Unido).
“Plantas exóticas invasoras podem interagir com a crise climática, levando a incêndios mais intensos e frequentes, liberando ainda mais dióxido de carbono na atmosfera”, explica a cientista.
No Brasil, dois casos emblemáticos brasileiros envolvem o javali (Sus scrofa) e seus híbridos, além do peixe-leão (Pterois spp.).
O primeiro é uma espécie europeia que chegou ao Brasil praticamente junto com os primeiros colonizadores portugueses. Está disseminado hoje por todos os biomas e pode atacar pessoas.
O segundo é um animal asiático avistado pela primeira vez no país em 2014. Pode ter migrado dos Estados Unidos graças ao furacão Andrew (1992) ou à quebra de um aquário na Flórida que levou ao mar inúmeros peixes, mostrou ((o))eco.
“Espécies com algum interesse econômico ou de lazer acabam se dispersando muito mais rapidamente nos territórios e águas”, lembra Sílvia Ziller, do Instituto Hórus. Ela também ajudou a elaborar o relatório da IPBES.
Virando o jogo
O informe do IPBES é o primeiro sobre espécies invasoras que foi construído mirando os chamados “tomadores de decisões”. Ou seja, detalha os dados mais importantes e alarmantes para que ações efetivas sejam tomadas.
“São fornecidas evidências, ferramentas e opções para ajudar os governos a atingir a nova e ambiciosa meta global sobre espécies exóticas invasoras”, descreve o documento, cujo sumário executivo pode ser conferido aqui.
Para isso, a grande maioria dos países precisa agir melhor e mais rápido. Afinal, suas medidas para enfrentar invasões biológicas deixam a desejar, reconhecem os especialistas que construíram o relatório.
Embora 80% dos países tenham metas para manejar espécies invasoras, apenas 17% têm leis ou outros regulamentos sobre essas questões. Além disso, 45% dos países não investem no gerenciamento de invasões biológicas.
Uma segunda versão da estratégia brasileira para enfrentar o problema foi lançada em 2018, mas falta uma melhor coordenação federal das ações, mais captação de recursos e capacidade técnica, diz Sílvia Ziller.
“Teremos um avanço real em escala e rapidez quando mais ações chegarem a estados e municípios”, avalia a diretora-executiva do Instituto Hórus, que desde 2002 atua para melhorar a gestão e o manejo de invasões biológicas.
Ao mesmo tempo, o relatório da IPBES aponta que novos incidentes e seus impactos podem ser contidos com um “gerenciamento eficaz e abordagens mais integradas”.
“É possível qualificar o licenciamento ambiental para reduzir as chances de invasões e melhor controlar áreas estratégicas, como unidades de conservação e portos”, avalia Sílvia Ziller.
Controles rigorosos em fronteiras e importações funcionaram em muitos casos, como em reduzir a disseminação de percevejos na Australásia – região com Austrália, Nova Zelândia, Nova Guiné e ilhas menores da Indonésia.
“A prevenção é a melhor e mais econômica opção, mas a erradicação, a contenção e o controle também são eficazes em contextos específicos”, agrega Aníbal Pauchard, da Universidade de Concepción (Chile).
Exterminar espécies pode funcionar com populações pequenas e de disseminação lenta, e ainda em ambientes isolados. O rato comum e o coelho europeu foram erradicados do arquipélago da Polinésia Francesa, no Pacífico.
“No Brasil, há um melindre com o extermínio de espécies invasoras, mesmo que isso siga gerando custos e complicações para a conservação de espécies nativas”, comenta Sílvia Ziller.
Banir plantas invasoras pode ser mais complicado. Afinal, suas sementes podem permanecer dormentes no solo. Todavia, restaurar ecossistemas degradados aumenta sua resistência às atuais e possíveis novas invasões.
Outras recomendações listadas no relatório do IPBES contra as invasões biológicas incluem melhorar políticas públicas e setoriais, destinar uma fatia maior dos orçamentos para ações e pesquisas, e promover campanhas de informação e participação do público.
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No Brasil há mais do que “melindre” em abater espécies invasoras, há uma verdadeira proteção à essas espécies. No caso do javali, há um exército de controladores, ávidos por abate desse invasor, sendo tolhido e impedido diuturnamente de ter acesso às ferramentas efetivas de controle. Caçadores registrados são milhares, porém não podem, por exemplo, ter acesso a equipamentos de visão térmica para busca eficiente, armas de potência e ação eficazes ao abate, além de submetidos uma incrível burocracia. Assim, além de sua proteção natural e alimentação em abundância, javalis contam com a blindagem governamental.