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Enfim, abrigados

Descoberto há oito meses a 100 km de São Paulo, o bicudinho-do-brejo-paulista estava ameaçado de extinção. Agora ganhou vida e casa novas.

Aline Ribeiro ·
13 de outubro de 2005 · 19 anos atrás


De penas brilhantes pretas ou rajadas, com cerca de 10 centímetros e personalidade dócil, o animal estava a caminho da extinção. O local em que foi achado, na zona rural de Salesópolis, a cerca de 100 km de São Paulo, estava sendo alagado devido à abertura da barragem do rio Paraitinga, afluente do Tietê que abastece a capital paulista. “A água subia cerca de dez centímetros por dia. Tínhamos de tomar providências para salvar a espécie”, lembra Silveira. A previsão era de que 600 hectares da região fossem tomados pelas águas dentro de um ano.

A solução encontrada para salvar o bicudinho-do-brejo-paulista gerou um projeto inédito no Brasil: transportar as aves das áreas ameaçadas para brejos do entorno, considerados locais apropriados e com menos riscos. Ou, no jargão científico, translocá-las. Com o apoio do Ibama, do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) e da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sema), os trabalhos começaram imediatamente, em março.

“Não sabíamos quais seriam os resultados, nem mesmo se as aves se adaptariam àqueles locais. Havia dois caminhos: a morte de 100% dos animais ou de 100% menos x”, diz o biólogo. Seis meses depois, a dúvida transformou-se em boa notícia: 52 dos 72 pássaros salvos foram reavistados no novo ambiente.

O trabalho de resgate e soltura dos animais foi feito em três expedições ao longo de dois meses, por veterinários, alunos e estagiários da USP. Diariamente, eles saíam às matas e brejos da região em busca de mais exemplares dos moradores até então desconhecidos, com o cuidado de não machucá-los na captura. A fim de identificar os bicudinhos, os pesquisadores coletaram dados como peso, tamanho, asa, cauda, bico e parasitas, e anilharam cada um deles. Também foram retiradas amostras de sangue das aves, para a realização de estudos genéticos.

Casa nova


Depois que os pássaros ganharam identidade e um novo lar, os pesquisadores voltaram para suas casas. O projeto, porém, não pára por aí. Ainda resta uma missão, que deve perdurar até março do ano que vem: conhecer mais profundamente os hábitos do bicudinho, o tamanho e a distribuição da população. Hoje já se sabe alguma coisa do seu comportamento. “Eles adoram insetos, procuram comida a todo o momento”, conta Silveira. Não têm um canto muito rebuscado, mas conseguem ser harmônicos. Andam normalmente em duplas. Até o canto é em dueto. Como voam distâncias pequenas (cerca de 20 metros, em média, da decolagem à aterrissagem) e na parte mais rasteira do brejo, não conseguiriam ter fugido das áreas em que moravam e que hoje estão virando lago.

Ainda se sabe muito pouco sobre a propagação dos bicudinhos. “O período de reprodução de grande parte dos animais, inclusive das aves, começou na primavera. Só agora poderemos notar como se relacionam. Pelo que percebemos até o momento, parecem ser monogâmicos”, diz Silveira.

Para dar continuidade ao projeto de monitoramento e descoberta de novos pássaros do gênero, a bióloga Érika Machado Costa Lima permanece, durante 15 dias de cada mês, alojada nos arredores de Salesópolis. Diariamente, observa as 12 regiões em que as aves anilhadas foram soltas e registra a evolução do trabalho numa planilha padronizada. “Faço o play-back (ligar um gravador com o canto do pássaro para atrair outros da mesma espécie) na região e, depois de um ou dois minutos, eles chegam”, conta. “Para mim, é muito gratificante ver um animal que soltei há seis meses retornar. Sinal de que a técnica é válida”.

O bicudinho-do-brejo-paulista é do gênero Stymphalornis, descoberto em 1995. Ainda não tem nome científico definido. Para que seja batizado oficialmente, é necessária a publicação de um artigo científico que descreva as principais características morfológicas da ave. A descoberta será formalizada por Luís Fábio Silveira, pelo ornitólogo Dante Buzzeti - que já havia avistado a espécie no final do ano passado – e pelos pesquisadores Marcos Borschein e Bianca Reinert. “Encontrar uma nova espécie é sempre importante. Mas quando é avistada no local que foi, perto da maior cidade do país, é uma felicidade ainda maior”, diz Silveira.

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