No país do mensalão e da fabriquinha, há pessoas se oferecendo para cuidar do interesse público por cinco mil reais. Cinco por mês? Não. Por ano. Pode não ser muita gente que trabalha por tão pouco. Mas nesta época do ano, quando a Fundação O Boticário começa em Curitiba a colheita dos projetos que entrarão em sua próxima safra de patrocínio, dá de sobra para encher um relatório de 239 páginas nada menos de 257 propostas quase sempre baratas, para poupar ao Brasil novos recordes de desperdício ambiental.
Candidatar-se, em si, já é uma prova de esforço, se não for uma temeridade. Implica antes de mais nada preencher um formulário cravejado de quesitos técnicos. Apresentar um plano de ação exeqüível. Conseguir o endosso de instituições respeitáveis que ponham a mão no fogo por sua capacidade de cumprir o que promete. Mostrar que a utopia cabe na previsão de custos. E entregar a papelada toda no prazo, o que nem todo mundo consegue.
Feito isso, começa o aperto. Os projetos são espremidos pelo olho clínico de especialistas na matéria, seja qual for a matéria. Para isso a fundação conta com 100 voluntários, fazendo sem cobrar, como consultores, os pareceres que recomendam ou aprovam cada proposta. Dessa primeira peneiragem volta uma fração dos candidatos. Em geral, pouco mais de dez por cento. Os outros ganham experiência, o que não é pouco. Serve para tentar outra vez com a pontaria corrigida. E quem tenta até acertar acaba tendo na retaguarda uma discreta torcida.
Para os que escaparam, o pior vem no fim. Os projetos caem nas mãos de um conselho, também de voluntários, que duas vezes por ano se reúne só para isso. Nessa última instância, não basta fazer justiça às propostas. É preciso garantir ao mesmo tempo um mínimo de equanimidade à natureza. Afinal, é para isso que existe a fundação. O conselho só fecha o pacote depois de pesar se nele há Mata Atlântica demais e Amazônia de menos. Ou vice-versa. Se ninguém esqueceu a Caatinga ou o Cerrado. Se tem verba para cuidar da fauna marinha ou dos problemas urbanos. Nessa hora vale tudo, menos o que está ficando cada vez mais banal na vida pública brasileira. Ali jamais se ouviu falar que o patrocinador ou mesmo os técnicos da casa tivessem um favorito oculto na manga.
Talvez porque o dinheiro do programa não é elástico, como costuma ser o de Brasília. Em seus 15 anos de existência, a Fundação O Boticário investiu nesse programa de incentivo à conservação o equivalente a US$ 5 milhões. Com eles bancou até agora mais de 900 iniciativas concretas, que talvez não tivessem existido sem seu apoio. Naquela mesa, um pedido de R$ 60 mil – ou seja, a bagatela de dois deputados mensais, só de indenização por votarem com o governo – deixa os conselheiros meio embatucados. Projeto de R$ 30 mil soa caro. De R$ 15 mil sempre merece uma releitura, para ver se não é caso de pedir desconto. Ali por mil reais se discute.
Dito assim, parece avareza. Mas foi esse dinheiro que, em uma década e meia de doações meticulosas, mudou radicalmente a vida de bichos, plantas, biólogos, botânicos e, sobretudo, de incontáveis brasileiros que nem sabem que ele existe. Por exemplo, os que visitam Bonito, no Mato Grosso do Sul, uma paisagem que corria o risco de acabar antes que, seis anos atrás, a Fundação O Boticário aprovasse um projeto chamado Formoso Vivo.
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