Esta coluna cumpre o doloroso dever de dar uma boa notícia. Está quase pronta a cortina de árvores que a Itaipu Binacional plantou no oeste paranaense. Ela já cobre as margens do lago artificial que alimenta a hidrelétrica, cercando de matas ciliares o reservatório de 1.350 quilômetros quadrados. E agora, por um corredor florestal de 12 quilômetros, está a um passo de emendar o Parque Nacional do Iguaçu com o Parque Nacional de Ilha Grande. Não é nada, não é nada, é praticamente o Paraná de sul a norte, quase um oásis em sua paisagem dominada pelo verde anêmico dos pastos e campos de soja.
Ela não passa de uma tira de árvores. Onde se alarga, vai a 400 metros de largura. Onde se estreita, mal chega aos 150. Mas, vista do avião, faz tanta diferença no palco desolado da prosperidade agropecuária que parece um suvenir do sertão descrito em 1876 pelo engenheiro André Rebouças, quando ele propôs que o país guardasse aquilo tudo para mostrar ao mundo, “daqui a centenas de anos”, o Brasil “tal qual Deus o criou”. Ele foi o primeiro brasileiro a falar em parque nacional. E pensou grande. Queria preservar o rio Paraná de alto a baixo, com sua “fauna variadíssima”e sua “flora que não tem igual”.
A idéia não pegou. Cento e oito anos depois, quando a barragem de Itaipu engoliu no Paraná o Parque Nacional de Sete Quedas, sobrava dos planos de Rebouças só Iguaçu. Reencontrá-los no mapa tanto tempo depois, senão refeitos, pelo menos delineados em verde escuro, pode não ser um consolo, mas é uma surpresa.
“Plante e fuja”
Tudo por conta do reflorestamento que Itaipu levou a sério. O programa sofreu desvios, como o da leucena, árvore com tamanha disposição vingar em solos gastos que, segundo Fernão Carbonar, zootecnista da empresa, deveria ser vendida com uma etiqueta avisando: “Plante e fuja correndo”. A leucena ameaçou tomar as bordas da represa. Mas serviu para ensinar aos técnicos que a melhor maneira de controlá-la é fazer a mata nativa chegar primeiro.
Como tudo na hidrelétrica é gigantesco, ela plantou em duas décadas cerca de 23 milhões de mudas. Para traduzir isso em medida corrente, é só lembrar que ao governo Lula, acrescentando dois viveiros de 200 mil mudas por ano à transposição do rio São Francisco, passou a chamá-la de “revitalização”. São 40 mil hectares de reserva legal, só do lado brasileiro. Nos hortos de Itaipu, cultivam-se 120 espécies nativas. Um “coquetel de árvores”, diz Carbonar. Onde a mata pegou, ipês e perobas dominam o cenário.
Três anos atrás, o programa transbordou o lago, estendendo-se em direção a Iguaçu. Conectou-se a uma fazenda que fica no caminho, a Santa Maria, dona de uma reserva de 270 hectares. Derramou-se por 30 metros de cada lago dos rios secundários que margeia. E já sombreou o chão com árvores de até seis metros de altura. “Eu mesmo não acredito”, admite Carbonar. Mas ele se convenceu de que os bichos do parque nacional aderiram a seu “corredor da biodiversidade” pelas arapucas e armadilhas que caçadores clandestinos passaram a montar no percurso.
Mais dia, menos dia, é provável que antas, veados e onças saiam do Iguaçu e subam ao parque de Ilha Grande sem atravessar campo aberto e minado. Dali ao o Pontal do Paranapanema, em São Paulo, é um pulo. E lá o Ipê, uma ONG ambiental, usando mudas produzidas em assentamentos da reforma agrária, tece desde a década passada corredores para a fauna ao redor da reserva do Morro do Diabo. Ilhada pelas fazendas que grilaram a região na década de 50, ela ganhou assim uma saída para o Mato Grosso do Sul. No futuro, se as pontas de Itaipu e do Ipê se entrelaçarem, o trânsito entre os três estados ficará livre para animais silvestres, só porque uma empresa fez a mata ciliar como manda a lei. E aí está o lado doloroso desta boa notícia: é que, por rara, ela virou notícia.
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