Nathália Clark
A Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública nesta terça-feira, dia 22 de março, em homenagem ao Dia Mundial da Água. Em mesa de posições múltiplas, contando com a presença de autoridades do Governo Federal, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), e de ONGs ambientalistas, o evento teve como pautas principais o acesso a água de qualidade, saneamento básico, e a reforma no Código Florestal no que tange, principalmente, às Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Segundo dados da Unesco apresentados pelo representante brasileiro Vincent Defourny, o número de pessoas sem acesso ao saneamento básico aumentou para 134 milhões. “O Brasil avançou muito na oferta de água de boa qualidade, se aproximando de uma das mais importantes metas do milênio, mas ainda carece evoluir muito na questão do saneamento básico”, afirmou Defourny.
Mesmo com esse aumento negativo, o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Guillo, se disse otimista. Isto porque, da parte da agência, o que está sendo feito é investimento em pesquisa e planejamento, o que pode ajudar na alocação dos recursos de forma mais eficiente. Foi lançado hoje o Atlas de Abastecimento Urbano de Água, um mapeamento completo de todos os 5.565 municípios brasileiros, liderado pela ANA em parceria com instituições federais, estaduais e municipais.
O estudo, no entanto, mostra um horizonte não tão otimista. Os dados sinalizam que mais da metade dos municípios brasileiros (55% do total) terá deficit de abastecimento de água em 2015. Os motivos são, prioritariamente, o comprometimento da qualidade dos mananciais e a capacidade da infra-estrutura de distribuição de suportar a demanda crescente adequadamente.
De acordo com o diagnóstico, são necessários investimentos de R$ 22,2 bilhões para evitar o risco de um colapso total até 2025. Somente para tratar das redes de coletas de esgoto, serão necessários R$ 40,7 bilhões. Para os esgotos jogados nos rios, que impedem a reutilização das águas, serão necessários nada menos do que R$ 70 bilhões.
Implementação da Política no Ministério
Quanto ao Sistema de Acompanhamento e Avaliação da Implementação da Política de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente houve muitas críticas. Silvano Silvério, secretário de recursos hídricos e meio ambiente urbano, admitiu que o sistema é de fato dinâmico e tem problemas, “mas caminha para seu aperfeiçoamento”. Segundo o secretário, o governo federal deve aperfeiçoar os instrumentos de participação das demais instâncias no processo.
Segundo ele, o Plano Nacional de Recursos Hídricos, o primeiro da América Latina, evoluiu muito. “Já temos alguns planos de bacias (Planos Estratégicos de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas) aprovados, como o das bacias de domínio da União, da Bacia do rio São Francisco, do Tocantins-Araguaia, e estamos às vésperas de aprovar (na próxima reunião do Conselho) o Plano das Bacias dos Afluentes da Margem Direita do rio Amazonas”, disse.
As alterações no clima foram outro dos destaques da mesa de debates, tendo como conseqüência o aumento do nível das águas costeiras e a seca em áreas sujeitas à desertificação. Outros tópicos citados por Silvério foram a inclusão de comunidades dispersas nas redes de abastecimento e saneamento, e a relação da água com o desenvolvimento econômico.
O Código Florestal e as águas brasileiras
O diretor da ANA chamou a atenção para a importância do Código Florestal também na gestão dos recursos hídricos. Segundo ele, o Brasil dispõe de 1,6 milhões de quilômetros lineares de rios, independente do seu tamanho, e, do ponto de vista hídrico, é comprovado tecnicamente que APP não pode ser menor do que 30m.
Guillo frisou ainda que a proposta de redução de APPs de 30m para 15m não conta com a adesão da ANA: “Nós apresentamos notas técnicas defendendo que essas áreas sejam mantidas em pelo menos 30m”. Disse isso ao lado do deputado Oziel Oliveira (PDT-BA), vice-presidente da Comissão, grande produtor de soja do nordeste e apoiador do relatório de Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
Tendo a água como insumo principal na atividade agropecuária, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) não poderia ficar fora do debate. Nelson Ananias Filho, assessor técnico da CNA, demonstrou que a irrigação está presente em 7,44% das áreas de lavoura, sendo esta a atividade agropecuária e econômica que mais consome água no mundo. Segundo ele, o país possui 13% das áreas potencialmente irrigáveis do mundo, e cerca de 65% da água é reaproveitável no processo de irrigação.
Após a apresentação de Ananias, Mário Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, concluiu: “talvez o único consenso entre ambientalistas e ruralistas seja com relação à água”. Mas frisou que “os 30m de APPs ainda são pouco para garantir nossos corpos d’água”.
Vicente Guillo defendeu que a água no Brasil pode ser uma ponte virtuosa entre a produção e a conservação do meio ambiente. O diretor chamou a atenção para as políticas de pagamento por serviços ambientais, que indenizam os produtores rurais garantindo os serviços ambientais necessários, e que pode de maneira significativa atender aos dois interesses. Segundo ele, a ANA passou a alocar de R$ 100 milhões/ano para R$ 200 milhões/ano no Programa do Produtor de Água.
Essa foi considerada pelo presidente da Comissão, deputado Giovani Cherini (PDT-RS), “a solução para todos os problemas que estamos discutindo”. Ainda assim, o representante da CNA acha que esta solução está bastante distante da realidade. O evento foi finalizado com um brinde dos convidados. E ergueram-se os copos de… água!
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