Reportagens

Paraíso à deriva

Visitas de enormes transatlânticos, permissão para camping dentro de reserva biológica e deficiência no policiamento dão o tom do verão de 2007 em Ilha Grande, Rio de Janeiro.

Andreia Fanzeres ·
21 de dezembro de 2006 · 18 anos atrás

Na manhã do dia 14 de dezembro era possível ver, da vila de Abraão, um transatlântico ancorado na Baía de Ilha Grande, no sul do estado do Rio. Não era uma cena comum. Afinal, apenas uma vez, em novembro de 2005, um navio como esse fez escala na ilha, com 600 passageiros a bordo. Este ano, poucos minutos após a aparição do transatlântico, começaram a chegar lanchas que faziam dezenas de viagens levando os turistas para a região insular. Uma horda. No desembarque, foram recebidos com caipirinhas grátis, lotaram os bares, fizeram compras, abarrotaram as pequenas praias da enseada do Abraaão. No fim da tarde, voltaram ao navio.

De janeiro a março, um outro navio, o Island Star, já tem pelo menos três paradas agendadas em Ilha Grande. Com 208 metros de extensão e capacidade para 1.875 passageiros, fora os 500 tripulantes, o transatlântico obteve a permissão da Capitania dos Portos para permenecer entre 10h e 20h parado na Baía de Ilha Grande. De acordo com o empresário Eduardo Galante, que é conhecido como a pessoa que conseguiu levar esse nicho do turismo para a ilha, os próximos navios poderão ancorar dentro da enseada, a apenas mil metros do pequeno cais de Abraão.

Para os comerciantes o desembarque dos turistas significa muito dinheiro. “Em mais ou menos oito horas de permanência na vila, estimamos que as pessoas deixem, no mínimo, 45 mil reais”, comemora Galante, presidente do Ilha Grande Convention & Visitors Bureau. “Espero que no Island Star mais pessoas desçam. É fome de gastar”, diz.

Galante só vê vantagens na visita de transatlânticos à Ilha Grande – que não tem resorts, grandes hotéis ou estrutura para absorver turismo de luxo, embora os preços dos serviços oferecidos em Abraão sejam sempre muito altos em função da presença quase majoritária de estrangeiros. Questionado sobre os impactos de tanta gente consumindo tudo que pode e abarrotando as praias em um curto espaço de tempo, o empresário assegura que a ilha comporta, e com folga, esse movimento. “Isso não é nada. A ilha recebe pelo menos duas barcas com capacidade para duas mil pessoas todos os dias. Quando os 1.700 passageiros do navio desembarcam em Abraão, eles praticamente somem”.

Mas isso pode ser muita gente se somado ao movimento de cercade 12 mil pessoas em Abraão na época de Carnaval e Réveillon. São campistas e turistas de todas as classes sociais em busca de praias de águas límpidas, mas que há muito, nesses períodos, deixaram de ser aprazíveis. E, quando Galante lembra disso, diz que não quer ver a ilha superlotada. “O público de transatlântico é mais seleto, mais civilizado. Como há regras a serem seguidas dentro do navio, as pessoas sofrem uma ‘educação interna’ por lá”, diz. Diferente de quando desembarcam nas praias, onde nem sempre seguem esse tipo de conduta.

Despreparo

Até o fechamento desta edição, os policiais militares do Batalhão Florestal lotados em Ilha Grande e em Angra dos Reis não sabiam informar que tipo de atividades estão planejadas para o período de Natal e Ano Novo na ilha. Se acontecer como em anos anteriores, Abraão — a maior vila, com cerca de 140 pousadas e principal ponto de chegada e saída de turistas — corre o risco de ficar despatrulhada. Policiais contam que nesta época do ano costumam ser transferidos à cidade do Rio de Janeiro para reforçar a segurança durante o Réveillon em Copacabana, deixando Abraão totalmente desguarnecido.

Segundo um policial que não quis se identificar, o Batalhão Florestal conta com no máximo quatro homens e em esquema de revezamento para patrulhar os 193 quilômetros quadrados de Ilha Grande. E, pelo andar da carruagem, pode ser que em mais este fim de ano reste apenas um em Abraão. “Essa é a época em que a ilha mais recebe gente. Ficamos sem controle”, diz. Sem barcos ou quaisquer veículos motores. É a pé que eles costumam fazer vistorias, sendo que hoje nem autuar crimes ambientais podem mais. Segundo ele, havia um convênio com o Ibama, que fornecia blocos de autuações, mas isso acabou e agora eles ficam de mãos atadas. Ou melhor, vazias.

O assessor de imprensa e tenente coronel Leonardo, da Polícia Militar, diz que o convênio com o Ibama terminou e que é o órgão que deve apresentar uma nova proposta à Secretaria de Segurança Pública para ser reiniciado. O tenente coronel restringiu-se a dizer que o número de policiais militares na ilha é suficiente, e não quis responder à reportagem quantos homens estão lotados por lá. Também negou que os policiais sejam remanejados em ocasiões especiais. “Haverá um incremento principalmente no período entre o dia 26 de dezembro e 8 de janeiro, inclusive com a instalação de um posto ambiental na praia do Aventureiro”, informou.

Tempo limitado

A praia do Aventureiro é uma das mais procuradas por campistas e surfistas. É possível alcançá-la a pé, por longas trilhas, ou de barco, enfrentando mar aberto. Este ano há ainda uma situação inusitada. Ilegal desde que foi decretada a Reserva Biológica da Praia do Sul, em 1981, o camping na praia do Aventureiro está autorizado para 560 pessoas. O que ninguém sabe é de que maneira vão limitar o acesso dessas 560 pessoas – e não 570, 600, mil ou três mil pessoas – nesta pequena praia do lado oceânico da ilha, como por várias vezes já se constatou. A bióloga da Feema responsável pela reserva biológica, Norma Crud Maciel, ficou surpresa com o fato de o Ministério Público Estadual de Angra dos Reis estar obrigando a institutição a permitir camping numa unidade de conservação como aquela. “Pela primeira vez eu o vejo passando por cima do Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação]”, reclama. “Eu esperava que o MP viesse violentamente em cima de nós, nos obrigando a desafetar a praia do Aventureiro da reserva. E nós responderíamos que é o Instituito Estadual de Florestas que pediu vistas ao processo e o mantém parado por um ano e meio”, explica a bióloga.

Enquanto esse processo não anda por causa de uma outra proposta em curso para transformação da pequena praia de Aventureiro em Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), os problemas ambientais continuam correndo em ritmo acelerado. “Houve um crescimento desordenado terrivel de bares. Aquilo lá está ficando um favelão”, explica Norma. E pelas mãos dos próprios moradores de Aventureiro que se dizem caiçaras e merecedores da RDS. “Caiçaras eles não são mais. Eu tenho uma lista com 12 casas que eles venderam, onde pessoas que não são da comunidade já estão morando. Vinte e dois deles têm residência em Angra, com geladeira, fogão, televisor, celular, como qualquer um de nós, e usam o terreno de Aventureiro para alugar a campistas”, diz.

Procurada pela reportagem, a secretária de meio ambiente de Angra dos Reis, responsável pela região, não foi encontrada. Seu substituto, Leonardo Maltaroli, esquivou-se e pediu desculpas por não saber responder nenhuma pergunta sobre Ilha Grande porque está há apenas uma semana no cargo.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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